Qual era o objetivo da ocupação portuguesa na capital da Guiana Francesa?

1A Guiana Francesa, coletividade territorial de ultramar da França, é o menor território sul-americano e a única unidade política não independente da América do Sul. Junto com Guiana e Suriname forma uma região, marcada pela presença do planalto das Guianas, relativamente pouco conhecida e pouco explorada pelos estudos geográficos. Voltadas para o norte, como é possível observar no mapa 1 pela localização das capitais, as Guianas se integram de forma tímida à dinâmica geopolítica sul-americana e, por essa razão, são consideradas como atores periféricos na região.

Mapa 01 – As Guianas

Qual era o objetivo da ocupação portuguesa na capital da Guiana Francesa?

2O objetivo desse artigo é analisar as características geo-históricas da Guiana Francesa, discorrendo sobre seus aspectos físicos, demográficos, etc. Tendo em vista as inúmeras possibilidades de investigação numa análise dessa natureza, optou-se por partir de uma reflexão norteada pelo modelo desenvolvido pelo Instituto de Altos Estudos Militares de Portugal (IAEM), que reúne fatores físicos, humanos, relativos a recursos naturais, à circulação, tecnológicos e estruturais. Busca-se, contemplando essas características, apresentar um panorama que permita uma compreensão mais aprofundada sobre o território.

3Dessa forma, o texto divide-se em duas seções principais, seguidas de considerações finais. A primeira apresenta uma contextualização histórica da região, abordando como se desenvolveu a colônia e como se deu o processo de departamentalização. A segunda elenca os fatores geopolíticos definidos pelo IAEM e analisa a Guiana Francesa à luz desses fatores, apresentando assim uma análise geohistórica. O artigo é fruto de pesquisa bibliográfica e documental e de um trabalho de campo realizado em janeiro de 2012. Muito embora vários dados aqui apresentados não sejam inéditos, acredita-se que seja relevante a análise proposta, pois ela viabiliza considerar, em conjunto, os vários elementos que caracterizam este território ultramarino francês.

De inferno verde a departamento ultramarino

4Desde o início do século XVII diversas tentativas de colonização do território da Guiana Francesa foram conduzidas sem muito sucesso. Um século depois ainda havia um grande esforço por parte dos franceses no sentido de concretizar a ocupação da colônia. Com este intuito, em 1764 mais de 11 mil franceses migraram para Kourou, a oeste de Caiena, mas foram acometidos por epidemias de malária, tifo, febre amarela e disenteria. Apenas cerca de 60 famílias sobreviveram e foram transferidas para as Îles du Salut, para que pudessem ficar em quarentena antes de serem repatriadas. O fracasso completo dessa iniciativa, associado aos inúmeros fracassos anteriores, fez a região ficar conhecida como “enfer vert” (inferno verde) (PIANTONI, 2009).

5O período da Revolução Francesa (1789 – 1799) e, posteriormente, o período napoleônico foram bastante significativos para a história da colônia. Foi nesse período que ocorreu o primeiro processo de departamentalização, muito embora ele tenha sido revogado por Napoleão, em 1801. O período revolucionário foi responsável também por inaugurar o estereótipo da Guiana Francesa como um local de exílio, pois durante essa fase inúmeros presos políticos, inimigos do regime, foram deportados e transportados pra lá. A partir de 1796, após o golpe de 18 fructidor (1797), essa prática se tornou recorrente, já que as mortes na guilhotina eram extremamente impopulares. Os opositores eram enviados para prisões no interior do território guianense, onde boa parte acabava morrendo de fome ou de doenças (MONTABO, 2004a).

6Posteriormente, quando as tropas de Napoleão invadiram Portugal, em 1808, a corte portuguesa se mudou para o Brasil e estabeleceu no Rio de Janeiro a sede da coroa. Dom João VI em resposta decidiu, com o apoio da Inglaterra, invadir a colônia francesa. O território foi, dessa forma, facilmente conquistado, embora não tenha sido anexado aos domínios brasileiros. A ocupação portuguesa se estendeu até 1817, quando, com o fim das guerras napoleônicas, a colônia foi devolvida à França (GRANGER, 2012).

7Após o retorno do domínio francês o território experimentou, pelo menos durante a primeira metade do século XIX, um significativo progresso econômico, baseado num plano de desenvolvimento agrícola, fundamentado no manejo de terras baixas e na utilização da mão de obra escrava. Essa época de prosperidade chegou ao fim com a abolição da escravidão, responsável pela libertação de 16 mil escravos que imediatamente abandonaram as plantações, causando o colapso da economia.

8O abandono das fazendas e a escassez de políticas eficazes de recrutamento de mão de obra nos anos seguintes levaram à ruína definitiva da agricultura como base da economia guianense. A segunda metade do século XIX foi marcada pelo desenvolvimento de duas novas atividades na colônia: a prisão e o garimpo. Em 1852, por um decreto de Napoleão III, foi instituída, na Guiana Francesa, uma colônia penal. O imperador alegava que os condenados presos nas cadeias francesas geravam enorme custo e ameaçavam a sociedade, de modo que seria muito mais produtivo usar a força de trabalho dessas pessoas para promover a colonização. Nos quase cem anos seguintes (1850 – 1946) a administração penitenciária se tornou a atividade mais importante da colônia. Diversos presídios foram construídos e milhares de condenados, ao todo 68 mil degredados, foram enviados à colônia e submetidos ao trabalho forçado.

9Outra importante atividade iniciada nesse período foi a extração do ouro, estimulada pela descoberta, em 1855, do ouro de aluvião em quantidades exploráveis no interior do território guianense. Foi desencadeada, então, uma verdadeira corrida pelo ouro que nessa primeira fase (1864 – 1944) permitiu que, em seu ápice, a produção chegasse a mais de 4.500 kg por ano. O apogeu da garimpagem se situa entre os anos de 1910 e 1930 e mesmo diante de uma tentativa, durante a I Guerra Mundial, de revitalizar a agriculta, o ouro se tornou a principal base da economia guianense (MONTABO, 2004b).

10A primeira metade do século XX foi marcada do ponto de vista econômico pela colônia penal e pela exploração do ouro. No campo político, a colônia avançou em direção a mudanças administrativas, que culminaram no processo de departamentalização, em 1946. A lei de departamentalização significou que as colônias Guadalupe, Martinica, Reunião e Guiana Francesa se tornariam, a partir daquele momento, départements d’outre-mer da França, nos quais o sistema político francês se aplicaria de modo idêntico ao da metrópole, salvo exceções determinadas na lei.

11Esse processo, entendido a partir do princípio da assimilação, removeu qualquer possibilidade de autonomia para esses territórios, mas para os guianenses representou a esperança de que a região decolasse rumo ao desenvolvimento econômico e social. A Guiana Francesa passou a ter o direito de designar um deputado, um representante para o Senado e para o Conselho Econômico e Social. O cargo de governador foi substituído pelo de prefeito departamental e posteriormente foi dada competência legislativa ao Conselho Geral (GIACOTTINO, 1984).

12Nesse mesmo ano concluiu-se a fase da colônia penal. Oficialmente, a condenação por degredo já havia sido extinguida por decreto em 1938. Desde então novos transportes de prisioneiros foram proibidos e a condenação a trabalhos forçados foi banida do código penal francês. Apesar disso, as prisões só foram realmente fechadas em 1946 e nos anos seguintes cerca de 800 presos foram repatriados.

13A departamentalização permitiu pequenos avanços e melhorias principalmente em termos de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico. Contudo, certamente o maior avanço vivenciado na segunda metade do século XX está relacionado à implantação, na década de 1960, de um centro espacial em Kourou. Em 1964 a Guiana Francesa foi escolhida para sediar as atividades espaciais da França, em virtude de sua localização geográfica, já que a proximidade com o Equador facilita a colocação de objetos em órbita, e da baixíssima densidade populacional. O primeiro lançamento foi feito em 1968 e, posteriormente, com a criação da Agência Espacial Europeia, em 1973, a base de Kourou se tornou o porto espacial da União Europeia. O sucesso do programa espacial Ariane, de lançamento de satélites, a partir da década de 1980, tem feito do Centre Spatial Guyanais – CSG um dos elementos principais para o desenvolvimento da Guiana Francesa, superando, em grande medida, o estigma de “inferno verde”, conquistado durante a colonização.

14É possível dizer que na década de 1990 a Guiana Francesa já se mostrava uma região muito mais próspera, a despeito da profunda dependência em relação à França metropolitana, atraindo, inclusive, muitos imigrantes dos países vizinhos. Os haitianos, surinameses e brasileiros são significativos, representando nesse período 75% dos estrangeiros presentes no território e cerca de 25% da população total (PIANTONI, 2009).

15Em janeiro de 2010, por uma iniciativa do presidente francês Nicolas Sarkozy, foi realizado um referendo na Guiana Francesa e na Martinica a fim de consultar a população sobre o desejo de alterar o status dos departamentos para coletividades territoriais ultramarinas, o que garantiria uma fusão entre o departamento e a região e o estabelecimento de uma assembleia única. Esse novo estatuto entrou em vigor em janeiro de 2016, muito embora, em nenhum momento, tenha sido cogitada a possibilidade de avançar em direção à independência (AFP, 2010).

Caracterização geo-histórica

  • 1 Para uma reflexão mais aprofundada sobre o modelo do IAEM, ver Leal (2007).

16Realizar uma análise geo-histórica é uma tarefa que pode ser conduzida de inúmeras formas, tomando como referência diferentes caminhos metodológicos. Neste artigo optou-se por refletir sobre algumas características da Guiana Francesa tendo como base o modelo desenvolvido pelo IAEM para se realizar uma análise geopolítica (GONÇALVES, 2011). Sem entrar no mérito de uma discussão mais aprofundada sobre as possíveis metodologias de análise, nem tampouco esmiuçar os critérios para a formulação do modelo elaborado pelo Instituto de Altos Estudos Militares, optou-se por analisar a geo-história da Guiana Francesa à luz dos fatores elencados abaixo por acreditar-se que eles contribuem para uma visão ampla acerca das características do território1.

17Os fatores identificados pelo Instituto estão sintetizados no quadro abaixo e visam contemplar os territórios analisados em suas dimensões físicas, demográficas, no potencial relativo aos recursos naturais, nas comunicações internas e externas, no grau de desenvolvimento tecnológico e nos aspectos políticos, econômicos, sociais e militares mais gerais. A última coluna extrapola o modelo do IAEM delimitando, de forma mais precisa, os elementos que serão considerados aqui para a análise da Guiana Francesa.

Quadro 1 – Fatores Geopolíticos (modelo IAEM)

Fator Físico

Extensão (dimensão e superfície)

Superfície territorial (Km²)

Localização (Posição relativa)

Continentalidade ou maritimidade

Configuração (forma e fronteiras)

Forma (compacta, alongada, recortada ou fragmentada); fronteiras (países fronteiriços)

Morfologia (relevo e hidrografia)

Características gerais de relevo e hidrografia

Solo (natureza geológica do solo)

Natureza geológica do solo, tipos de uso e fertilidade

Vegetação

Vegetação predominante/ bioma

Clima

Características gerais/ zona climática

Mar e vias navegáveis

Saída para o mar e abundância ou escassez de vias navegáveis

Fator Humano (população)

Demografia (aspectos quantitativos)

Efetivo populacional

Tamanho absoluto da população

Distribuição e densidade

Distribuição nas regiões do país, densidade demográfica total e densidade nos grandes centros

Taxa de crescimento

Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento natural

Composição ou estrutura da população

Composição etária, expectativa de vida e educação

Etnografia (aspectos qualitativos)

Características étnicas, linguísticas e religiosas

Grupos étnicos, idiomas falados e religiões professadas (porcentagens)

Homogeneidade ou heterogeneidade

Divergências ou tensões entre grupos da população

Fator Recursos Naturais

Energéticos

Petróleo, gás natural, hidrelétricas, energia nuclear

Minerais

Metálicos e não-metálicos

Alimentares

Terras agricultáveis, água, pesca

Fator Circulação

Comunicações (transportes)

Plano interno (transportes, vias de acesso, telecomunicações)

Comunicações (relações exteriores)

Relações externas (vias de acesso e migrações)

Fator Tecnológico

Grau de desenvolvimento científico-tecnológico

Setores avançados, inovações

Fator Estrutural

Aspectos Políticos

Governo, regime político

Aspectos Econômicos

PIB e taxa de crescimento

Aspectos Sociais

PIB per capta, mortalidade infantil, população abaixo da linha da pobreza, IDH

Aspectos Militares

Efetivos militares, investimentos e armamentos

Fonte: Elaborado pela autora com base em Gonçalves (2011)

Fator físico: a França tropical

18A Guiana Francesa é o menor território da América do Sul com 84.000 km², o que faz dela, por outro lado, a maior região francesa. O departamento está localizado entre os paralelos 2º e 5º de latitude Norte e os meridianos 52º e 54º de longitude Oeste, na porção nordeste da América do Sul. A capital, Caiena, se situa na porção nordeste do território, na foz do rio de mesmo nome.

  • 2 O coeficiente de continentalidade é 0,76, ao passo que o de maritimidade é 0,23.

19As fronteiras terrestres percorrem um total de 1.250 km, enquanto a fronteira marítima equivale a 380 km, conferindo ao território um coeficiente de continentalidade superior ao de maritimidade2. Em relação à forma, pode-se dizer que se trata de um território compacto, cujo formato é semelhante a um trapézio, uma vez que as extensões das fronteiras leste/oeste e norte/sul são próximas, havendo um ligeiro estreitamento na porção sul da área. O rio Maroni demarca a fronteira com o Suriname, que totaliza 520 km. A leste, pelo rio Oiapoque e ao sul, pela Serra do Tumucumaque, o departamento faz fronteira com o Brasil, num total de 730 km (PRIVAT, 2003).

20No tocante à morfologia o relevo é determinado pela presença do planalto das Guianas, mas de maneira mais específica Montabo (2004a) divide o território em dois espaços: as terras baixas e as terras altas. No primeiro caso, trata-se da planície litorânea, que na Guiana Francesa é uma faixa estreita, de 15 a 50 km, que se estende por toda a costa. Nessa área, a altitude média não ultrapassa os 30 metros, com exceção da “ilha” de Caiena e do monte Grand Matoury (234 metros).

21As terras altas, por sua vez, se dividem em quatro setores, como demonstra o mapa 2: uma zona de colinas ao norte, logo após a faixa litorânea; o maciço central de colinas graníticas, que constituem um dobramento bastante antigo; as montanhas do Inini-Camopi, onde se localiza o ponto culminante do relevo (a montanha Bellevue com 851 metros de altitude); e o peneplano meridional, pontilhado por inselbergs, formas residuais que expõem picos de granito.

Mapa 2 – Guiana Francesa – Unidades do Relevo

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22O relevo é abundantemente dissecado por rios e cursos d’água, a maior parte deles correndo na direção sul-norte. Os cinco rios principais são: o Maroni, o maior deles, com 540 km de extensão, e que estabelece a fronteira com o Suriname, o Mana, o Approuague, o Sinnamary e o Oiapoque, que demarca a fronteira com o Brasil. A Serra do Tumucumaque, ao sul, se configura como o divisor de águas entre a bacia hidrográfica das Guianas e a bacia Amazônica.

23No tocante aos tipos de solo, as terras altas são marcadas em parte, nas encostas, por solos rasos em função do escoamento da água provocado pelo relevo acidentado. Por outro lado, existem também, no planalto, solos bem drenados, nos quais o fluxo de água é profundo, capazes de sustentar a densa floresta tropical. Nas terras baixas, verifica-se uma primeira faixa, junto ao litoral, constituída por sedimentos marinhos de argila siltosa, depositados recentemente, sujeita à inundação das marés. Logo em seguida, encontra-se uma faixa considerada como a planície litorânea antiga, constituída de dois tipos de sedimentos sobrepostos: argila na base e areia fina e bem ordenada no topo. Na zona das terras baixas, portanto, a cobertura inicial, argilosa e que dispõe de boas propriedades físicas dá lugar a um solo de areia branca, constantemente alagado nos períodos chuvosos (BOULET, 1988).

24As terras férteis se localizam na planície litorânea e ocupam apenas uma pequena parcela do território. A superfície agrícola utilizada é de 232 km², o que corresponde a menos de 0,5% da área total. A terra arável equivale a 0,13% e as culturas permanentes ocupam 0,4% do território. As plantações se concentram nas terras baixas, no litoral e ao longo dos rios Maroni e Oiapoque. Ao longo dos rios prevalece a agricultura de subsistência, ao passo que na região costeira são produzidos legumes, vegetais e principalmente arroz, com a ajuda do sistema de pôlderes (INSEE, 2013).

25O território francês guianense é coberto, em 90% de sua área, pela floresta tropical, que ocupa as terras altas. São 7,5 milhões de hectares considerados, portanto, como a maior floresta da União Europeia. Na planície litorânea, numa estreita faixa, a vegetação se alterna entre manguezais e florestas pantanosas. No interior, como evidencia o mapa 3, predomina a floresta tropical.

Mapa 3 – Guiana Francesa - Vegetação

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26Em relação ao clima, a Guiana Francesa está inserida na zona climática equatorial e apresenta, por essa razão, um clima quente e úmido, com temperaturas elevadas e pouca amplitude térmica. A temperatura média anual gira em torno de 27ºC e as variações não chegam a ser superiores a 5ºC. Existem duas estações chuvosas bem delimitadas: uma menor, de dezembro a fevereiro, e uma de chuvas mais abundantes, de abril a julho. A elevada pluviosidade garante na região uma umidade relativa do ar de, em média, 80% (POIXBLANC, 2001).

27O acesso ao mar é favorecido pelos 380 km de costa e o grande número de rios possibilita uma ampla rede de vias navegáveis, que constitui, na prática, a principal ligação entre o interior e o litoral. Apesar da existência de muitas corredeiras e quedas d’água, no total 3.300 km de rios e cursos d’água são navegáveis, em sua maior parte por embarcações de pequeno porte. O porto principal do departamento é o Degrad des Cannes, localizado no estuário do rio Mahury, a cerca de 10 km da capital.

Fator humano: a França créole

28A população da Guiana Francesa é estimada em 240.000 habitantes e nos últimos anos o departamento tem experimentado um crescimento populacional elevado, em torno de 3,5% ao ano. A densidade demográfica, de um modo geral, é baixa, 2,7 hab./km², muito embora esse índice possa chegar a mais de 900 hab./km², como ocorre na região em que se localiza Caiena. Como demonstra o mapa 4, a maior parte da população está concentrada na planície litorânea, que ocupa cerca de 5% do território.

29A taxa de natalidade é considerada a mais elevada de toda a França, pois equivale a 30 nascimentos para cada 1.000 habitantes. A taxa de mortalidade é uma das mais baixas e corresponde a 3,5/1.000 habitantes. A fecundidade média é elevada, girando em torno de 3,5 filhos por mulher e a expectativa de vida é de, em média, 78 anos de idade. A estrutura etária da população apresenta um clássico formato piramidal, de modo que a população pode ser considerada jovem, pois 44% dos habitantes possuem menos de 20 anos de idade. A taxa de alfabetização é de 98% (INSEE, 2015).

Mapa 4 – Guiana Francesa – Densidade Demográfica por Commune em 2010

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30No que diz respeito à composição étnica, o departamento francês é bastante heterogêneo, já que cerca de 40% da população são créoles, descendentes dos negros africanos 30% são imigrantes e 10% são franceses metropolitanos, quase sempre concentrados na região de Kourou e de Caiena e envolvidos nas atividades do centro espacial. Os maroons, populações descendentes de escravos fugidos que formaram comunidades no interior, representam 6% e os ameríndios são 5% dos habitantes.

Figura 1: Grupos Étnicos Guiana Francesa

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Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados de INSEE (2015)

31Em relação às tensões sociais entre os grupos populacionais, pode-se dizer que não há grande divergência política entre os grupos tradicionais, mas a presença de imigrantes ilegais pode ser considerada um foco de tensão. O índice de desemprego no departamento é elevado, em torno de 20%, e muitas vezes os imigrantes, principalmente brasileiros, surinameses e haitianos, são responsabilizados por “roubarem” as oportunidades dos trabalhadores locais.

32A imigração recente começou com a demanda de mão de obra para a construção do centro espacial, na década de 1960. Posteriormente, nos anos 1990, uma nova onda de imigrantes chegou ao território e se tornou parte substancial da população. Como afirma Leclerc (2012), em meados da década de 1990 o índice de desemprego chegava a 40% e a mão de obra imigrante, irregular e, portanto, mais barata, era muitas vezes preferida em detrimento da mão de obra guianense.

33Embora não haja casos expressivos de conflitos entre imigrantes e guianenses franceses, o problema dos imigrantes é intenso quando se trata da migração ilegal, especialmente de brasileiros. A tentativa da polícia francesa de combater a entrada irregular e o garimpo ilegal rotineiramente termina em hostilidades (SILVA, 2005; AROUCK, 2000). Em julho de 2012, por exemplo, dois militares franceses que fiscalizavam áreas de garimpo no interior foram emboscados e mortos por garimpeiros brasileiros, o que foi chamado por um senador guianense francês de “declaração de guerra dos garimpeiros brasileiros contra a França” (FERNANDES, 2012).

Fator recursos naturais: a relevância da água e do ouro

34No tocante aos recursos naturais, em termos energéticos, a Guiana Francesa conta principalmente com o potencial hidrelétrico, em função da abundância hidrográfica. Cerca de 55% da energia consumida no departamento é fornecida pela usina hidrelétrica Petit Saut. A barragem, construída em 1994 no rio Sinnamary, possui 370 km² de extensão, tem capacidade de 115 megawatts e produz anualmente cerca de 560 gigawatts/hora, sendo responsável por abastecer parcialmente as principais cidades da região: Caiena, Kourou, Saint Laurent du Maroni, dentre outras. Estima-se que haja no território potencial para o desenvolvimento de pelo menos mais 60 instalações hidrelétricas. Além da energia hidrelétrica, outra fonte fundamental são os combustíveis fósseis, responsáveis pela provisão de 43% da energia consumida (DEAL GUYANE, 2015).

35Em setembro de 2011 um consórcio formado pela Shell e por outras empresas recebeu autorização do governo francês para iniciar uma grande empreitada de exploração do mar territorial em busca de petróleo. A descoberta desse recurso seria extremamente benéfica para reduzir a dependência energética da França e também para abastecer com tranquilidade o centro espacial, o maior consumidor de energia. Contudo, em novembro de 2013 a Shell declarou que o resultado das perfurações feitas até então não era positivo, embora as pesquisas fossem continuar (BEZAT, 2013).

36Os recursos minerais disponíveis no território são ouro, bauxita, estanho, cobre e diamantes. A concentração desses recursos, principalmente o ouro, se dá na porção norte e na porção central do departamento. Conforme discutido anteriormente, a exploração do ouro desempenhou um papel importante na história da Guiana Francesa e atualmente essa atividade ocupa o segundo lugar na economia do departamento, ficando atrás apenas das atividades relacionadas ao centro espacial. Anualmente, são produzidas, oficialmente, de 2,5 a 3 toneladas de ouro, mas as exportações do produto chegam a 9 toneladas por ano. Essa diferença é atribuída, em grande medida, ao garimpo e aos fluxos ilegais. Estima-se que existam cerca de 10 mil garimpeiros ilegais trabalhando no interior do território (CATZEFLIS, 2004). Os demais recursos minerais, a despeito do grande potencial, são explorados em menor proporção.

  • 3 Um parâmetro interessante de análise da disponibilidade de água e de terras agricultáveis é estabel (...)

37Em relação aos recursos alimentares, pode-se dizer que a Guiana Francesa apresenta uma abundância de água substantiva. A disponibilidade de água, em função da ampla rede hidrográfica, corresponde a aproximadamente 800 m³ por pessoa (IAEA, 2015). Não foram encontrados dados oficiais acerca da disponibilidade de terras agricultáveis per capita, mas pode-se inferir que, nesse aspecto, o departamento francês apresente um nível extremo de escassez. Isso ocorre pelo fato de apenas 25 mil hectares serem utilizados como superfícies agrícolas, o que equivaleria a 0,10 hectares por habitante3. A pesca, por outro lado, é bastante relevante para a economia local e se configura como o terceiro maior setor de exportação. Os 350 km de costa e os 130 mil km² de zona econômica exclusiva permitem uma produção de mais de 6 mil toneladas de peixe e camarão por ano, movimentando algo em torno de 25 milhões de Euros (RÉGION GUYANE, 2015).

Fator circulação: o relativo isolamento

38Do ponto de vista da circulação interna, a Guiana Francesa apresenta limites claros em razão de suas características físicas, de modo que as principais estradas, por exemplo, se localizam na planície litorânea, como evidencia o mapa 5. O acesso ao interior do território é bastante limitado em virtude do relevo e da densa floresta tropical. O departamento possui um total de 2.160 km de estradas, divididos entre 440 km de estradas nacionais, que interligam as principais cidades e comportam um grande fluxo de veículos, 408 km de estradas municipais, que são secundárias e conectam a zona urbana à zona rural, além de 1.312 km de estradas, em geral não pavimentadas, que dão acesso ao interior do território, normalmente utilizadas para a exploração madeireira e para o garimpo. A malha ferroviária é inexistente (INSEE, 2015).

Mapa 5 – Guiana Francesa – Rodovias

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  • 4 A retomada desses voos entre Caiena e Paramaribo, que existiam na década de 1990 e depois deixaram (...)

39Na questão da circulação externa, a Guiana Francesa possui como principal via de acesso o aeroporto internacional Félix Eboué, localizado em Matoury, a 13 km de Caiena. Nele operam a Surinam Airways, com voos destinados a Belém e a Paramaribo4, a Air Caraibes, que realiza voos para a França e a Air France, que disponibiliza saídas para a França, para a Martinica e para Guadalupe (territórios ultramarinos franceses), como evidencia o mapa 6. Pela via terrestre, uma balsa interliga as cidades de Saint Laurent du Maroni e de Albina, no Suriname. Na fronteira com o Brasil, uma ponte sobre o rio Oiapoque conecta a cidade de Saint George ao município brasileiro de Oiapoque. Construída em 2011, a ponte ainda não foi inaugurada, em função da necessidade de primeiro finalizar as obras do posto de fiscalização no lado brasileiro.

Mapa 6 – Guiana Francesa – Destinos Aéreos

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40No que tange aos fluxos migratórios, a Guiana Francesa pode ser considerada como um local de imigração. No total, os imigrantes representam 35,5% dos habitantes. Os grupos mais expressivos são os surinameses, os haitianos e os brasileiros, que começaram a chegar em grande número a partir da década de 1990. Hoje, eles representam, respectivamente, 13,8%, 8,8% e 8,7% da população (INSEE, 2015). Deve-se considerar, ainda, que muitos brasileiros, por exemplo, vivem e trabalham ilegalmente nos garimpos clandestinos no interior do território e por isso não são contabilizados nos dados oficiais.

Fator tecnológico: a preponderância do Centro Espacial

41No aspecto tecnológico a Guiana Francesa se destaca por abrigar o Centro Espacial Guianense, que funciona como o porto espacial da União Europeia. O setor envolve tecnologia avançada e o centro espacial é considerado uma das mais modernas e mais bem equipadas bases de lançamento. Além dos lançamentos realizados pela Agência Espacial Europeia, outros países também utilizam a base para colocar satélites em órbita, assim como o fazem outros fabricantes de foguetes, como a Rússia, por exemplo.

42Para o departamento, o centro espacial representa a principal atividade econômica e o caminho mais curto em direção ao desenvolvimento. O setor emprega direta e indiretamente 15% da força de trabalho, o que corresponde a aproximadamente 9 mil pessoas. Cerca de 15% do PIB departamental é fruto das atividades espaciais. Diversos projetos visando o desenvolvimento regional, a preservação ambiental, a formação de jovens e a criação de empregos são financiados pelo Centro Nacional de Estudos Espaciais, que administra a base (CNES, 2015).

Fator estrutural: a dependência da França

43Por fim, o fator estrutural se divide em aspectos políticos, econômicos, sociais e militares. Na dimensão política é necessário frisar que a Guiana Francesa ao que tudo indica, permanecerá sendo um departamento da França. Todas as leis francesas são aplicáveis no território guianense e a autoridade nacional é representada pelo prefeito, indicado pelo presidente francês. O departamento conta com um Conselho Geral e com um Conselho Regional, compostos por 19 e 34 membros, respectivamente, eleitos por voto popular para mandatos de seis anos. Os interesses do departamento são representados, no nível nacional, por dois deputados, um senador e um conselheiro econômico e social.

44Como parte do Estado francês, a Guiana Francesa faz parte da União Europeia, sendo considerada um território ultra periférico. As regiões ultra periféricas (RUPs) da UE são reconhecidas pelo tratado constitutivo do bloco como territórios caracterizados pelo afastamento do continente europeu, por baixa densidade populacional, insularidade e, muitas vezes, superfície reduzida, relevo e clima adversos e dependência econômica. Em virtude de seu atraso estrutural, contam com recursos financeiros provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e são consideradas como porta de entrada para o desenvolvimento de relações comerciais com as regiões nas quais se encontram, sendo vistas, ademais, como locais estratégicos para a implantação de atividades de alta tecnologia (EUROPA, 2015). Nesse sentido, a Guiana Francesa inequivocamente se estabelece como um território importante, pois permitiria o acesso europeu à América do Sul e ao Caribe, além de abrigar o centro espacial europeu, de valor absolutamente fundamental para a União Europeia.

45Em relação aos aspectos econômicos e sociais, constata-se que a condição geral na Guiana Francesa é elevada, quando comparada à realidade dos vizinhos do norte da América do Sul. O PIB do departamento é de 3 bilhões de Euros, apresentando crescimento de em média 3,5% ao ano e o PIB per capita gira em torno de 14 mil Euros. A taxa de mortalidade infantil, de 12,6/1.000 nascidos vivos, é comparativamente baixa, mas é considerada alta para os padrões europeus. O IDH oficial da França, de acordo com o PNUD, é 0,893, mas segundo a Agence Française de Développement (2012), o IDH do departamento equivale a 0,739. Além disso, estima-se que um quarto da população francesa guianense se encontre abaixo da linha da pobreza. Vale destacar também que o custo de vida no departamento é alto dada a dependência financeira em relação à França metropolitana, que pode ser considerada o principal parceiro comercial da Guiana Francesa (INSEE, 2015).

46Por último, acerca dos aspectos militares é importante ressaltar que o departamento em si, por razões óbvias, não dispõe de forças armadas próprias. A segurança é garantida pela polícia nacional, a Gendarmerie, composta por cerca de 470 policiais do departamento e por algo em torno de 450 militares que integram as forças móveis, responsáveis pela defesa do território. Os objetivos principais, além do policiamento regular, são: a proteção do centro espacial, o combate à imigração ilegal e o combate à garimpagem clandestina no interior do território (PRÉFECTURE DE GUYANE, 2015).

47Vale ressaltar, ainda, que muito embora a Guiana Francesa não detenha poder militar de fato, a França certamente é uma potência nesse sentido. O país, que é também uma potência nuclear, gasta 2,6% do seu PIB com as forças armadas (CIA FACTBOOK, 2015) e constantemente se envolve em intervenções militares, unilateralmente ou em coalizões. A França também utiliza o território da Guiana Francesa como quartel general do Terceiro Regimento de Infantaria da Legião Estrangeira, uma unidade militar francesa composta por mais de 7 mil homens, oriundos de 136 países. O terceiro regimento é composto por cerca de 670 homens organizados em 5 companhias (LEGIÃO ESTRANGEIRA, 2015).

Considerações finais

48A Guiana Francesa, embora seja um ator periférico na dinâmica política da América do Sul simboliza a presença da França na região e por isso possui uma posição de interface capaz de interligar os países sul-americanos à Europa. O relativo isolamento, causado pela existência do maciço das Guianas e da densa floresta tropical obscurece a relevância desse território para a região, fazendo com que o departamento francês mereça pouca atenção nos estudos sobre a América do Sul.

49Mesmo pouco integrado aos processos políticos que envolvem os Estados da região, a Guiana Francesa compartilha com os vizinhos problemas transfronteiriços como o tráfico de drogas, a migração irregular e o garimpo ilegal, além de disputar com o Suriname um pequeno território relacionado ao traçado do rio Marouini. Na prática, com exceção desses problemas transfronteiriços as relações da Guiana Francesa com o restante da América do Sul são tímidas e a inserção do departamento na dinâmica regional é bastante marginal. Contudo, apesar disso, esse território não deve permanecer desconhecido ou pouco explorado, pois a despeito de apresentar características geo-históricas tão distintas e de refletir uma identidade ao mesmo tempo créole, francesa e europeia, trata-se, sem dúvida, de uma unidade política sul-americana.

Qual o motivo da invasão brasileira em territórios da Guiana Francesa?

Com o objetivo de ampliar seu Império na América, eliminar a ameaça francesa e, ao mesmo tempo, vingar-se da invasão napoleônica em Portugal, D. João resolveu ocupar a Guiana Francesa, incorporando-a aos seus domínios.

Como foi a colonização da Guiana Francesa?

A pretensão francesa de se estabelecer na Guiana foi legitimada pelo tratado de Breda, em l. 667 e os limites com a colônia portuguesa do Brasil foram estabelecidos através do tratado de Utrecht de 1.713, mas, em 1.809, as forças portuguesas, em represália à invasão francesa em Portugal, anexaram a Guiana até 1.814.

Por que o Brasil perdeu a Guiana Francesa?

As tropas luso-brasileiras ocuparam o país entre 1809 e 1817, o que manteve um litígio territorial com o Brasil que só seria resolvido em 1900. Atualmente, a Guiana Francesa é uma região da França, a única da América do Sul a fazer parte do território da União Europeia.

Quem conquistou a Guiana Francesa?

A invasão da Guiana Francesa foi uma operação militar conjunta por uma força expedicionária Anglo-Portuguesa contra Caiena, capital da colônia sul-americana francesa em 1809, durante as Guerras Napoleônicas.