Qual a importância de experiências formativas para a formação de professores?

Por Thiago de Castro Leite [1] [2]

Em seu livro Por uma pedagogia da dignidade: memórias e reflexões sobre a experiência escolar (2016), José Sérgio Carvalho dá visibilidade a inúmeros aspectos que configuram o processo de formação escolar de crianças e jovens. Ao longo dos breves textos que compõem a obra, o autor nos convida a olhar para a escola e para o que ocorre dentro dela, buscando em memórias de infância, de professor e de sua relação com a paternidade argumentos capazes de iluminar significados atribuídos à experiência escolar que parecem obscurecidos na contemporaneidade. Em um desses belos textos, intitulado “Sobre o conceito de formação”, Carvalho propõe uma compreensão para a noção de experiência formativa. Segundo o autor:

Uma experiência torna-se formativa por seu caráter afetivo: um livro que lemos, um filme a que assistimos ou uma bronca que tomamos ressoa em nosso interior, como a nota de um instrumento que, ao ser tocado, ressoa na corda de outro. Trata-se, pois, de um encontro entre um evento, um objeto da cultura e um sujeito que, ao se aproximar de algo que lhe era exterior, caminha em direção à constituição de sua própria vida interior.[3]

Gostaria de chamar a atenção para as três palavras grifadas pelo autor. Em sua perspectiva, uma experiência formativa trata-se, pois, de um encontro. Ou seja, um espaço-tempo específico no qual um determinado sujeito se vê em face de algo que lhe é exterior. Nesse sentido, poderíamos indicar que esse encontro pode se dar não apenas com um alguém, mas também com algo que ocorre e constitui o mundo humano. Um mundo – recorrendo ao pensamento de Hannah Arendt[4] – compreendido como artifício fabricado por mãos humanas, constituído por um legado cultural, material e simbólico – composto pelas obras, feitos e palavras de homens e mulheres ao longo do percurso histórico.

Entretanto, esse encontro não diz respeito a apenas conhecer o mundo. Não se trata somente de saber de que material é feito ou quais aspectos o integram, mas de uma oportunidade para ser afetado por ele. Em outras palavras, uma ocasião na qual as obras, atos e palavras que se oferecem diante de um sujeito o atravessam de tal modo que acabam por ressoar em seu interior.

E ressoam a ponto de levá-lo a deslocar-se de si mesmo, gerando transformações significativas em seu modo de estar no mundo. Ou seja, fazendo com que esse sujeito se torne um novo ser. Recuperando as palavras de Masschelein e Simons em sua obra Em defesa da escola: uma questão pública (2013): “É algo que começa a formá-lo, produz mudanças nele, muda a maneira como a sua vida e o mundo realmente aparecem para ele e lhe permite começar de uma nova forma ‘com’ o mundo”[5]

Em certo sentido, esse “tornar-se um novo ser” diz respeito, também, a uma nova forma de relacionar-se com o mundo e de compreendê-lo. É como se essa transformação fizesse com que um sujeito estabelecesse novos vínculos com o espaço de sua existência, como que redimensionando, por vezes, seus próprios atos nele. Portanto, a experiência formativa possibilita que se trate o mundo de uma nova forma, lançando o olhar para ele sob uma nova perspectiva.

Temos, então, duas partes importantes na constituição desse encontro que, em virtude das reverberações que ele pode instaurar, transformam-se: o mundo e o sujeito. Se por um lado o sujeito transforma-se em um novo ser, por outro o mundo também se modifica, à medida que este sujeito atribui novos significados a ele. Como se nesse encontro o mundo estivesse aberto para transformar e ser transformado pelo sujeito com quem dialoga.

Evidentemente, não podemos quantificar em que medida uma experiência formativa pode ter ressoado em um alguém, tampouco temos como avaliar o quanto esse foi transformado por ela. Por essa razão, segundo Carvalho, “os resultados de uma experiência formativa são sempre imprevisíveis e incontroláveis” [6], afinal, não dizem respeito apenas a conhecer algo novo ou a desenvolver e desempenhar bem uma determinada habilidade. Por isso “é impossível saber em que sentido e com qual intensidade a apreciação de uma obra de arte, por exemplo, teve um impacto formativo em alguém”[7]. A fim de elucidar melhor essa questão, visitemos o texto de Eduardo Galeano denominado “A função da arte”:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar![8]

O excerto nos auxilia a perceber em que medida uma experiência formativa pode se dar ao conhecermos algo, mas não se resume a isso. Afinal, no texto de Galeano, o menino Diego não conhecia o mar e, no intuito de que ele o descobrisse, seu pai tornou possível um encontro. Nesse encontro, que se torna afetivo e acontece a partir das relações que o menino estabelece com essa parte do mundo, algo ressoa com tanta força em seu interior – pois “foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor” – que ele acaba ficando “mudo de beleza”. Ao lermos as imagens poéticas construídas por Galeano não nos resta dúvida que a experiência proporcionada por ver o mar ressoou no menino Diego, embora não tenhamos como mensurar nem quantificar tal reverberação.

Portanto, enquanto encontro afetivo, onde uma parte do mundo pode afetar e ressoar em um alguém, transformando-o em um novo ser e, por conseguinte, sendo resignificada por ele, a experiência formativa diz menos sobre a aquisição de um conhecimento do que à atribuição de significado ao mundo e à constituição de um sujeito singular.

Nesse sentido, divergindo do redutivismo que se faz à escola – quando lhe atribuem exclusivamente a função de treinar habilidades e competências de crianças e jovens para um futuro mercado de trabalho -, caberia compreendê-la, sobretudo, como um espaço-tempo capaz de instaurar experiências formativas. Ou seja, um lugar onde encontros afetivos entre alunos – que a integram – e o mundo – que por ela é apresentado – podem acontecer.


[1] Este texto é uma versão ligeiramente modificada constante na dissertação “Teatro como experiência formativa: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt”. Para acessar a versão completa: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-08092016-153359/pt-br.php

[2] Doutorando em Educação pela FEUSP, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre  Educação e o Pensamento Contemporâneo (GEEPC), Ator-Pesquisador da “Nossa Trupe Teatral” e Professor de Teatro no Conservatório de Tatuí.

[3] CARVALHO, J.S. Por uma pedagogia da dignidade: memórias e reflexões sobre a experiência escolar. São Paulo: Summus, 2016, p. 101, grifo do autor.

[4] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

[5] MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 50, grifo dos autores.

[6] CARVALHO, J.S. Por uma pedagogia da dignidade: memórias e reflexões sobre a experiência escolar. São Paulo: Summus, 2016, p. 101, grifo do autor.

[7] Idem.

[8] GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 15.

Qual sua importância no processo de formação de professores?

Uma formação de professores adequada serve como alicerce para construir escolas, cidadãos e profissionais mais competentes, éticos e humanos. Nas palavras do educador Moacir Gadotti, “a educação é um lugar onde toda a nossa sociedade se interroga a respeito dela mesma – ela se debate e se busca”.

O que são experiências formativas?

Em sua perspectiva, uma experiência formativa trata-se, pois, de um encontro. Ou seja, um espaço-tempo específico no qual um determinado sujeito se vê em face de algo que lhe é exterior.

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Quais são os três aspectos mais importantes na formação do professor?

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