Quem fez o clássico cantando na chuva

Décadas depois, a piada ainda continuava valendo, e Woody Allen tirou proveito dela no recente Um Dia de Chuva em Nova York. A mulher do irmão de Thimotée Chalamet tem a voz de taquara rachada, e o público diverte-se com suas intervenções na trama. Mas o caso de Lina Lamont/Jean Hagen em Cantando na Chuva, de 1952, é diferente. Lina é uma estrela de Hollywood, no período silencioso, e a indústria está vivendo um momento de transformação, com a passagem para o sonoro. Muitas carreiras estão sendo destruídas simplesmente por que astros e estrelas não têm a voz adequada, aos ouvidos do público. Lina não tem. Entra em cena a garota que vai dublá-la, Kathy Selden/Debbie Reynolds. Lina fará de tudo para que ela permaneça anônima, e inversamente os amigos Don Lockwood/Gene Kelly e Cosmo Brown/Donald O' Connor também farão de tudo para que Kathy tenha o reconhecimento que merece.

Quem fez o clássico cantando na chuva

Cena do musical 'Cantando na Chuva', de Gene Kelly e Stanley Donner Foto: MGM

Tal é o plot, bastante simples, de Cantando na Chuva e até hoje tem gente que se interroga sobre os motivos que fizeram desse filme um clássico e, para muitos críticos e historiadores, o maior, ou pelo menos o mais cultuados dos musicais. Um ano antes, Vincente Minnelli recebera o Oscar de melhor filme, mas não o de melhor diretor, por Sinfonia em Paris/An American in Paris e, antes do final da década, em 1958, receberia os dois, melhor filme e melhor diretor, por outro musical, Gigi. O musical já se consolidara como gênero e, como o western, estava arraigado no imaginário do público. Na Metro, o estúdio que criara uma unidade intensiva só para musicais, com cenógrafos, coreógrafos e bailarinos contratados em tempo integral, o produtor Arthur Freed era o homem que orquestrava todos esses talentos.Veio dele a ideia, vaga, de fazer um musical usando as canções de sua autoria com o compositor Nacio Herb Brown. Para isso foram destacados dois roteiristas da casa, Betty Comden e Adolph Green.

Como as canções eram todas do fim dos anos 1920 e início dos 30, conceberam a ideia de um filme sobre esse período de transformação da indústria, quando os filmes começaram a falar. No roteiro original, a estreia de um filme chamado The Dueling Cavalier vira o maior fiasco porque o público, no alvorecer do sonoro, não aceita mais um filme mudo. Don é o astro e está deprimido, leva Kathy para casa e, na porta, impulsivamente, a beija. A vida vem, a chuva também, e ele sai cantando e dançando - Singin' in the Rain. Conta a lenda que Betty e Green planejavam para a cena do beijo outra canção - Good Morning. Planejavam usar Singin' em outro momento, mas Freed perguntou ao astro, e coreógrafo, Kelly se tinha alguma ideia e ele teria respondido. “Acho que sim. Quando chove, gosto de cantar.” Simples assim. Kelly expôs sua ideia, Freed e o diretor Stanley Donen toparam e nasceu uma cena antológica da história do cinema, não apenas dos musicais.

Donen havia feito com Kelly (e Frank Sinatra) Um Dia em Nova York, de 1949, já com roteiro de Betty e Green, sobre três marinheiros (Jules Munshin, o terceiro) cantando e dançando em Manhattan. O filme ficou tão bom, e a parceria tão harmônica, que Donen e Kelly assinaram o filme juntos, o que voltaria a ocorrer em Cantando na Chuva. O filme não possui uma grande história, são mais fragmentos que se passam durante uma filmagem. Se não inventaram o conceito do filme dentro do filme, as duas duplas (de diretores e roteiristas) conseguiram fazer o mais leve e divertido filme sobre os bastidores de Hollywood. Em geral, são tragédias, como Sunset Boulevard/Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, de 1950. Diversos números viraram antológicos - Make 'em Laugh, com O'Connor, e o tributo à Broadway e ao filme noir, com Kelly e Cyd Charisse, a estrela que Ruy Castro vai jurar que tinha as mais belas pernas do cinema. Mas o grande número, o melhor de todos, é Singin' in the Rain. Esculpiu a fama de Cantando na Chuva como o filme mais feliz e otimista do cinema. Uma ode à esperança, muito bem-vinda, e necessária, em tempos de pandemia como os que estamos vivendo.

Onde assistir:

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  • Oldflix

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Quem fez o clássico cantando na chuva

Nota:

Quem fez o clássico cantando na chuva
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Dizer “o melhor de todos” é arriscado, perigoso. Até porque não existe fita métrica, balança, escala Richter para medir o que é bom, o que é melhor. O julgamento é absolutamente subjetivo, cada um tem suas opiniões, seus gostos, suas preferências, e gosto não se discute.

A expressão “o melhor de todos” deveria ser evitada. “Um dos melhores” é muitíssimo mais recomendável.

Pois é. Mas, como toda regra tem exceção, no caso específico dos musicais clássicos de Hollywood dá para dizer, sem medo de errar: Cantando na Chuva é o melhor de todos.

É talento demais, é beleza demais. Tudo esbanja talento e beleza – desde a idéia básica da trama bolada por Adolph Green e Betty Comden: na passagem do cinema mudo para o sonoro, em 1927, o casal mais famoso do cinema americano, o par romântico adorado pelas multidões, é pego no contrapé. Ele, bem mais talentoso, conseguirá se virar, mas ela, uma típica loura-bela-e-burra, tem uma voz de taquara rachada, péssima dicção e uma pronúncia à la Eliza Doolittle antes das lições com o Professor Higgins.

Que maravilha haver grandes filmes alegres, divertidos, que nos fazem melhores

Bem-aventuradas as obras de arte alegres, divertidas, pra cima, que têm aquela maravilhosa capacidade, como falava o crítico Roger Ebert, de nos tornar pessoas melhores.

E que maravilha é quando um filme brinca com os filmes, goza os próprios filmes, ri da indústria que os produz. As frases ditas pela protagonista feminina do filme, Kathy Seldon (interpretada pela garotinha Debbie Reynolds, lindinha de tudo), para o protagonista, o astro do cinema mudo Don Lockwood (o papel de Gene Kelly), bem no começo da narrativa, são uma absoluta delícia:

– “Uma vez vi um filme. Não vou muito ao cinema. Se você viu um, já viu todos.”

E logo depois: – “Filmes são bom entretenimento para as massas, mas as personalidades na tela não me impressionam. Elas não falam, não atuam. Ficam apenas fazendo caretas.”

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Uma canção que faz imenso sucesso, de 1929 para cá

Os créditos iniciais informam que o roteiro foi “sugerido” pela canção “Singin’ in the rain”. Não me lembrava disso. Não creio que haja muitos outros casos de filmes que nasceram a partir de uma canção. Com letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown, a música teve sua partitura publicada pela primeira vez em 1929 – dois anos após aquele em que a ação do filme de 1952 se passa, portanto.

Foi um sucesso instantâneo, teve diversas gravações e apareceu no cinema bem antes de Stanley Donen e Gene Kelly dirigirem sua obra-prima. Um grupo chamado Bronx Sisters cantou a música num dos primeiros musicais da Metro, The Hollywood Revue of 1929; o narigudo simpático Jimmy Durante a cantou em Speak Easily, de 1932; Judy Garland fez sua versão no filme Little Nellie Kelly, de 1940. No filme The Divorcee, de 1930, com Norma Shearer, aparece ao fundo.

A gravação que aparece no filme, bem no meio dos 102 minutos esplendorosos, com a bela voz do próprio Gene Kelly à frente da grande orquestra da MGM, foi feita no dia 5 de junho de 1951, segundo informa o rico encarte do CD That’s Entertainment! The Best of the M-G-M Musicals. O arranjo é de Conrad Salinger, a orquestração, de Bob Franklyn e o maestro foi LennieHayton.

Duas décadas depois de gravada, exatamente essa mesma versão cantada por Gene Kelly para a trilha do filme seria usada por Stanley Kubrick em Laranja Mecânica/A Clockwork Orange.

Todas as sequências de canto e dança são admiráveis, antológicas

A seqüência em que Gene Kelly canta e dança “Singin’ in the Rain” bem na metade de Singin’ in the Rain é, por si só, um absoluto primor, e um dos momentos mais antológicos da História do cinema até hoje.

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Consta que é também uma das maiores provas de profissionalismo da História: no dia de gravar a seqüência, formada por diversas, diversas tomadas em que ele aparece inteiramente encharcado, Gene Kelly estava com febre altíssima.

A seqüência é, sem dúvida, o ápice, o ponto mais alto deste filme sensacional. Mas há tantos outros – é impressionante. Na verdade, todas as seqüências de música e dança de Cantando na Chuva são admiráveis, maravilhosas.

A imediatamente anterior, em que o trio Gene Kelly-Debbie Reynolds-Donald O’Connor canta “Good morning”, subindo e descendo das poltronas na mansão do astro Don Lockwood – que maravilha!

Aquela em que Gene Kelly e Donald O’Connor se divertem às custas do professor de dicção, cantando “Mosessuposes”.

Aquela em que Don-Gene Kelly declara seu amor a Katthy-Debbie Reynolds, mostrando as mágicas de que um estúdio de cinema é capaz, “You were meant for me”.

Aquela em que um cantor (interpretado por Jimmie Thompson) apresenta “Beautiful Girl”, em meio a diversas dançarinas, e que termina com um uma tomada feita do alto, como se fosse do teto do estúdio, mostrando um coloridíssimo caleidoscópio – uma homenagem às imagens trabalhadíssimas, visualmente fascinantes, de Busby Berkeley (1895-1976), que Jean Tulard define como “o mentor da comédia musical no início do cinema falado”.

A de Donald O’Connor em momento solo e cômico cantando “Make ‘em Laugh”.

E o que dizer do longo encadeamento de seqüências musicais – Melodia da Broadway – imaginadas por Don-Gene Kelly para a nova versão do filme que o Monumental Studio do chefão R.F. Simpson (interpretado pelo ótimo Millard Mitchell) está produzindo, sobre um jovem dançarino que chega à Broadway à procura de um lugar ao sol?

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Me pareceu que, naquela seqüência, o lado coreógrafo-dançarino do multi-artista Gene Kelly quis aprimorar ainda mais o que havia feito em Sinfonia de Paris/An American in Paris, que havia estrelado e coreografado no ano anterior, 1951, sob a direção de Vincente Minnelli e  ao som de George Gershwin.

Agora, quando o chapéu do bailarino cai no pé de Cyd Charisse, e ela vai levantando a perna direita, o chapéu seguro em seu sapato verde de salto alto, vai levantando, até que a perna fica uma linha reta na vertical – meu Deus do céu e também da terra! Que mulher! Que coxas! Que bailarina!

Duas belas atrizes – um mulherão imenso, e outra pequenina, gracinha

A breve aparição de Cyd Charisse naquela seqüência (ela não pronuncia uma única palavra – não precisava mesmo) é um grande contraste com a estrela do filme, Debbie Reynolds. Cyd Charisse parece uma explosão, uma supernova, uma gigante. Debbie parece mignonzinha, tipo a coleguinha mais bonitinha da classe do quarto ano do ginásio. A primeira é daquele tipão de mulher por quem o sujeito perde a cabeça e abandona um casamento sólido de décadas – para daí a pouco ser abandonado bêbado na sarjeta. A segunda é daquele tipo de mulher que promete o amor em paz.

Vixe, mas aí viajei.

São duas belas atrizes, Cyd e Debbie. Mas Debbie é uma daquelas atrizes perfeitas, que fazem de tudo às mil maravilhas – e, em Cantando na Chuva, ela tem oportunidade de sobra para mostrar isso. Dança e atua igualmente bem. Uma absoluta gracinha. E como era jovem! Nascida em 1932, estava com ridículos 19 aninhos quando foi escolhida para o papel.

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Também versátil, bom dançarino, bom cantor, Donald O’Connor teve no filme muito provavelmente o melhor papel de sua carreira de mais de 80 filmes. Em poucos deles foi o protagonista. Um desses poucos é O Palhaço que Não Ri, em que interpreta um dos maiores nomes do cinema mudo, Buster Keaton.

Jean Hagen (1923-1977) está excelente como Lina Lamont, a diva do cinema mudo cuja carreira é ameaçada pela chegada do som. É preciso talento para fazer aquela vilã, e Jean Hagen tinha de sobra. Por sua interpretou com a loura-bonita-e-burra, teve uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante, uma das duas únicas indicações ao prêmio da Academia que este filmaço recebeu – a outra foi a de trilha sonora. Não levou nenhuma das duas.

É bem provável que Cantando na Chuva seja o clássico de Hollywood mais injustiçado pelo Oscar.

Todos os guias, todos os livros de “os melhores” se rendem ao filme

Obviamente, o filme está nas relações dos melhores dos livros 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, 501 Must-See Movies e Hollywood Picks the Classics. Deste último, tirei boas informações que vão mais adiante, após as opiniões de alguns críticos.

Diz o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer: “Alguns filmes são tidos em alta conta por seus famosos ineditismos (…) Outros são reverenciados simplesmente por serem os melhores de seu gênero. Cantando na Chuva se enquadra nesta última categoria.”

O livro 501 Must-SeeMovies diz que o filme não fez muito sucesso na época do lançamento, em 1952. “Nem mesmo a indicação de Jean Hagen ao Oscar e a de Donald O’Connor ao Globo de Ouro provocou filas diante dos cinemas. O filme compilação That’s Entertainment (1974) é em geral tido por mostrar a muita gente o que estava perdendo.”

Essa informação é desmentida por alguns números, como se verá mais adiante.

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Leonard Maltin, Roger Ebert e o CineBooks’ Motion Picture Guide Review dão a cotação máxima para o filme – 4 estrelas nos dois primeiros casos, 5 estrelas no último.

Diz Maltin: “Talvez o maior filme musical de todos os tempos, costurado por Betty Comden e Adolph Green a partir de um catálogo de canções de Freed-Nacio Herb Brown. A ação se passa em Hollywood durante a transição para o cinema falado, com (Jean) Hagen dando a performance de sua vida como a co-estrela de Kelly nos filmes mudos, cuja voz poderia quebrar vidro. O número do título com Kelly e o de O’Connor com ‘Make ‘em Laugh’ são apenas dois pontos altos de um filme cheio de pérolas. Mais tarde transformado em musical da Broadway.”

Diz o CineBooks’ Motion Picture Guide: “Provavelmente o maior musical que a MGM ou qualquer um tenha jamais produzido, Singin’ in the Rain tem tudo – grandes canções, grandes números de dança, uma história nostálgica, maravilhosa, e um elenco soberbo, tudo num ritmo impressionante que rivaliza com a era louca que reproduz, os ruidosos anos 20. O filme funciona em vários níveis, apresentando um grande musical mas também comentando – muitas vezes de forma desfavorável, mas sempre de maneira acurada – sobre as personalidades e as maquinações dos estúdios que caracterizaram aquele período riquíssimo.”

Pauline Kael, a língua mais ferina da crítica de cinema americana, que costuma não deixar pedra sobre pedra, mesmo quando fala das grandes obras-primas, rendeu-se ao filme: “Esta exuberante sátira à Hollywood de fins da década de 20, época de transição do cinema mudo para o falado, é provavelmente o mais delicioso de todos os filmes musicais americanos.”

Debbie Reynolds, aos 19 anos, tinha que tomar três ônibus para chegar ao estúdio

Aí vão diversas informações sobre a produção do filme, os atores and all that jazz, retiradas de várias fontes:

* É estranha a informação, mas não é a voz de Debbie Reynolds que ouvimos na maior parte das canções; ela teria sido dublada por uma cantora profissional, Betty Noyes. Estranho, porque afinal de contas a história gira em boa parte em torno do fato de que Lina Lamont-Jean Hagen não consegue ela mesma cantar e falar nos filmes, e então precisa ser dublada por Kathy-Debbie.

Mas, em defesa da então garotinha – que interpreta e dança maravilhosamente no filme – é preciso dizer que não vai nisso um grande demérito. Ou, no mínimo, que ela tem augusta companhia: Natalie Wood é dublada nas canções de West Side Story; Audrey Hepburn é dublada nas de My Fair Lady; e Catherine Deneuve é dublada ao longo de toda a extensão de Os Guarda-Chuvas do Amor, já que no filme todos, todos, todos os diálogos são cantados.

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* O produtor do filme, Arthur Freed, é exatamente o autor da letra da canção “Singin’ in the rain” e de diversas outras cantadas no filme. Arthur Freed nasceu em 1984 (morreu em 1973, aos 78 anos); estava, portanto, com 35 anos quando a música foi lançada em disco e em filme, em 1929; e 58 anos quando produziu o filme. É: tem gente que produz coisas, na vida; já alguns ficam, como disse um amigo meu, escrevendo sobre os filmes dos outros…

* A seqüência do diretor do filme-dentro-do-filme, Dueling Cavalier, brigando com Lina Lamont (“fale para o arbusto!”), foi inspirada em casos reais do início do cinema falado, relatados aos roteiristas por Douglas Shearer, que foi chefe do departamento de som da MGM naqueles anos.

* A colunista de fofocas Dora Bailey (interpretada por Madge Blake) teria sido baseada em Louella Parsons, famosíssima colunista de fofocas de Hollywood.

* Gene Kelly diria mais tarde, sobre os ensaios dos números musicais com a garotinha Debbie Reynolds: “Não fui gentil com Debbie. É de se estranhar que ela ainda fale comigo.” Consta (está no IMDb) que em um dia em que Gene Kelly insultou a jovem, dizendo que ela não sabia dançar, Fred Astaire a encontrou chorando num canto do estúdio. Ele, é claro, era também contratado pela MGM, e estava por lá, certamente fazendo um outro filme. Astaire então se propôs a ensaiar passos de dança com a moça. Grande Fred Astaire!

* Ainda Debbie Reynolds: aos 19 anos na época das filmagens, como já foi dito, a futura sra. Eddie Fischer ainda morava com papai e mamãe, é claro – e morava longe pra cacete do estúdio da Metro. Consta que tinha que acordar às 4 da manhã e pegar 3 ônibus até chegar ao local de trabalho. Às vezes, para evitar essa maratona, dormia no próprio estúdio.

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* Gene Kelly voltaria a contracenar com Cyd Charisse dois outros filmes: A Lenda dos Beijos Perdidos/Brigadoon (1954) e Dançando nas Nuvens/It’s Always Fair Weather (1955).

* A primeira apresentação de Cantando na Chuva numa rede de TV americana – a NBC – havia sido marcada para 23 de novembro de 1963. A estréia acabaria sendo adiada por duas semanas por causa do assassinato do presidente John F. Kennedy.

* Em 2007, o American Film Institute colocou Cantando na Chuva em quinto lugar na lista dos Maiores Filmes de Todos os Tempos. Naturalmente, foi o primeiro musical a aparecer no topo da lista.

* O filme custou na época, em valores não reajustados pela inflação, US$ 2,540 milhões – US$ 665 mil acima do orçamento inicial planejado pela MGM. Só os figurinos criados por Walter Plunkett custararam US$ 157 mil. Mas o custo foi rapidamente coberto: no lançamento inicial, o filme rendeu US$ 7,7 milhões.

* Rita Moreno tem um papel pequeno no filme, como Zelda Zanders, uma das atrizes do Monumental Pictures, o estúdio fictício criado pelos roteiristas; Zelda é uma das poucas amigas, se não a única, da estrela Lina Lamont. A atriz e dançarina nascida em Porto Rico era também uma garotinha na época da filmagem, com 20 anos; uma década depois, em 1961, ela teria um papel importante em outro dos maiores musicais da história do cinema, West Side Story, pelo qual ganharia o Oscar de coadjuvante.

* No início dos trabalhos de pré-produção, os nomes de Judy Garland, June Allyson e Ann Miller foram cogitados para interpretar o principal papel feminino, o de Kathy, mas os produtores entenderam que elas estavam mais velhas do que a personagem. Jane Powell e Leslie Caron também foram lembradas. Para a felicidade dos produtores, e nossa, o papel acabou indo para Debbie Reynolds.

* E, para encerrar esse pacote de informações, um dado de que não me lembrava: foi a partir de sua extraordinária, sensualíssima performance na seqüência de “Broadway Melody”, como a dançarina vamp, com um jeitão de Louise Brooks, amante de um gângster, que a carreira de Cyd Charisse decolou. Ela já trabalhava no cinema desde 1944, mas apenas em números de dança ou em papéis pequenos. Depois que endoidou espectadores do mundo inteiro naquela seqüência, ganhou da MGM o principal papel feminino em A Roda da Fortuna/The Band Wagon (1953), ao lado de Fred Astaire.

Uma riqueza de cores que a TV não consegue nem de longe mostrar

Deixei o que diz Roger Ebert para o fim, porque ele me dá um gancho para meu comentário final:

“A imagem que todo mundo lembra de Singin’ in the Rain é a de Gene Kelly se debruçando de um poste e balançando seu guarda-chuvas na felicidade imensa do novo amor. (…) A seqüência inteira, desde o momento em que Kelly começa a dançar até a hora em que o policial olha para ele achando estranho, é provavelmente a seqüência musical mais alegre jamais filmada. (…) Singin’ in the Rain tem sido eleito um dos maiores filmes de todos os tempos em votações de críticos internacionais, e rotineiramente é chamado de o maior de todos os musicais de Hollywood.”

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Ao fim de seu delicioso texto, Ebert volta à questão de se é o melhor de todos:

“Embora Singin’ in the Rain tenha aparecido em várias versões para o vídeo e seja mostrado na TV com freqüência, vê-lo na tela grande do cinema revelará uma riqueza de cores que a sua TV não consegue sugerir. O filme foi fotografado em cores básicas cheias – as capas de chuva amarela são um emblema – e o diretor Stanley Donen e seu elenco têm uma energia que é também corajosa, básica e alegre. Este é de fato o maior musical que Hollywood jamais fez? Em uma palavra: sim.”

A partir dos anos 60, houve grandes musicais – mas pesados, dramáticos

E aqui eu gostaria de meter minha colher de pau, aproveitando essa referência que o grande Roger Ebert fez às cores fortes, vivas, do filme.

Cantando na Chuva é evidentemente uma forte influência sobre um dos filmes de que mais gosto na vida, o já citado Les Parapluies de Cherbourg. No filme de Jacques Demy de 1964 – 12 anos, portanto, depois de Singin’ in the Rain –, a chuva também tem papel importante na trama. Geneviève, a protagonista, interpretada por uma jovem Catherine Deneuve tão bela que faz a vista da gente doer, cuida da loja de guarda-chuvas da mãe, interpretada por Anne Vernon. Chove em muitas das seqüências deste filme que foi o primeiro musical inteiramente cantado da história do cinema. E as cores são fortes, vibrantes, quentes como no filme de Stanley Donen-Gene Kelly. Les Parapluies de Cherbourg é seguramente um dos filmes de colorido mais forte, mais vivo de todos os tempos.

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Jacques Demy explicitaria ainda mais seu amor pelos grandes musicais americanos, e creio que por Cantando na Chuva em particular, ao ter o próprio Gene Kelly como convidado especial para seu filme seguinte – Duas Garotas Românticas/Les Demoiselles de Rochefort (1967), o único filme que reuniu as irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorleac. Além de Georges Chakiris, Oscar de coadjuvante por West Side Story.

O que me leva de volta à afirmação inicial de que Cantando na Chuva é o melhor de todos os musicais clássicos de Hollywood.

Disso não tenho dúvida – e vários críticos que citei acima concordam.

Os anos 50 foram os últimos dos musicais clássicos de Hollywood. A partir dos anos 60, o cinema americano passou a produzir menos musicais como os das décadas de 30, 40 e 50 – comédias musicais, divertissement puro e simples. Muitos dos grandes musicais que viriam depois têm alta carga dramática: West Side Story,  A Noviça Rebelde, Cabaret, All That Jazz. Todos esses quatro são filmes extraordinários – mas não podem ser encaixados na categoria de musicais clássicos de Hollywood.

A ressalva é só para realçar que o superlativo absoluto cabe perfeitamente em Cantando na Chuva. É o melhor de todos os musicais clássicos – e pronto.

Anotação em janeiro de 2014

Cantando na Chuva/Singin’ in the Rain

De Stanley Donen e Gene Kelly, EUA, 1952

Com Gene Kelly (Don Lockwood), Donald O’Connor (Cosmo Brown), Debbie Reynolds (Kathy Seldon),

e Jean Hagen (Lina Lamont), Millard Mitchell (R.F. Simpson), Rita Moreno (Zelda Zanders), Douglas Fowley (Roscoe Dexter), Cyd Charisse (a dançarina), Madge Blake (Dora Bailey), King Donovan (Rod), Kathleen Freeman (Phoebe Dinsmore), Robert Watson (o professor de dicção), Jimmie Thompson (o cantor de “Beautiful Girls”)

Roteiro Adolph Green e Betty Comden

Inspirado na canção “Singin’ in the Rain”, letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown

Fotografia Harold Rosson

Música Nacio Herb Brown

Montagem  Adrienne Fazan

No DVD. Produção Arthur Freed, MGM. DVD Warner Bros.

Cor e P&B, 102 min

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