Lavagem de dinheiro ou favorecimento real?
O crime de favorecimento real encontra-se inserido no Código Penal no capítulo que trata dos crimes contra a administração da Justiça.
Já o crime de lavagem de dinheiro é tratado em lei especial (Lei n.° 9.613/98), mas conforme defendido em artigo aqui publicado, também pode ser indicado como um delito no qual o bem jurídico tutelado é a administração da Justiça.
Além da identidade de bens jurídicos tutelados, em ambos os crimes há a necessidade de ter sido praticado um crime anterior ao favorecimento ou à lavagem, fato que aproxima ainda mais os referidos delitos.
A redação legal dos tipos penais pode gerar dúvidas sobre a correta tipificação da conduta. O crime de favorecimento real está assim previsto:
Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.Por seu turno, a regra do art. 1° da Lei n.° 9.613/98, tipifica a lavagem de dinheiro nos seguintes termos:
Diante disso, pode despontar dúvida ao definir se uma conduta se amolda ao delito de favorecimento real ou à lavagem, dúvida esta que resulta em consequências práticas, afetando desde a investigação – e passando pela imputação contida na denúncia – até o direito de defesa no curso do processo.
Isso sem descurar da disparidade das penas previstas em relação aos dois crimes.
Assim, muito embora os delitos sejam semelhantes, há distinções – tênues do ponto de vista probatório -, mas que são capazes de distinguir uma conduta da outra.
A primeira diferença entre os crimes é que, na prática do favorecimento real, o autor do delito não pode ter concorrido de alguma forma para a prática do crime antecedente (BADARÓ e BOTTINI, 2012, p. 74).
Essa conclusão se atinge pois a conduta “prestar auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime” não engloba as hipóteses de coautoria, nem mesmo os casos subsumidos ao crime de receptação.
Ademais, a conduta “prestar auxílio” será dirigida a terceiro que praticou um crime antecedente (“prestar à criminoso“) o que exclui ser o próprio agente autor desse crime.
Diferente é o que o ocorre com a lavagem, em que o agente pode praticá-la sobre bens, direitos e valores provenientes de um crime anterior que ele mesmo tenha cometido (MENDRONI, 2015, p. 82); tal é a chamada autolavagem ou selflaundering.
Além disso, para que reste caracterizada a lavagem de dinheiro, não basta a mera ocultação do proveito ilícito, há a necessidade de que a intenção do agente seja a de mascarar a origem do bem, visando conferir aparência de licitude.
Com isso, se, por exemplo, uma pessoa mantém em depósito um determinado valor, que sabe ser proveniente de ilícito praticado por terceiro, e objetive que o agente apenas possa resgatar o valor para utilização posterior, restaria configurado o crime de favorecimento real.
No entanto, se o depósito é mantido visando a posterior prática de atos de dissimulação da origem ilícita do dinheiro, está-se diante do crime de lavagem, na modalidade prevista no art. 1º, § 1°, II da Lei 9.613/98.
Trata-se de um elemento a mais exigido pelo crime de lavagem, o que poderia justificar o seu apenamento maior. Nesse sentido:
Ainda que afete a administração da Justiça, o crime em discussão o faz de forma mais incisiva, mais intensa, pois o agente não se contenta em tornar seguro o proveito do crime. Ele vai além, pois busca tal segurança através da reciclagem, do mascaramento, da reinserção dos bens na economia formal, com aparência lícita. Trata-se de uma lesão qualificada à administração da Justiça que afasta a inexigibilidade de conduta diversa. Do agente do crime anterior se espera que atue para tornar seguro o proveito do crime, mas não que o faça por meio de manobras para conferir a ele aparência lícita, por meio do uso de operações financeiras e comerciais de aspecto legítimo.(BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 77.)Deste modo, muito embora seja tênue a distinção entre os delitos e se reconheça a dificuldade no âmbito probatório – o que, inclusive, merece especial estudo -, pontuar tais diferenças se mostra de extrema relevância, pelas consequências práticas em toda a persecução penal.
REFERÊNCIAS:
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.