Quais são os rios que possibilitaram o desenvolvimento da civilização indiana?

Resumos

Integrar o estudo de um jornal como o Índia Nova: jornal de expansão da cultura indiana numa publicação dedicada a estudos sobre revistas justifica-se por estarmos perante um projecto cultural, com inevitáveis ressonâncias políticas. Órgão dos estudantes goeses nas Universidades portuguesas, a sua criação deveu-se à iniciativa de um grupo de jovens intelectuais goeses, criados sob os auspícios da República, que, sob o signo da ruptura, vinham chamar a si a responsabilidade de intervenção na cidade. A publicação, se buscava atingir o público europeu metropolitano, sensibilizando-o para a magnitude da civilização indiana, visava essencialmente os goeses na Metrópole e em Goa, assumindo o objectivo de recuperar uma identidade goesa formatada na tradição civilizacional indiana e de promover uma actividade cultural e científica centrada em temas e referências indianos. Através desta proposta, associava-se ao movimento político-cultural nacionalista que atingia a “Grande Índia” e, mais globalmente, aos diversos nacionalismos que despontavam por todo o continente asiático nas primeiras décadas do século XX. Finalmente, o grupo de estudantes goeses e os seus colaboradores goeses e metropolitanos, efectuando o percurso da particularidade goesa para a reflexão sobre os destinos da humanidade, integravam, por essa via, a corrente que a Ocidente e Oriente se batia por um novo humanismo, assentando a universalidade na harmonização da diversidade e tornando todos os indivíduos e povos coniventes na construção do futuro da humanidade.

To insert a newspaper like Índia Nova: jornal de expansão da cultura indiana, in a volume dedicated to studies about magazines, is justified by the fact that we are dealing with the product of a cultural project, with inevitable political implications. Organ of the Goan students in the Portuguese Universities, its creation was promoted by a young group of Goan intellectuals, grown under the auspices of the Republic, which under the sign of rupture, assumed the responsibility of intervening in the city. If the publication aimed to touch the European metropolitan public with the magnitude of Indian civilization, it was essentially directed to the Goans in the metropolis and in Goa, assuming the intention of recovering a Goan identity inspired by the Indian civilizational tradition and of promoting a cultural and scientific activity centered on Indian themes and references. Through this proposal, it associated itself to the nationalist cultural and political movement in “Great India”, and more globally to the different nationalist movements, that were emerging in the Asiatic continent on the first decades of the Twentieth Century. Finally, the group of Goan students, and their Goan and metropolitan collaborators, crossing the path from Goan particularity to the reflection about the destiny of humanity, inscribed themselves in the current, that at Orient and at Occident, battled for a new humanism. This current settled the idea of universality in the harmonization of diversity and convened all individuals and peoples in the construction of the future of humanity.

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Keywords:

goan intellectuals, european intellectuals, academic press, portuguese empire in India, cultural resistance, cultural identity, history, imperialism, colonialism, indian civilization, western civilization, orientalism, dialog between civilizations, humanism

Palavras chaves:

intelectuais goeses, intelectuais europeus, imprensa académica, império português na Índia, resistência cultural, identidade cultural, história, imperialismo, colonialismo, civilização indiana, civilização ocidental, orientalismo, diálogo civilizacional, humanismo

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Dedicatória

Dedico este artigo ao meu pai, Jorge Ataíde Lobo (1920-2004), que sempre se sentiu, cultural e afectivamente, duplamente indiano e português. Agradeço a Kalidás Barreto o generoso acesso ao espólio de seu pai, Adeodato Barreto.

Texto integral

  • 1 Costa, Orlando da, “Indianidade, solidariedade, liberdade”, in Barreto, Adeodato, Civilização Hin (...)

(…) chegou à Coimbra do imaginário de tantos estudantes goeses ansiosos por se tornarem bacharéis com uma bagagem de sonho e de generosidade e também o pressentimento de uma ameaça à sua identidade.1

  • 2 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, Dicionário de Literatura Goesa, Lisboa: Instituto Cultural de Macau: (...)

1Referia-se o escritor Orlando da Costa (Margão, 1929-Lisboa, 2006) a Júlio Francisco António Adeodato Barreto (Margão, 1905-Lisboa, 1937)2, que, pelo percurso e pela obra, cedo se tornaria uma referência intelectual de sucessivas gerações goesas. A sua família, culta mas de modestos recursos, com esforço enviara Adeodato Barreto para prosseguir na Metrópole os estudos superiores, seguindo o caminho habitual de muitos dos jovens do seu meio. Em Coimbra, onde chegou em 1923, completou os cursos de Direito (1928), de Histórico-Filosóficas (1929) e da Escola Normal Superior (1930) e iniciou uma actividade intelectual indissociável dum constante exercício de cidadania que prosseguiria até ao fim da vida.

2Integrava Adeodato Barreto uma nova geração da elite cristã goesa criada sob os auspícios da República, a qual viera dar outras oportunidades de consciencialização e intervenção aos naturais das colónias, ao alargar os seus direitos e ao promover alguma autonomia político-administrativa. À dinâmica gerada pelo ambiente político e cultural da República acrescia o sopro das ideias e dos acontecimentos do século, nos quais se inscrevia o despontar do nacionalismo em diversos territórios coloniais, com destaque para a Índia britânica, que particularmente contagiava a juventude das elites locais.

  • 3 O manuscrito incompleto dessa tradução, que ficou inédita, encontra-se entre os papéis na posse d (...)
  • 4 Tem sido estudado o lugar da sociabilidade intelectual no cadinho cultural e político metropolita (...)

3Faltam-nos elementos sobre o pensamento do jovem Adeodato Barreto ao partir de Goa. O que sabemos é que, uma vez em Coimbra, cedo evidencia o convívio com a intelectualidade republicana que o levaria, já sob a ditadura militar, a ingressar no Centro Republicano Académico de Coimbra, sendo pouco depois eleito seu presidente (1928); a envolver-se na dinamização da Universidade Livre de Coimbra, criada em 1925 por Joaquim de Carvalho e Tomás da Fonseca, entre outros; e a dispersar artigos por jornais e revistas republicanos, entre eles a Seara Nova, da qual se tornaria um colaborador assíduo. A adesão aos ideais republicanos conjugou-se com o interesse pelas novas correntes do pensamento indiano e pelos seus mentores, interesse que se espelhou na tradução que efectuou, logo em 1925, da obra de Romain Rolland dedicada a Gandhi3. A sua formação intelectual, no que respeitava ao conhecimento deste movimento, certamente passou pelo convívio com o grupo de conterrâneos que frequentava a Universidade de Coimbra4.

  • 5 “Quando o conheci, tinha V. vinte anos de idade e um grande sonho a realizar. Lembra-se? Foi em C (...)

4Anos mais tarde, Mário Miranda, seu biógrafo e companheiro universitário, daria um testemunho da paixão com que se entregava ao debate de ideias e descrevia o sonho que o animava, no qual os ideais nacionalistas se conjugavam com as aspirações universalistas5.

5Carácter motivado para a acção, desde essa altura trabalhou intensamente para transformar esse sonho no programa da sua geração, e fê-lo envolvendo os conterrâneos na dinamização de dois projectos que, apesar da existência efémera, marcaram os percursos da juventude goesa para além da sua geração e representaram uma das poucas iniciativas colectivas goesas, de âmbito cultural e de ressonâncias políticas, na Metrópole.

Instituto Indiano

  • 6 Cordato de Noronha (1900-?), médico goês que em 1927 fez exame de estado em Lisboa e prosseguiu a (...)

6A criação dum Instituto Indiano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra constituía o primeiro destes projectos, pelo qual travou uma batalha a partir do início de 1926. Para tal conseguiu motivar um grupo de colegas goeses e cativar o director da Faculdade, Mendes dos Remédios, bem como os professores Providência da Costa e Joaquim de Carvalho. A dificuldade em reunir condições materiais para a concretização do programa do Instituto levou-o a escrever na Seara Nova, em 1927, num número dedicado ao Oriente organizado por Cordato de Noronha6, para apelar ao auxílio dos privados e à protecção dos poderes públicos.

  • 7 “Foi no tempo de Albuquerque que pela primeira e última vez se tentou e realizou uma cooperação l (...)
  • 8 “O próprio povo, teve-o o grande Marquês [de Pombal] de o declarar português, porque já nem india (...)
  • 9 “A mina indiana cedo se esgotou ou foi desviada a sua corrente. A única mina inesgotável e perene (...)

7Nesse artigo, Adeodato Barreto fazia o balanço da História do Império Português na Índia como uma hipótese civilizacional falhada, contrapondo o conceito de cooperação entre os povos que via ensaiado na política de Afonso de Albuquerque7 ao de assimilação que seguira o seu consulado8. O primeiro poderia ter conduzido à criação duma civilização luso-indiana, o segundo, ao concretizar-se à sombra da desvalorização e perseguição da cultura nativa, conduzira à alienação goesa das suas raízes. O Instituto Indiano apresentava-se como um projecto de carácter académico que desafiava a Universidade portuguesa a criar uma tradição indialogista que impulsionasse o conhecimento da cultura indiana, cumprindo Portugal finalmente a sua obrigação enquanto país colonizador9.

  • 10 “Orientalism is never far from what Denys Hay as called the idea of Europe, a collective notion i (...)

8A argumentação usada em defesa da existência do Instituto construía-se como contradiscurso da ideologia colonial, ao subverter o núcleo da fundamentação do domínio dos povos não-europeus. A responsabilidade civilizacional do colonizador afigura-se não como missão civilizadora, como veiculava o discurso colonial corrente, mas como responsabilidade de fomentar a aproximação dos povos pela promoção do conhecimento, da cooperação e do diálogo civilizacional. Descartava-se deste modo o carácter unilateral do relacionamento entre povos que tinha a sua expressão na política de assimilação e decorria da aspiração universalizante – porque apresentada como modelar e possibilitada pelas relações de domínio – da civilização europeia, a qual constituía o pilar da construção da sua hegemonia cultural10.

9De acordo com esta concepção, cujo desenvolvimento acarretaria necessárias consequências para a legitimação, senão legitimidade, do domínio colonial, a iniciativa de criação do Instituto Indiano correspondia à ambição dos estudantes goeses de verem reconhecida e divulgada a relevância civilizacional indiana, mas assumia-se sobretudo como provocação para uma nova postura de Portugal enquanto potência colonial.

10Se o projecto do Instituto se apresentava primordialmente como um repto aos poderes intelectual e político portugueses, representados respectivamente pela Universidade e pelo Governo, o grupo de estudantes acalentava um outro projecto no qual assumia a responsabilidade de intervir na realidade goesa, promovendo o ressurgimento do seu povo. Tratava-se da criação dum periódico que em torno deste programa congregasse os estudantes indianos nas Universidades portuguesas e contasse com a colaboração de intelectuais goeses e portugueses.

  • 11 Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 1.
  • 12 Tagore comparava o espírito que animava os seus promotores ao que presidia à Universidade de Visv (...)

11Apesar de este periódico não ser um órgão do Instituto11, a visibilidade que deu à receptividade que aquela iniciativa teve permite-nos apreender o papel do Instituto na consolidação da formação intelectual do grupo e a relevância político-cultural reconhecida a estas instituições nos meios académicos e intelectuais coevos. Para além das referências elogiosas na imprensa nacional, esta receptividade revelou-se na oferta de bibliografia para a Biblioteca do Instituto, em cartas de incentivo de intelectuais da dimensão de Sylvain Levi e de Rabindranath Tagore12 e num extenso artigo que a sua criação suscitou a um intelectual goês.

12No que respeita a bibliografia, verificamos que os dadores foram organizações e instituições académicas e culturais que ofereciam edições próprias, autores e alguns particulares. Entre as primeiras contavam-se organismos com ideologias e vocações tão diversas como a London School of Oriental Studies, instituição orientalista criada em 1916 para preparar os administradores do Império Britânico, a Oxford Majlis Society, sociedade nacionalista indiana fundada em 1898, e a Greater Indian Society, sociedade histórica nacionalista fundada nos anos 20 por um grupo de intelectuais de Calcutá. Entre os autores que ofereciam os seus próprios trabalhos, abundavam intelectuais e académicos goeses radicados na Metrópole ou vivendo em Goa, autores portugueses como Leite de Vasconcelos, mas igualmente nomes como o do historiador indiano Surendra Nath Sen e do teósofo irlandês James Cousins, envolvido na divulgação da cultura e do nacionalismo indianos. Finalmente, dos beneméritos particulares sobressai Custódio Adriano de Sousa, um goês radicado em Moçambique. No conjunto abundavam obras de carácter histórico, muitas delas de intelectuais nacionalistas indianos como Prabodh Chandra Bagchi, Kalidas Nag, Baman Das Basu, Jadunath Sarkar e Vinayak Damodar Savarkar. Destacavam-se igualmente diversos indialogistas ocidentais e alguns agentes do movimento nacionalista indiano como Samuel Evans Stokes. Deparamos ainda com um significativo conjunto de obras de carácter histórico, linguístico, literário e de análise da realidade goesa por autores goeses, entre eles o historiador Cristóvão Aires, o intelectual e jornalista Luís Menezes de Bragança, a ensaísta Maria Ermelinda de Stuarts Gomes, o polígrafo Santana Rodrigues e o concanista cónego José de Santa Rita de Sousa.

  • 13 Lista manuscrita de “Livros que o I.I. possui”.

13Sabemos, através duma listagem existente no espólio de Adeodato Barreto, que este núcleo era enriquecido por obras emprestadas pelos dinamizadores do Instituto, sendo de assinalar a existência de diversos títulos de Rabindranath Tagore e de Ananda Coomaraswamy, destacados promotores da civilização indiana no Ocidente, bem como de influentes periódicos nacionalistas indianos como a revista Modern Review (Madras) e o jornal Young India (Nova Deli), para além de jornais goeses13.

14Encontramo-nos perante a formação duma pequena biblioteca que permitia uma segura iniciação à cultura e pensamento político indianos produzidos coevamente, sendo marcante a presença de autores que, em contacto com destacadas figuras da intelectualidade europeia, vinham defendendo o diálogo civilizacional e promovendo o nascimento duma nova ordem internacional que substituísse as relações de conflito e de domínio pelas relações de paz e de cooperação, as quais pressupunham o respeito do direito à autodeterminação dos povos ainda sujeitos ao domínio europeu.

  • 14 Publicado no Boletim do Instituto Vasco da Gama (Pangim) e posteriormente editado em separata com (...)
  • 15 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 2, pp. 293-295.
  • 16 “O Oriente, eis o inimigo. ‘Les Tagore, les Okakura, les Coomaraswamy, Gandhi lui-même, tous ont (...)
  • 17 “Emprego a palavra ‘europeu’ na acepção que lhe assinala Paul Valéry, acepção funcional e não mer (...)
  • 18 “Romain Rolland, Henri Barbusse, Brimschveig, Wells, Herman Hesse, Keyserling, Eliseev, para apen (...)

15O Índia Nova publicaria o extracto dum artigo14, suscitado pela criação do Instituto, que destacava o espírito deste movimento. O artigo era redigido por Luís Menezes de Bragança (1878-1938)15, um destacado intelectual goês que se tinha envolvido activamente na promoção da autonomia goesa sob os auspícios da República e que vinha mostrando fortes reservas à ditadura portuguesa. Nesta passagem, Menezes de Bragança contrastava duas correntes do pensamento europeu que se confrontavam na Europa do pós-guerra. Uma, de cariz reaccionário, tinha um dos seus representantes em Henri Massis, o qual associava a decadência da civilização europeia ao perigo oriental, acusando o papel das universidades europeias e dos seus intelectuais na formação dum conjunto de intelectuais asiáticos que sob a capa da aproximação civilizacional trabalhavam para a destruição da Europa16. A outra, representando o espírito europeu moderno17, promovia a aproximação entre o Oriente e o Ocidente “pela compreensão das civilizações”18.

  • 19 Idem, p. 2. No folheto, a passagem continua do seguinte modo: “Não posso deixar de chamar para es (...)

16O artigo transcrito terminava unindo nos mesmos princípios e destino os povos, pela afirmação do perigo que a primeira corrente representava para a liberdade e direitos por todo o mundo: “São os princípios de liberdade, de emancipação dos povos. É o ideal da democracia, destruidor dos imperialismos absorventes, das ditaduras assassinas das reivindicações populares, mormente nas colónias, onde buscam restaurar o regímen de sujeição e de subalternismo.”19

  • 20 “Exumar o passado, pôr de pé fórmulas caducas, evocar símbolos representativos duma mentalidade e (...)
  • 21 Idem, p. 26.
  • 22 Idem, pp. 29-30.

17As implicações desta afirmação para o momento vivido em Portugal são evidentes, sendo no folheto explícita a denúncia do domínio do pensamento reaccionário no meio político e intelectual da Metrópole20, com ecos preocupantes no território goês. Num momento em que se falava da restauração do “Império ultramarino como unidade política distinta e subalterna da Metrópole”21, Menezes de Bragança aconselhava este grupo de jovens a ligarem os objectivos culturais ao esclarecimento político, de modo a criar uma corrente de opinião que contrariasse o rumo da política colonial portuguesa e ajudasse a despertar as consciências goesas22. Em larga medida, a resposta a este repto encontra-se no periódico que temos vindo a citar.

Índia Nova: jornal de expansão da cultura indiana

  • 23 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 2, pp. 252-253. Mascarenhas, Telo de, When the Mangotre (...)
  • 24 Cf. Teles, José, “Adeodato Barreto: conferência do Dr. José Teles realizada no Cine-Teatro Nacion (...)
  • 25 Cf. Teixeira, Maria Isabel Gracias da Fontoura de Sousa, e Dias, Paulo Colaço, “José António Isma (...)
  • 26 Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 8. Luís do Couto, entretanto formado, seria substi (...)

18A 7 de Maio de 1928, poucos dias após a nomeação de Oliveira Salazar para o Ministério das Finanças, fora publicado o primeiro número do jornal Índia Nova, tendo saído cinco números até 31 de Outubro de 1928 e um sexto número, comemorativo do centenário de Francisco Luís Gomes, a 31 de Maio de 1929. Ao longo do tempo, os estudantes sustentaram-no com publicidade angariada junto de empresários em Coimbra e em Goa, mas as dificuldades financeiras acabariam por ditar o seu fim. Para além de Adeodato Barreto, os seus directores foram Telo de Mascarenhas (1899--1969), seu colega em Direito23, e José Teles, com quem cursava Ciências Filosóficas24. Espelhando a intenção de abarcar os estudantes goeses espalhados pelas universidades portuguesas, tinha como redactores correspondentes o estudante de Direito José António Ismael Gracias (1903-1993)25, em Lisboa, e Luiz Couto, que se formaria em Medicina e Farmácia, no Porto26.

19O título escolhido ao evocar o influente semanário Young India, publicado por Gandhi entre 1919 e 1932, denunciava a simpatia pelo movimento nacionalista que vinha abalando o edifício do Império Britânico na Índia. Tal como o seu inspirador, os jovens estudantes optaram pelo formato de jornal, o que se poderá explicar por implicar menos custos que a produção de uma revista, que aparentemente melhor serviria a vocação do periódico, mas também poderá decorrer do propósito evidente nas suas páginas de, a par dos artigos de reflexão que as atravessam, dar visibilidade através do comentário noticioso a aspectos da actualidade local e internacional, normalmente despercebidos dos jornais portugueses.

  • 27 “Pretendemos por meio deste jornal, a cuja fundação presidiram intuitos eminentemente culturais, (...)
  • 28 Cf. Said, Edward, “Resistance and Opposition”, in Culture and Imperialism, London, Vintage, 1994, (...)
  • 29 “E, divulgando a história do nosso País; estudando as suas seculares e sábias instituições que ai (...)

20O subtítulo “jornal de expansão da cultura indiana” anunciava o âmbito em que se moveria, sendo no editorial de apresentação estabelecido o entendimento abrangente do conceito de cultura, abarcando o campo político-cultural27. Tal esforço de divulgação inscrevia-se numa estratégia de resistência cultural28 visando a restauração da identidade goesa, considerando-se que a sua reinscrição na civilização indiana permitiria a devolução do sentimento de comunidade e a sua união em torno dum projecto de futuro29.

  • 30 Médico goês que nos anos 20 esteve particularmente envolvido no levantamento dos problemas que af (...)
  • 31 Santana Rodrigues abria o artigo com uma citação de Theodore Roosevelt afirmando esse dever: “Cha (...)
  • 32 “Não bastam os limites convencionais do território nem a existência prolongada em agregado, para (...)

21Este projecto decorria da tese do desenraizamento cultural do povo goês, que já víramos aflorada por Adeodato Barreto no artigo da Seara Nova. Ainda no primeiro número, Santana Rodrigues (Goa, 1887-Lisboa, 1966)30 em O Primeiro Dever retomá- -la-ia para nela radicar a inexistência dum ideal que unisse os goeses e os soltasse da letargia em que tinham submergido. Considerando um dever de todos os homens e povos a defesa da autonomia e dos direitos que a consolidam31, a reapropriação da identidade olvidada era apresentada como essencial à recuperação da auto-estima colectiva e duma virilidade que, estimulada por um reencontrado amor pela liberdade, predispusesse o povo goês a lutar pelos seus direitos32.

  • 33 Conceito que usamos anacronicamente, mas que consideramos traduzir o sentido que conferiam ao con (...)

22A identidade cultural33 era vista como basilar na estruturação psicológica e moral dum povo e para a afirmação do seu lugar no xadrez da comunidade humana. Identidade histórica, processual, supunha a existência dum povo assumindo-se como agente da sua história, constituindo-se na cadeia do tempo no enlaçar do pensamento e da acção. Identidade sujeita a desestruturação precisamente pela supressão desse agenciamento, através da qual se interrompia a cadeia histórica da sua constituição. Tal era o caso dum povo quando caído na sujeição de outro povo; via desrespeitados e desvalorizados os seus costumes, ideias e crenças, substituídos os modos de organização tradicionais e destituídos dos meios de assegurar o progresso material, iniciando um processo de alienação que no tempo se consolidava pela perda da memória dos traços distintivos da sua identidade.

23Tal era o caso dos goeses sujeitos ao secular domínio português. Tal tinha sido o caso dos indianos sujeitos ao domínio britânico. A uni-los, tinham uma civilização comummente construída e tinham a experiência de ruptura com a história provocada pelo domínio europeu, a separá-los tinham a emergência coeva do nacionalismo na Índia Britânica, liderado pelas elites nativas.

  • 34 “Prosseguindo”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 2.
  • 35 Idem, ibidem.

24Concordante com esta linha de pensamento, o Índia Nova propunha-se “investigar e fazer reviver” a História da Índia, demonstrando a excelência da civilização indiana34. Não disputando o conceito de progresso e, portanto, uma possível hierarquização dos povos à luz desse conceito, o jornal desafiava a ideia de que o modelo civilizacional europeu traduzia o seu apogeu. Simultaneamente, o jornal dispunha-se a expor como o “elo da cadeia interrompida” vinha sendo modernamente refeito pelos protagonistas do nacionalismo indiano35. Evidenciando sempre a preocupação de estabelecer as ligações entre o local e o global, os ideais nacionais e humanistas, encontramos uma particular atenção aos outros movimentos nacionalistas asiáticos e à análise das relações internacionais no mundo do pós-guerra, para elucidar a encruzilhada em que se encontrava a humanidade e expor os princípios que defendiam para o progresso civilizacional.

25Através destes diversos níveis de análise e reflexão, no encontro entre a história e a actualidade, o Índia Nova expunha uma mundividência que esperava vir a provocar os goeses para a acção. No que respeita à situação goesa, o discurso respeitante à centralidade da questão da língua e correlativo problema educativo no desenraizamento cultural goês, em particular da sua população católica por nela ter incidido a política de assimilação, concentrava o essencial da crítica às práticas do domínio português, destacava a responsabilidade da elite intelectual na liderança de uma política possível de resistência cultural e reflectia as contradições que marcavam as elites nativas.

A situação goesa na perspectiva da língua e do ensino

  • 36 “E o ponto mais importante do nosso programa é a questão das línguas maternas. (…) propomos cumpr (...)

26O problema da língua, destacado desde o editorial de apresentação do Índia Nova a ponto de ser eleito o ponto principal do programa do jornal36, é um tema recorrente do discurso nacionalista dos povos colonizados, sendo ainda actualmente uma questão fulcral na reflexão pós-colonial. No contexto colonial surgia às elites que o colocaram, e que principalmente o sentiram, como o sinal mais evidente e preocupante da sua alienação cultural, da sua inescapável condição estrangeira. Enquanto líderes “naturais” da sua sociedade e construtores dum discurso político-cultural nativista, sentiam o paradoxo de serem dotados duma voz por força da educação moldada no ambiente cultural e na língua do dominador.

27O problema das línguas maternas não era o do seu uso coloquial salvaguardado pela utilização corrente pelo “povo”, mas sim o do seu manuseamento pelas elites, em particular do manuseamento escrito, da capacidade ou mesmo possibilidade de as usarem como veículos de comunicação literária, académica ou doutrinária. Nos casos em que não existia uma tradição de escrita pré-colonial ou em que essa tradição se perdera pela marginalização ou perseguição das línguas e literaturas nativas, essa capacidade achava-se mesmo condicionada a um trabalho linguístico prévio com vista à fixação da língua. Em qualquer caso, a língua do dominador era para essas elites a língua “natural” de criação e comunicação intelectual, sendo um instrumento fundamental na formatação da sua utensilagem mental. A luta pela recuperação da escrita nas línguas maternas surgia, assim, como um passo essencial do movimento de renacionalização das elites e da sua produção intelectual. Concretizando os diversos níveis em que a questão das línguas maternas podia ser equacionada, o Índia Nova publicaria um pequeno conjunto de artigos dedicados ao tema.

  • 37 Teles, José, “Defesa da língua materna”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 4.
  • 38 José Teles citaria uma passagem da obra de Santana Rodrigues, A Índia Contemporânea (1926), para (...)
  • 39 Idem, ibidem.

28José Teles, no segundo número do jornal, analisando o caso indiano, confessava ser possível a um povo, por meio das suas elites, expressar fulgor intelectual numa língua estranha, “a língua que os dominadores lhe impuseram”37. A prová-lo estava o escol de pensadores, académicos e políticos que vinham retomando e renovando o fio da tradição cultural indiana38. Neste sentido, o caso indiano contrariava a sua própria opinião de que a língua era “o índice mais fiel e duradouro, senão eterno, do valor e do desenvolvimento de um povo”39. O que lhe surgia impossível era que a criação literária pudesse ter verdadeira qualidade ou atingir o “âmago” da alma dum povo quando expressa numa língua “enxertada”. Na sua opinião, esta tese confirmava-se tanto na fraca qualidade da criação literária hindu contemporânea em língua inglesa, como na genialidade universalmente reconhecida da obra literária de Rabindranath Tagore, toda redigida “na língua que sua Mãe lhe ensinou”, o bengali.

29A produção literária em língua materna tinha a dupla virtude de melhor expressar as capacidades criativas dum povo e de mais eficazmente nele despertar os sentimentos de amor à terra. Num país multilingue como a Índia, o “movimento romântico” de renascimento literário das diversas línguas maternas espelhava a forma como os intelectuais locais assumiam uma responsabilidade que lhes cabia a eles e não aos políticos, a responsabilidade de sedimentar o nacionalismo no sentimento dos povos.

  • 40 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 3, pp. 288-289.
  • 41 “Envergonhavam-se de a falar e ajudavam a destruição da literatura. Foi a camada inculta do povo (...)
  • 42 Sousa, José de Santa Rita de, “A ortografia conkani e a necessidade da sua reforma”, in Índia Nov (...)

30Reflectindo sobre o caso goês, o cónego José de Santa Rita de Sousa (1863-1940)40, professor de concani na Escola Superior das Colónias de Lisboa, num artigo sobre a língua natal de Goa, forneceria elementos sobre a sua história anterior e, particularmente, posterior ao início do domínio português. A história exposta era um vasto repositório de perseguição, a ponto de ainda em meados do século XIX ter sido proibido o uso privado do concani aos seminaristas de Rachol. A desvalorização da língua materna teria tido um efeito perverso sobretudo junto daqueles que poderiam ter preservado a sua utilização literária, os membros das elites nativas assimiladas, os quais, assumindo para si os padrões culturais do dominador com a correspondente hierarquia civilizacional, activamente colaboravam na rejeição da língua nativa41. Em consequência, a escrita do concani chegara a uma situação caótica, abundando entre os praticantes o desconhecimento da estrutura gramatical e não estando fixada a sua ortografia ou sequer atingido um consenso sobre o alfabeto para a expressar42.

  • 43 O único texto literário que chegariam a publicar em concani seria uma tradução do Stabat Mater.

31Havia, pois, um longo caminho a percorrer para atingir o objectivo do jornal de promover uma literatura em concani, juntando-se ao movimento cultural que descrevia no resto da Índia. Tendo planeado a existência duma secção concani e apelado à colaboração literária e linguística que a sustentasse, os promotores do programa acabaram por ver frustrada a sua intenção por falta de material que a alimentasse. Tal significa que provavelmente os próprios membros do corpo redactorial, alguns deles com capacidades literárias provadas, não possuíam um domínio da língua que lhes permitisse colmatar a falta de colaboração externa43.

  • 44 No seu primeiro número, o jornal traria o seguinte comentário: “A propósito da ‘Protecção à nossa (...)

32Sem uma iniciação ao concani nos currículos escolares, embaladas num ambiente familiar e social em que o português era privilegiado, a relação destas elites com a língua nativa carecia da espontaneidade que só o convívio assíduo poderia conferir e muito menos atingia o refinamento esperado do cultivo duma língua em meios letrados. Neste contexto e no que lhes dizia respeito, referir a língua nativa como a língua materna e declarar a impossibilidade de atingir o núcleo da sentimentalidade identitária na língua que dominavam, mas que era o símbolo da sua subjugação cultural, traduzia sobretudo o voluntarismo inerente ao projecto de reconstrução duma identidade cultural sobre o qual se propunham fundar um movimento nacionalista goês. Enquanto esse projecto não se concretizasse, estavam “condenados” a comunicar numa língua que recusavam chamar sua44 os princípios e os sentimentos que animavam a busca dessa identidade perdida.

  • 45 “Não há ninguém no mundo culto capaz de esquadrinhar inconvenientes no ensino da língua materna, (...)

33Cientes de que uma mudança da situação beneficiaria da introdução das línguas maternas no sistema de ensino, defenderiam esse projecto, recorrendo mesmo às teses da moderna doutrina colonialista sobre a matéria45. O artigo em que esta proposta foi expressa respeitava ao ensino não do concani mas do marati, uma das línguas principais da Índia, dominante no estado que confina com Goa e por motivos históricos e económicos largamente usada pelos hindus goeses; neste caso, os argumentos culturais fundiam-se com os económico-sociais.

  • 46 Assinado por um Pandit (sábio) Porbu (apelido comum entre os hindus de Goa), pensamos tratar-se d (...)

34A Emigração Goesa e o Ensino do Marathy46 reflectia sobre o crescente fenómeno migratório goês para o resto da Índia, em particular para o Maharashtra, motivado por uma arrastada crise económica no território. Problema de contornos estruturais, era apresentado como consequência directa duma administração colonial que, pela estreiteza de visão e arbitrariedade das práticas, constituía um entrave constante à iniciativa privada. Desta situação decorria a mentalidade da população cujas aspirações se resumiam a aninhar-se na segurança dum emprego oficial, desprezando a actividade produtiva. Os excluídos da “fortuna” viam na emigração uma saída natural para um futuro sem perspectivas na terra natal.

  • 47 Idem, p. 5.

35Este quadro crítico servia de pano de fundo da tese principal do artigo, sendo esta a defesa de que a possibilidade de desenvolvimento de Goa passava pelo estreitamento dos laços com o resto da Índia e de que, em conformidade, o Estado português devia assumir o papel que lhe cabia de criar condições a esse aprofundamento. Em causa estava, não só o problema do fenómeno migratório, mas também a evidência de que a Índia constituía o parceiro comercial natural de Goa, situação que já era real no momento. Tal significava que a lógica de uma política de reaproximação cultural à Índia tinha fundamento em poderosas motivações de ordem económica e social. O caso da prosperidade dos hindus que tinham escapado à política de assimilação, em contraste com a população cristã, demonstrava flagrantemente a tese: “A superioridade comercial dos hindus não é devida senão à cultura que os primeiros possuem da língua marata.”47 O ensino em língua nativa já bastante desenvolvido no resto da Índia, com tendência a universalizar-se, levaria a que o inglês perdesse o seu lugar de língua franca, aumentando a desvantagem mesmo dos cristãos goeses educados em colégios ingleses, em relação aos hindus.

  • 48 Idem, ibidem.

36O ensino oficial do marati podia assim representar um importante motor do desenvolvimento local, coadunando-se com a ideia de que “a organização do ensino, a fim de produzir resultados úteis e profícuos, necessita atender e considerar as tendências económicas do povo”48. Para além do aspecto económico e social, a convivência dos goeses com esta língua permitir-lhes-ia acederem às manifestações da vida cultural marata e, por esta via, actualizarem-se algumas das facetas mais relevantes do renascimento cultural indiano.

37A crítica à política colonial portuguesa no que respeitava ao ensino das línguas maternas inseria-se numa censura geral à sua política educativa no território. Esta censura dirigia-se a um sistema educativo visando a política de assimilação, donde os seus currículos assentavam nas referências culturais metropolitanas sem atenção ao património cultural nativo ou às realidades locais. Por esta razão era apresentado como o responsável principal da alienação e atrofia goesa, em vez de constituir-se como veículo do desenvolvimento intelectual local.

  • 49 “Mons. Excelso de Almeida”, in Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 6.
  • 50 “É que o Estado, sob o ponto de vista da função educativa, há muito que vai falindo, especialment (...)

38A solução deste problema encontrava-se, na opinião do jornal, em “procurar um campo de expansão mais próximo (…) E esse campo só pode ser a cultura indiana que, à vastidão da sua área, alia a qualidade de ser a que mais naturalmente nos indicam razões étnicas e geográficas, quando não bastem as de pura ordem sentimental”49. Desiludido de qualquer pretensão a que o Estado colonial colaborasse nessa obra, o jornal considerava que a tarefa cabia à iniciativa dos intelectuais50, sendo esse o contributo que o Índia Nova buscava dar à causa goesa.

A civilização e a modernidade indianas

39Chamando a si a tarefa de espelhar o núcleo da indianidade, o jornal usaria recursos diversos para o aflorar. A necessidade de acrescentar inteligibilidade aos artigos levaria a direcção a criar uma espécie de elucidário, através de pequenos apontamentos em quase todas as páginas sobre figuras do panteão indiano e sobre termos associados ao quotidiano, às religiões hindu e budista, a instituições antigas e modernas, a lendas, a rituais, à botânica, enfim, a um conjunto diversificado de referências que serviam de introdução ao imaginário indiano. Por outro lado, esse mesmo imaginário, cumprindo um dos aspectos do programa, alimentava os abundantes textos literários dos seus colaboradores, oferecendo-se como exemplo para a reinscrição da literatura goesa na memória dos sentidos e da cultura indianos.

  • 51 “Um legado histórico precioso, cheio de grandes exemplos e irradiando glória e virtude, é a base (...)
  • 52 “Procuraremos pois investigar e fazer reviver o passado da Índia por todos os meios ao nosso alca (...)

40A história de carácter exemplar51 e largamente centrada em figuras e momentos simbólicos marcaria a sua presença, em tom de referência, em parte significativa dos artigos do jornal, estabelecendo a ponte entre passado e presente na construção da civilização indiana. Esta abordagem, reflectindo uma ordem de prioridades ditadas pela urgência da luta na actualidade, torna, em parte, menos excêntrica a escassez de artigos estritamente históricos, quando seria de esperar pelo seu programa52 que a História da Civilização Indiana merecesse lugar de destaque nas páginas do Índia Nova. Os raros artigos versando a história da Índia apresentavam-se como um contributo, entre outros, para a construção duma imagem da indianidade, fortemente apoiada na ideia da civilização indiana como civilização hindu.

  • 53 Barreto, Adeodato, “Shivaji”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 3.
  • 54 Este último estereótipo seria tratado por José Teles num artigo em que defendia que o lugar comum (...)

41Tal é o espírito do artigo sobre Shivaji, fundador do império marata no século XVII, apresentado por Adeodato Barreto como figura titular do nacionalismo hindu pelo seu ideal de construção do “grande Hindu Pad-padashahi” (Império de todos os hindus)53. A figura de Shivaji, na sua campanha de libertação do jugo mogol, encarnava as virtudes guerreiras do povo indiano ao serviço do ideal de liberdade, e neste contexto era um exemplo da possibilidade de desconstruir dois estereótipos sobre a Índia no Ocidente, particularmente sofisticados na ideologia colonial: o do desconhecimento do valor da liberdade pelos povos orientais e o da passividade do povo indiano motivada pelo seu pendor contemplativo54. Em Shivaji, a luta contra a opressão tinha ainda a virtude de se conjugar com o despontar dum princípio de identidade indiana, tendo por referencial o hinduísmo.

  • 55 Que na época tinha um dos seus teóricos em Vinayak Damodar Savarkar e que os jovens conheciam pre (...)

42Desta visão da identidade indiana não decorria uma simpatia pelo fundamentalismo hindu, que se alimentava, então como agora, da oposição à comunidade muçulmana55. As referências negativas à presença muçulmana na Índia eram remetidas para um passado de domínio em que o proselitismo ditara políticas de intolerância e uma justificada reacção nacionalista hindu; mas mesmo nesse passado surgia o contraponto de Akbar, o imperador mogol do século XVI cujo reinado fora marcado pelo espírito ecuménico e pelo ideal de unidade entre as comunidades. A multiculturalidade não era posta em causa, e a possibilidade de interpenetração das comunidades marcada pelo espírito de tolerância seria mesmo patenteada.

  • 56 Saksena, Radha Krishna, “Miyan-Tansen”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), pp. 4-5.
  • 57 “Fazendo alusão à liberdade italiana, escrevia a poetisa – diz-se que Mazzini em si não era mais (...)

43Esta posição surge particularmente evidente num texto do hindu Radha Krishna Saksena dedicado a Miyan-Tansen56, reconhecido como um dos maiores músicos indianos de sempre, um hindu convertido ao islamismo que fazia parte da corte de Akbar. Neste artigo, Saksena sublinhava como a memória de Miyan-Fansen marcava a cultura indiana, a ponto de se tornar a figura tutelar dum festival musical anual em Gwalior, o qual se distinguia precisamente por juntar na mesma iniciativa artistas hindus e muçulmanos comungando duma herança cultural comum. Por seu turno, Telo de Mascarenhas, num artigo dedicado a Sarojini Naidu (1878-1949), hindu por nascimento mas educada no ambiente muçulmano de Hyderabad, destacaria a visão da poetisa e activista sobre a Índia, afirmando que a sua completude passava pela aliança dos elementos hindu e muçulmano57.

  • 58 “Esta tarefa árdua nos dará margem a que demonstremos como a civilização que teve por berço a Índ (...)
  • 59 Tomás da Fonseca marcaria a sua colaboração com o jornal contando a lenda dum filósofo hindu que, (...)

44A imagem, que apesar de tudo sobrevive, duma inquestionada identificação da indianidade com o hinduísmo afirmava-se no jornal por via duma vislumbrada especificidade civilizacional indiana conferida pela espiritualidade e pelo pensamento filosófico hindu58. A característica espiritualista da civilização hindu espelhar-se-ia e alimentar-se-ia do carácter do povo indiano, tanto distinguindo a sua criatividade e expressão intelectual, como moldando uma radical capacidade de resistência59. Espiritualismo que não fraccionava o homem, mas antes assumia as suas diversas facetas, ditando uma harmonia entre espírito e matéria. Seria ele que modernamente formataria o renascimento cultural indiano e o movimento político nacionalista, conferindo-lhes um carácter modelar.

  • 60 “E se Mahatma Gandhi, o apóstolo máximo, é a força espiritual e redendora da Índia: Tagore, o Poe (...)
  • 61 A instituição, que tinha alguma inspiração teosófica, era dedicada aos princípios da Educação Pro (...)
  • 62 Os proprietários da região tinham visto as terras confiscadas por rejeitarem um aumento dos impos (...)

45Esta leitura da modernidade indiana seria criteriosamente oferecida tanto pelos artigos de fundo, como pelos comentários à actividade literária, científica e política da Índia contemporânea. Um traço de união ligava o entusiasmo por Rabindranath Tagore60, pela prestação de cientistas indianos num Congresso da “New Education Fellowship”61, pelo movimento satyagraha que na época tinha uma expressão mais dramática na pequena região de Bardoli62 ou mesmo pelo movimento swadeshi (nacionalismo industrial) cujos progressos seriam largamente ilustrados pelo jornal. A harmonização entre misticismo e sensualismo na poesia de Rabindranath Tagore, as investigações de Jagadis C. Bose para evitar as experiências em animais sem travar o progresso científico, a radicação da liberdade no domínio do espírito defendida por M. B. Thaker ou a adesão do povo indiano aos métodos de resistência preconizados por Gandhi, fazendo do sofrimento e do sacrifício poderosos veículos de combate, eram exemplos, entre outros, que evidenciavam como aos mais diversos níveis a espiritualidade peculiar à civilização hindu inspirava os percursos dos protagonistas da modernidade indiana. E eram abordagens que alimentavam o orgulho pela partilha dessa identidade comum evidenciado pelos promotores do projecto do Índia Nova.

  • 63 “Os apóstolos da independência da Índia são também grandes poetas, porque só os poetas podem acar (...)
  • 64 “Em política Rabindranath Tagore é universalista; as nações para ele não contam; só o preocupa o (...)
  • 65 “No meio dum bosque verde e umbroso de mangueiras ergue-se o ashram seráfico de Santiniketan, lar (...)

46O idealismo que movia os jovens estudantes goeses ultrapassava os ideais nacionalistas para abarcar o futuro da humanidade e o contributo que a civilização indiana poderia dar à sua causa. Na sua opinião, o caminho para a construção desse futuro auspicioso vinha sendo apontado pelos intelectuais que a Oriente e a Ocidente preconizavam o encontro das civilizações e a promoção de uma nova ordem internacional. O facto de Rabindranath Tagore ser a personalidade indiana mais referenciada no jornal, só encontrando um rival em Gandhi, devia-se em parte à sua qualidade de poeta63 e como poeta, mas devia-se também, e talvez sobretudo, ao seu ideário universalista64 que suportava o trabalho desenvolvido em prol do diálogo civilizacional tanto através de conferências que proferia um pouco por todo o mundo, como do ashram de Visva--bharati onde ocorriam académicos asiáticos, europeus e americanos65.

O advento duma Nova Era. Da civilização indiana e europeia à civilização universal

47Seria essa Nova Era que Adeodato Barreto anunciaria no primeiro número do jornal em “A missão da Ásia”, considerando que o seu impulso adviria do moderno Renascimento Hindu e da sua divulgação universal:

  • 66 Barreto, Adeodato, “A missão da Ásia”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 2.

Mas é sobretudo o desvendamento paulatino dos velhos ideais hindus, abafados durante dois séculos pela servidão política, mas expandindo-se agora livremente com as asas duma nova vida, que constitui um marco milenário fulgurante na História Contemporânea, assentando o início auspicioso duma Era de Harmonia e Paz (...).66

48O diagnóstico dum mundo em estado de tensão e crise provocado por uma Europa imperialista, cuja dinâmica capitalista assentava na exploração dos povos africanos e asiáticos e na concorrência agressiva entre as potências dominantes, justificava a urgência duma revolução civilizacional.

  • 67 “Sobre o solo abrasado da Europa a guerra terminara. E os corações europeus, conflagrados pela he (...)
  • 68 “Um certo ideal universalista parecia animar a Sociedade nos seus primórdios. O princípio do self (...)
  • 69 “Os Membros da Liga convêm em respeitar e defender contra a agressão externa a integridade territ (...)
  • 70 “Que são os ‘mandatos’ afinal senão autênticas colónias de ocupação militar, ocultas sob um nome (...)
  • 71 Idem, ibidem.

49O trauma dos horrores de 14-18 parecia augurar para o mundo do pós-guerra um novo modo de estar no relacionamento entre os povos67. A criação da Sociedade das Nações sob o impulso do Presidente norte-americano Woodrow Wilson surgira como a resposta à ânsia de paz mundial e uma nova esperança de libertação para os povos dominados68. Mas a verdade é que o Pacto de Paris subtilmente consagraria o status quo internacional69, e a Sociedade agravaria mesmo a situação dos povos oprimidos com a instituição dos mandatos, a nova fórmula para o colonialismo europeu70. Dominada pelas potências imperiais, a Sociedade vinha-se consagrando como a “Santa Aliança” do século XX, só que “bem mais perigosa, pois que os princípios que proclama e nos quais se inspirou estão em flagrante contradição com os resultados a que chega, inspirada pelos imperialismos encapotados que no seu seio se acobertam”71.

  • 72 “Os historiadores do presente período terão de considerar o despertar da Ásia como o aconteciment (...)
  • 73 “E se a última guerra poucos ou quase nenhuns benefícios trouxe para a Europa, a par das assustad (...)
  • 74 “Os mais completos inquéritos ingleses sobre a crueldade dos industriais nos inícios da grande in (...)
  • 75 “Os recentes tratados assinados pelo rei Amamullah com a Turquia, a Pérsia e o Egipto indicam que (...)
  • 76 “O primeiro passo para o entendimento mútuo inter-populos orientais foi a fundação da Liga Pan-As (...)

50Neste contexto, perdia-se a esperança dos povos colonizados de a sua libertação decorrer do concerto das nações. O eclodir dos movimentos nacionalistas no pós- -guerra, espalhando-se por um efeito de dominó um pouco por toda a Ásia72, traduzia uma restaurada autoconfiança dos povos dominados73, apoiava-se num sentimento de revolta pela desumanidade do capitalismo europeu74 e consolidava-se na convicção de que a liberdade teria de ser disputada aos desígnios imperiais. A par, começavam a conceber-se alianças regionais75, que consolidariam uma organização das relações internacionais marcada pela mundialização da dinâmica do confronto e pela hostilidade racial e civilizacional76.

  • 77 “Ouve-se já distintamente falar duma Liga das Nações Asiáticas, a qual, incluindo a Rússia, a met (...)
  • 78 “De Marrocos à China, e logo desde o início da decantada pax europeia (…) rios de sangue humano s (...)

51A atenção que a política internacional mereceu no jornal deve muito ao entusiasmo suscitado pelo avanço destes movimentos de libertação que apontavam para um fim próximo do domínio europeu na Ásia, mas deve igualmente à preocupação, particularmente evidente em Adeodato Barreto77, pela dinâmica de conflito do mundo pós- -guerra, largamente forçada pela manutenção da atitude expansionista europeia78.

  • 79 Romain Rolland cit. por Barreto, Adeodato, “A missão da Ásia”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de (...)
  • 80 Barreto, Adeodato, idem, ibidem.

52No contexto destas preocupações, a inauguração duma “Era de Harmonia e de Paz” anunciada por Adeodato Barreto constituía uma via alternativa ao caminho que a Europa vinha trilhando e que afectava toda a humanidade. A vivência da harmonia e da paz seriam o ponto de partida e de chegada dos indivíduos e dos povos na motivação das suas acções e no relacionamento com os outros. À Europa, afundada numa crise de valores da qual a instabilidade política e social era o espelho, a essa Europa “exaurida e gasta”79 cabia virar-se para Oriente e aí buscar inspiração num novo ideal, verdadeiramente revolucionário para o futuro do velho continente e da humanidade: “[A Europa] precisa dum novo bordão que a ampare, um “viático novo”, que lhe restaure a fé nos destinos do mundo! E esse viático sagrado, trar-lho-á o Oriente, o velho médico da Europa. Como o Cristianismo para a Roma decadente, os Ideais Hindus serão, para a civilização europeia, o bordão amparador.”80

  • 81 “Gandhi e Vivekananda serão o Pedro e Paulo da civilização futura” (idem, ibidem). Swami Vivekana (...)
  • 82 Pioneiro, no início do século XIX, do Renascimento Hindu.

53Esta visão messiânica duma Ásia, leia-se Índia, que renascia para regenerar a humanidade tinha os seus apóstolos nos dois líderes espirituais que maior influência exerciam no nacionalismo indiano, Vivekananda e Ghandi81. E a oriente e a ocidente apoiava-se numa plêiade de intelectuais que vinham defendendo um reencontro civilizacional com vista ao ideal de criação duma civilização universal, destacando-se nesta corrente as figuras de Tolstoi, do Conde Keyserling, de Romain Rolland na Europa e de Ram Mohan Roi82 e Rabindranath Tagore na Índia.

  • 83 “Um produz a razão, a ciência, a consciência; o outro segrega a intuição, a religião, o subconsci (...)
  • 84 “É que essas duas culturas são como dois ‘lóbulos do cérebro humano’” (idem, ibidem).

54Este messianismo asiático equacionava-se como uma imagem invertida do messianismo europeu em que assentava o discurso colonial e vivia inclusivamente dos mesmos estereótipos sobre o carácter das civilizações europeia e oriental83, mas ao contrário daquele lia-as como aspectos complementares do homem integral84, se bem que crente de que na espiritualidade radicava a fonte dos ideais que conduziam a um progresso efectivo do ser humano. A nova Era de Harmonia era, pois, a da recuperação do homem integral, e a Paz uma consequência da substituição da lógica da concorrência e domínio pela lógica da cooperação entre os povos.

55A leitura deste pequeno jornal académico demonstra a importância da imprensa periódica, em particular das revistas e jornais que se apresentavam como órgãos de movimentos culturais e políticos, como fonte para a história das ideias e a história intelectual e dos intelectuais no século XX.

56No caso concreto, enquanto órgão dos estudantes universitários goeses, o jornal anunciava-se como projecto duma geração, destinando à jovem intelectualidade goesa o papel de questionar o status quo local – espelhasse ele o papel do poder metropolitano na configuração da condição goesa, ou significasse o modo de estar dominante das suas próprias elites – e de provocar os conterrâneos à acção pelo abrir dos seus horizontes políticos e culturais. Sendo evidente no jornal a abertura à circulação de ideias e saberes entre intelectuais de gerações e origens diversas, unidos por aspirações comuns ou simplesmente por uma postura intelectual partilhada, tal defesa, mais que uma particular vontade de ruptura geracional, traduzia a noção de que para a iniciativa duma acção colectiva as gerações anteriores estavam perdidas, radicando na energia e criatividade juvenil a esperança de transformação da realidade goesa.

  • 85 Referimo-nos não só à doação de bibliografia, mas ao próprio acesso a personalidades de renome in (...)

57O descerrar, nas páginas do Índia Nova, duma parte da Biblioteca do Instituto Indiano e da forma da sua constituição, o universo de referências intelectuais (bibliográficas, biográficas, conceptuais) presentes nas notas e nas reflexões dos directores e restantes colaboradores, e os ecos da receptividade de periódicos e individualidades nacionais e estrangeiras às iniciativas do Instituto e do jornal permitem-nos edificar uma imagem da formação intelectual informal desta geração. Complementarmente, possibilitam a apreensão de como a construção duma rede local e internacional de difusão de ideias e conhecimentos se alimentava tanto da potenciação dos contactos pessoais85 como da abordagem de periódicos, instituições e organizações de referência.

58Um dos aspectos mais marcantes deste periódico e que nos suscita algumas reflexões prende-se precisamente com a mencionada influência na formação do pensamento dos seus mentores duma corrente ecléctica de intelectuais que vinha advogando a urgência dum diálogo e intercâmbio civilizacional em busca de um novo humanismo. O que nos surge particularmente interessante sublinhar é como na formação desta corrente confluíam intelectuais a oriente e a ocidente, os quais, alimentando-se conjuntamente das diversas fontes culturais para construir uma nova mundividência, mutuamente se influenciavam na construção do seu pensamento.

59A valorização do contributo das civilizações orientais para a construção do conceito de civilização universal constituía, em si, um momento de resistência ao discurso hegemónico na Europa. Ao Orientalismo oficial mas também ao discurso antiocidental que enformava a ideologia de algumas correntes anticoloniais, contrapunham a descoberta da alteridade como passo fundamental para a compreensão e aproximação entre povos. Este estado de espírito presidia, nomeadamente, a uma política diferenciada dos novos estudos orientais, levando a que a sua construção se fizesse não a partir do escrutínio ocidental, mas da busca de compreensão dos pontos de vista e da coerência interna dessas culturas. Essa diferença marcava-se, igualmente, no facto de muitas vezes esses estudos assentarem em projectos que envolviam académicos dos dois lados do mundo.

  • 86 Cf. Boehmer, Elleke, op. cit., em particular pp. 22-23, 169-214; Said, Edward, op. cit., p. 292 e (...)

60O Orientalismo construído a partir dessa perspectiva, se em muitos aspectos não escapava a visões estereotipadas das civilizações orientais, constituía-se como contra-discurso à ideologia imperial e renovava a imagem do Oriente nos círculos intelectuais ocidentais. No ambiente cultural europeu, esta imagem convergia com a influência da vaga orientalista na construção do movimento modernista, enquanto fonte de inspiração artística e mesmo de diálogo intercultural86. E convergia, igualmente, com o interesse demonstrado nesses círculos pelas novas correntes filosóficas espiritualistas que bebiam largamente das fontes hindus e budistas. Entre elas, destacava-se a corrente teosófica, fundada por Helena Blavatsky em finais do século XIX, que teria profunda influência nos círculos intelectuais ocidentais e na própria Índia; destacava-se também o trabalho desenvolvido pelo Conde Keyserling, fundador, em 1920, da Escola da Sabedoria, em prol da construção duma cultura planetária. Assiste-se, assim, entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a um virar do olhar para oriente, traduzido no interesse pelo legado das suas civilizações milenares e na atenção à expressão moderna da sua criatividade e do seu pensamento filosófico e político. Relativamente à Índia, este interesse chegaria ao ponto da “indianização” de diversos intelectuais europeus e americanos que, fascinados pelos contornos do movimento independentista indiano, se envolveriam activamente na sua promoção.

  • 87 Um exemplo do esforço de reflexão motivado por estas aporias encontra-se na criação por Romain Ro (...)

61Para estes intelectuais, o eurocentrismo perdia sentido face à descoberta da relatividade cultural e do direito de os povos se autodeterminarem. A percepção das violentas consequências do imperialismo europeu para os povos dominados, em contradição evidente com os ideais e valores da modernidade, levava-os a questionar a validade do modelo civilizacional europeu e da sua hegemonia mundial, forçada pela aliança entre a espada e a pena. Por outro lado, a ruptura moral representada pela Primeira Guerra Mundial, bem como as próprias contradições sociais e políticas que assolavam a Europa, constituíam outras fontes importantes de uma crise de consciência que os impulsionaria a reflectir sobre a identidade europeia87 e a considerar que uma nova atitude teria de informar o modo de estar europeu no mundo. Neste contexto, a simpatia com que encaravam o emergir dos nacionalismos nos territórios coloniais aliava os sentimentos solidários à urgência sentida na necessidade dum reposicionamento da Europa no concerto das nações. Os movimentos anticoloniais surgiam como passos importantes para pôr em causa a ordem internacional imposta pela Europa e como respostas alternativas à reflexão sobre a acção política coeva. Neste caso, o exemplo indiano surgia edificante e merecedor de especial atenção, pela forma como Gandhi se propunha assentar a luta contra o poder inglês num ideário pacifista.

62No que respeitava às elites coloniais, o ambiente filosófico, artístico e político em torno da nova corrente orientalista ajudava à consolidação do seu orgulho identitário e ajudava a perspectivar as lutas nacionais no âmbito mais vasto dos ideais universalistas reequacionados na óptica do movimento que temos descrito. Aos olhos destes intelectuais, a Europa não se fixava numa imagem uniforme cristalizada na ideologia e na acção do poder imperial; ela era também vista como o berço de uma plêiade de intelectuais reformadores, com os quais estabeleciam relações de troca intelectual e com os quais se sentiam irmanados numa luta comum. A resistência ao poder instituído e à ideologia hegemónica constituía a base para uma reflexão intercivilizacional sobre a condição e o destino humanos.

63Através do jornal Índia Nova, o grupo de estudantes goeses promotores da iniciativa e os seus colaboradores goeses e metropolitanos, efectuando o percurso da particularidade goesa para a reflexão sobre os destinos da humanidade, integravam, por essa via, a corrente que a ocidente e oriente se batia por um novo humanismo, assentando a universalidade na harmonização da diversidade e tornando todos os indivíduos e povos coniventes na construção do futuro da humanidade. Seria para assumirem esse sentido de responsabilidade que os jovens desafiariam os conterrâneos a tomarem em mãos o seu destino.

  • 88 Cf. supra, nota 24. A conferência, proferida em Agosto de 1941 pelo antigo director do Índia Nova(...)

64O seu fundador, Adeodato Barreto, nunca regressaria a Goa, mas continuaria em Portugal a lutar pela divulgação deste ideário e integraria o movimento de resistência intelectual ao Estado Novo. Telo de Mascarenhas acabaria por regressar à Índia e tornar-se um freedom fighter. Sobre José Teles, o pouco que sabemos é que voltou à Índia e se dispôs, um dia, a evocar a figura do dinamizador da sua geração no Cine- -Teatro Nacional de Goa88.

65Se a iniciativa destes estudantes não teve a capacidade de despoletar um movimento nacionalista goês com significado político, tal como pouco êxito teriam os esforços de outros intelectuais goeses que em Goa ou na diáspora se batiam e bateriam para o mesmo fim, mesmo assim a sua acção tornou-se um símbolo de resistência para as futuras gerações goesas. A reflexão que efectuaram sobre a identidade goesa, bem como as marcas da sua formação intelectual nas páginas do Índia Nova, constituem elementos importantes para o estudo do pensamento dos intelectuais goeses da primeira metade do século XX, o qual foi marcado por uma diversidade ideológica que ecoava os confrontos do século.

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Notas

1 Costa, Orlando da, “Indianidade, solidariedade, liberdade”, in Barreto, Adeodato, Civilização Hindu seguido de O Livro da Vida (Cânticos Indianos), Lisboa, Hugin, 2000, pp. 7-8.

2 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, Dicionário de Literatura Goesa, Lisboa: Instituto Cultural de Macau: Fundação Oriente, [s.d.]; Miranda, Lúcio de, Adeodato Barreto (ensaio biográfico e crítico), Bastorá: Tip. Rangel, 1940, p. 7; Barreto, Adeodato, op. cit., pp. 7-56.

3 O manuscrito incompleto dessa tradução, que ficou inédita, encontra-se entre os papéis na posse do filho Kalidás Barreto. O jovem universitário conseguiria a autorização de Rolland para publicar a obra, tendo o Prémio Nobel respondido prescindir dos direitos de autor: “Vous avez toute ma sympathie pour la mission que vous avez assumée, vous et vos camarades indiens, d’éclairer vôtre peuple, privé de l’esplendide lumière de vos frères de race, héroïques, de Tagore, de Gandhi, de Aurobindo Ghose, de Jagadish Chandra Bose… cette pléiade de génies dont s’enorgueillit non seulement une race mais tout l’humanité.” (cit. in Miranda, Lúcio de, op. cit., p. 7). A obra de Romain Rolland fora editada em 1924, o que por si é revelador do seu impacte em Adeodato Barreto. Uma anotação do intelectual francês no seu diário, a 25 de Abril de 1925, estende esse impacte ao seu grupo de Coimbra: “The same request [de tradução] has been made for Portuguese by a group of young Indians from the University of Coimbra (signed by Francisco Adeodato Barreto). They say how sad and indignant they are that in their own country, Portuguese India (Goa), they are left completely in ignorance of the great Indian fatherland – all the glories of the past and present, Tilak, Gandhi, Tagore; – it was through my book that they discovered them!” (Romain Rolland and Gandhi Correspondance. New Delhi: Publications Division, Ministry of Information and Broadcasting, Govt. of India, 1976, p. 45).

4 Tem sido estudado o lugar da sociabilidade intelectual no cadinho cultural e político metropolitano, para o despertar identitário das elites coloniais e na construção dos ideais que enformariam os programas de ressurgimento cultural e de acção anticolonialista. Cf. Anderson, Benedict, Imagined Communities: Reflexions on the Origin and Spread of Nationalism. Rev. ed. London: New York, 2006, pp. 113-140; Boehmer, Elleke, Empire, the National and the Postcolonial, 1890-1920: resistance in interaction. Oxford: New York, Oxford University Press, 2002; Said, Edward, Culture and Imperialism, London, Vintage, 1994, p. 292 e ss.

5 “Quando o conheci, tinha V. vinte anos de idade e um grande sonho a realizar. Lembra-se? Foi em Coimbra, numa tarde de Outono, à beira do Mondego. Recordo-me perfeitamente de que falámos da pátria longínqua, do seu passado de glória, do seu presente de incertezas, do seu futuro de esperança… E V., com um entusiasmo louco, traçou as linhas gerais de um programa magnífico em prol da terra, de Goa e da Índia--Mater. Tratava-se de rejuvenescer a raça, revigorar-lhe as virtudes, purificá-las dos efeitos da escravidão e, finalmente, pugnar pela expansão do espiritualismo indiano através do mundo europeu para temperar a bruteza de uma civilização grosseiramente materialista” (Miranda, Lúcio de, op. cit., “Carta Prefácio”).

6 Cordato de Noronha (1900-?), médico goês que em 1927 fez exame de estado em Lisboa e prosseguiu a carreira em Moçambique, após especializar-se em oftalmologia em Paris (cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 2, pp. 359-361).

7 “Foi no tempo de Albuquerque que pela primeira e última vez se tentou e realizou uma cooperação luso-indiana. Conquanto não fosse no terreno artístico e cultural, pois os tempos não eram propícios para isso, era, apesar de tudo, uma cooperação.” (Barreto, Adeodato, “O Instituto indiano da F. de Letras de Coimbra”, in Seara Nova, n.º 99 (12 de Maio de 1927), pp. 54-55).

8 “O próprio povo, teve-o o grande Marquês [de Pombal] de o declarar português, porque já nem indiano era. A famigerada política de ‘assimilação’ roubara-lhe tudo quanto de mais precioso um povo pode ter: as características próprias, o conhecimento das luzes da sua própria civilização. A infiltração de ideais estranhos à sua raça e às suas tendências amofinou-o. A consequência? Uma pavorosa improdutividade que ainda hoje se ressente e que será dificílimo debelar…” (idem, p. 55).

9 “A mina indiana cedo se esgotou ou foi desviada a sua corrente. A única mina inesgotável e perene, a mina da cultura intelectual, da arte e do sentimento que Portugal não buscara, essa manteve-se para sempre fechada e inacessível para o explorador português. E, contudo, procurá-la e explorá-la era para ele um direito e um dever, direito de que nunca se compenetrou, dever para com a civilização que jamais soube cumprir. (…) Da velha Índia que tanto o entreteve no passado, ele apenas conserva hoje a recordação fumarenta e vaga dum despertar de orgia tumultuosa” (idem, p. 55).

10 “Orientalism is never far from what Denys Hay as called the idea of Europe, a collective notion identifying ‘us’ Europeans as against all ‘those’ non-Europeans, and indeed it can be argued that the major component in European culture is precisely what made that culture hegemonic both in and outside Europe: the idea of European identity as a superior one in comparison with all non-European peoples and cultures. There is in addition the hegemony of European ideas about the Orient, themselves reiterating European superiority over Oriental backwardness, usually overriding the possibility that a more independent, or more sceptical, thinker might have had different views on the matter” (Said, Edward, Orientalism, reimpr. with a new Preface, London, Penguin Books, 2003, p. 7).

11 Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 1.

12 Tagore comparava o espírito que animava os seus promotores ao que presidia à Universidade de Visvabharati (idem, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 3).

13 Lista manuscrita de “Livros que o I.I. possui”.

14 Publicado no Boletim do Instituto Vasco da Gama (Pangim) e posteriormente editado em separata com o título À margem duma ideia. A passagem publicada pelo Índia Nova abriria o n.º 3 do jornal, sob o título Pensamento Moderno.

15 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 2, pp. 293-295.

16 “O Oriente, eis o inimigo. ‘Les Tagore, les Okakura, les Coomaraswamy, Gandhi lui-même, tous ont été les élèves des universités européennes, ils citent sans cesse nos poètes, nos philosophes et ce sont nos propres idées – entendez nos pires folies – qu’ils nous restituent: c’est avec elles qu’ils travaillent, soit pour nous mieux séduire ou se mieux faire entendre et trouver les voies d’accès favorables à leur propagande politique qui vise notre anéantissement. D’où vient que sous le pretexte de rechercher l’accord, la fusion des esprits d’Orient et d’Occident, leur pensée consonne, par une sort d’harmonie prétablie, avec ce qu’il y a de plus destructeur dans les doctrines européennes ?’” (Bragança, Luís Menezes de, “Pensamento moderno”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 2). Esta citação de Henri Massis por Menezes de Bragança é retirada do artigo “Mises au point” inserido no primeiro dos dois volumes que os Cahiers du mois dedicaram em 1925 a um inquérito a diversos intelectuais franceses sob o título “Les appels de l’Orient”. No folheto À margem duma ideia, Menezes de Bragança inseria a nota de Massis à passagem que acentua a ideia: “Gandhi invoque Tolstoi; Tagore les lyriques anglais; Ananda Coomaraswamy cite Kant, Boehme, Nietzsche, rapproche Walt Whitman de Tchouang-Tseu et, à la suite d’André Gide, exalte William Blake qu’il considere comme le prophète de l’union de l’Orient et de l’Occident.” (Bragança, Luís Menezes de, À Margem duma ideia, Nova Goa, Tip. Bragança & C.ª, 1927, p. 33).

17 “Emprego a palavra ‘europeu’ na acepção que lhe assinala Paul Valéry, acepção funcional e não meramente geográfica ou histórica, porquanto hoje a mentalidade europeia comporta ‘em todos os espíritos cultos a livre coexistência das ideias mais dissemelhantes, dos mais opostos princípios de vida e de conhecimento’, não se confinando no quadro estreito das civilizações particularistas” (Bragança, Luís Menezes de, art., cit., ibidem).

18 “Romain Rolland, Henri Barbusse, Brimschveig, Wells, Herman Hesse, Keyserling, Eliseev, para apenas citar alguns, são os homens mais representativos desta corrente” (idem, ibidem).

19 Idem, p. 2. No folheto, a passagem continua do seguinte modo: “Não posso deixar de chamar para este aspecto do medievalismo a atenção dos inúmeros devotos que essa doutrina conta nesta terra e os quais, numa inconsciência de pasmar, se fizeram seus divulgadores, mal cuidando que estão a fundir as cadeias de escravidão. ‘Mais tiranos, dizia Tácito, fazem os escravos voluntários do que os escravos forçados que fazem os tiranos’” (Bragança, Luís Menezes de, op. cit., p. 14).

20 “Exumar o passado, pôr de pé fórmulas caducas, evocar símbolos representativos duma mentalidade e duma acção, de que nos separam séculos, – tal tem sido a preocupação capital, para não dizer exclusiva, das classes dirigentes, em Portugal. E quando digo dirigentes, não penso unicamente nos homens de governo. Compreendo neste qualificativo os variados elementos que se propõem orientar a mentalidade portuguesa. Ela prevalece nas escolas, nas academias e, mormente, na imprensa. As excepções contam-se a dedo. Que eu saiba, vejo apenas o núcleo da Seara Nova empenhado em libertar os cérebros dessa tara cultural” (Idem, p. 24).

21 Idem, p. 26.

22 Idem, pp. 29-30.

23 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 2, pp. 252-253. Mascarenhas, Telo de, When the Mangotrees Blossomed: Quasi memoirs. Bombay, Orient Longman, 1976. Telo de Mascarenhas, com outros intelectuais goeses como António de Noronha e Fernando da Costa, fundaria em 1926, em Lisboa, um Centro ou Partido Nacionalista Indiano/Hindu que teria no jornal goês Bharat o seu veículo de comunicação com o território ultramarino; os membros destes movimentos adoptaram nomes hindus nos artigos que enviavam para este jornal (cf. Bharat (Quepém), a partir de 1 de Abril de 1926).

24 Cf. Teles, José, “Adeodato Barreto: conferência do Dr. José Teles realizada no Cine-Teatro Nacional em Agosto de 1941”, in CURSO LICEAL DE ADEODATO BARRETO. Anuário: 1941-1942, Nova Goa, Tip. Sadananda, [s.d.], pp. 5-12.

25 Cf. Teixeira, Maria Isabel Gracias da Fontoura de Sousa, e Dias, Paulo Colaço, “José António Ismael Gracias (1857-1919)”, in SuperGoa. Link: www.supergoa.com/pt/read/news_cronica.asp?c_news=693.

26 Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 8. Luís do Couto, entretanto formado, seria substituído no n.º 5 por Luís Timóteo de Sousa.

27 “Pretendemos por meio deste jornal, a cuja fundação presidiram intuitos eminentemente culturais, estabelecer contacto entre os nossos leitores e as grandes correntes literárias, artísticas e científicas, sociais e políticas da Grande Índia [designação que evoca o épico indiano ‘Mahabharata], de que tão alheado anda o público de Portugal e de Goa” (“Palavras Prévias”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 1).

28 Cf. Said, Edward, “Resistance and Opposition”, in Culture and Imperialism, London, Vintage, 1994, p. 252 e ss.

29 “E, divulgando a história do nosso País; estudando as suas seculares e sábias instituições que ainda hoje, sendo aplicadas, podem fazer a felicidade dos povos; tomando para as nossas produções literárias e artísticas motivos indianos; propugnando pelo ressurgimento das nossas mais belas tradições e pela renovação moral e intelectual do povo goês, procuraremos despertar no leitor o amor pela civilização indiana, e servir o nosso País que é a nossa preocupação de hoje e d’ontem, de todas as horas, de todos os momentos. Procuraremos (…) realizar a aproximação das nossas crenças (…) para vivermos todos irmanados no mesmo ideal e na tradição comum” (“Palavras Prévias”, ibidem).

30 Médico goês que nos anos 20 esteve particularmente envolvido no levantamento dos problemas que afectavam Goa e na divulgação do movimento nacionalista indiano, tendo publicado diversos artigos e obras sobre estas matérias. Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 3, pp. 148-151.

31 Santana Rodrigues abria o artigo com uma citação de Theodore Roosevelt afirmando esse dever: “Chacun de nous a besoin de se lever pour ses propres droits, tous les hommes et tous les groupes d’hommes sont tenus de conserver le respect d’eux-mêmes; ce respect, ils doivent le réclamer aussi d’autrui en veillant à que qu’il ne leur soit fait aucun tort et à ce qu’il leur soit assurée la plus grande liberté de pensée et d’action” (Rodrigues, Santana, “O primeiro dever”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 5). Esta postura individual e colectiva era considerada essencial para a criação de “uma nova ordem de Justiça e respeito recíprocos, que possa entrelaçar a humanidade” (idem, ibidem).

32 “Não bastam os limites convencionais do território nem a existência prolongada em agregado, para garantir o respeito pelos seus direitos e conter nos cobiçosos os impulsos da ambição. É preciso que uma alma viril, soldada por uma íntima solidariedade e insuflada por uma tradição e um interesse comuns o esteja animando sem cessar, para assinalar por actos e feitos o seu lugar na progressão da humanidade” (idem, ibidem).

33 Conceito que usamos anacronicamente, mas que consideramos traduzir o sentido que conferiam ao conceito de cultura.

34 “Prosseguindo”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 2.

35 Idem, ibidem.

36 “E o ponto mais importante do nosso programa é a questão das línguas maternas. (…) propomos cumprir escrupulosamente o valioso testamento que nos legou o erudito e grande amigo da Índia que foi Cunha Rivara, no seu Ensaio Histórico da Língua Concani, e que reza desta sorte: – ‘É pois tempo de reparar os erros passados. É tempo de restaurar a língua materna. A vós, Mocidade Goana, está reservada esta grande obra, elemento essencial da regeneração intelectual e social dos vossos compatriotas (...)’” (“Palavras prévias”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 1).

37 Teles, José, “Defesa da língua materna”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 4.

38 José Teles citaria uma passagem da obra de Santana Rodrigues, A Índia Contemporânea (1926), para demonstrar essa efervescência: “A Índia do século XX se embelece e se exorna pelo exercício de rútilas virtudes para restaurar o fio maravilhoso da tradição, o sutra interrompido do sincronismo histórico. Um escol de patriotas e de pensadores vibra e afervora a alma nacional. É Ram Mohum Roy, humanista profundo e precursor da emancipação religiosa, é Swami Vivekananda, o exegeta audaz da soberania da razão; é Mahatma Gandhi, como Mazzini, o apóstolo místico da unificação nacional, é Chandra Bose, o Newton da gravitação biológica; é Lokamanya Tilak, como o vigoroso autor do “Essai sur les moeurs”, o standard-man da revolução; é Benoy Sarkar, como o sábio crítico do Esprit des Lois, o intérprete sagaz do direito constitucional hindu; é Rabindranath Tagore, o mecenas carinhoso das letras e artes pátrias – é toda uma plêiade de estatuários, a polir, a cinzelar, a alçar a abóbada triunfal dos Estados Unidos da Índia” (idem, ibidem).

39 Idem, ibidem.

40 Cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 3, pp. 288-289.

41 “Envergonhavam-se de a falar e ajudavam a destruição da literatura. Foi a camada inculta do povo que, sofrendo as prisões do Santo Ofício e outros vexames, salvou a língua” (Sousa, José de Santa Rita de, “A língua concani”, in Índia Nova, n.º 1 (6 de Junho de 1928), p. 4).

42 Sousa, José de Santa Rita de, “A ortografia conkani e a necessidade da sua reforma”, in Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 4. A este propósito, o Índia Nova inseriria um rasgado elogio a uma revista concani editada em Bombaim, Gullistan, pelos seus propósitos nacionalistas, mas criticaria a falta de rigor ortográfico nas suas páginas: “Como não usa o nosso alfabeto próprio que é o Devanagari, nem ao menos a sua transliteração mais racional que é, segundo o consenso universal, a jonesiana, é-nos por vezes dificílima a sua leitura, pois cada articulista se exprime segundo a sua pronúncia local, em Goa, e por uma combinação de letras e fonemas que nem sempre é possível interpretar” (Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 2).

43 O único texto literário que chegariam a publicar em concani seria uma tradução do Stabat Mater.

44 No seu primeiro número, o jornal traria o seguinte comentário: “A propósito da ‘Protecção à nossa língua’ (portuguesa), um jornal de Goa junta a sua voz ao coro de justos louvores que recebeu a proposta do brasileiro dr. Octávio Mangabeira. Não nos revoltamos contra o direito de cada um escolher, para sua, a língua que mais lhe apeteça. Mas como o possessivo está no plural e o artigo é escrito por um goês, não resistimos à tentação de transcrever, muito a propósito, um trecho do ‘Ensaio histórico do concany’ (p. 77) do grande Cunha Rivara: ‘Para que se conheça a que ponto tem chegado em Goa a ignorância da língua materna, referimos um facto, há poucos meses acontecido, na Imprensa Nacional da mesma cidade. Um curioso empreendeu publicar um pequeno caderno de Orações na língua de Goa. Suscitou-se na Imprensa questão sobre o preço da composição tipográfica, e exigiam os compositores mais a quarta parte do preço ordinário, alegando que o Regulamento que diz que, quando a obra for em idioma estrangeiro, assim se levará. Facto este que julgamos único no género em toda a historia das línguas antigas e modernas: mas não causará grande estranheza, se soubermos que o próprio editor, indígena, que agora impugnava a exigência da Imprensa, havia em outro tempo, durante as primícias dos seus estudos, chamado sua à língua portuguesa (...)’” (Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 4).

45 “Não há ninguém no mundo culto capaz de esquadrinhar inconvenientes no ensino da língua materna, e os próprios colonialistas, como Jules Harmand por exemplo, são os primeiros a aconselhá-lo. (…) Mesmo em Portugal, há muito que, em teoria, se reconheceram os mesmos princípios. O sr. Ernesto de Vasconcelos, no Congresso Colonial de Lisboa de 1900, e o sr. Santa Rita, no de1924, defenderam a tese pela qual todo o ensino nas colónias se deveria fazer em vernáculo. Esta tese ambas as vezes foi aprovada por unanimidade.” (Pandit Porbu, “A emigração goesa e o ensino do marathy”, in Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 7).

46 Assinado por um Pandit (sábio) Porbu (apelido comum entre os hindus de Goa), pensamos tratar-se dum pseudónimo.

47 Idem, p. 5.

48 Idem, ibidem.

49 “Mons. Excelso de Almeida”, in Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 6.

50 “É que o Estado, sob o ponto de vista da função educativa, há muito que vai falindo, especialmente quando procura adaptar um povo ao génio d’outro cujo standard of life é diferente e por vezes antagónico” (Coelho, Mário, “A criação de um Colégio Universitário em Goa”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 2). Neste artigo, Mário Coelho defendia a criação de um Colégio Universitário em Goa, nitidamente inspirado na experiência de Tagore em Santiniketan, mas com aspirações mais modestas de acordo com as realidades locais. Tal colégio teria, segundo a sua proposta, a vantagem de chamar à terra os intelectuais da diáspora goesa na Índia, na Europa, na América, o que em si constituiria um renovamento do ambiente cultural local.

51 “Um legado histórico precioso, cheio de grandes exemplos e irradiando glória e virtude, é a base mais sólida e duradoura em que se pode assentar uma nacionalidade” (Barreto, Adeodato, “Shivaji”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 3). Recentemente, Vinay Lal expôs a existência de duas visões coevas sobre o papel da história da Índia numa política de resistência ao poder inglês. A dominante teve um dos primeiros representantes em Bankimcandra Chatterji e apostava numa reapropriação “masculinizada” da narrativa histórica que fundamentasse a moderna resistência do povo indiano: “His historical novels [de Bankim] set out to establish that the various invadors of India, far from being allowed to enter and pillage the country without contest, were given battle at every turn. But Indians, when at all they had any knowledge of the past, gained that understanding from the accounts of Europeans, for whom non-resistance and cowardice characterized the response of Indians to alien invasions, indeed to the mere threat of violence”. A outra defendida por Gandhi, praticamente isolado na sua posição, secundarizava a exemplaridade histórica: “Gandhi, on the other hand, displayed a rather more complex and ambivalent attitude to the question of whether violence had constituted a part of the peoples response to oppression and injustice, whether inflicted by invaders or indigenous rulers. (…) In his treatise of 1909, Hind Swaraj (…) When asked by the imaginary reader whether there was ‘any historical evidence as to the success of… soul-force or truth-force’, Gandhi replied that if history meant ‘the doings of kings and emperors’, then ‘no evidence of soul-force or passive resistance was [to be found] in such history’. If history, he added, had the meaning – ‘it so happened’ – given to the word in Gujarati (and other Indian languages), then ‘copious evidence’ could be supplied. (…) Whatever may have been the forms of resistance in the past, Gandhi knew only too well that his attempt to apply non-violence on a mass scale in India’s fight for freedom and thereby induce the social transformation of Indian society was altogether unprecedented. (…) Gandhi rejected the notion, widespread even today, that there are ‘lessons’ to be learned from history. Perhaps the only lesson was that history itself had to be unlearned” (Lal, Vinay, The History of History: Politics and Scholarship in Modern India. Pbk, 2.ª impr., New Delhi, Oxford University Press, 2006, pp. 61-62).

52 “Procuraremos pois investigar e fazer reviver o passado da Índia por todos os meios ao nosso alcance” (“Prosseguindo”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 2).

53 Barreto, Adeodato, “Shivaji”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 3.

54 Este último estereótipo seria tratado por José Teles num artigo em que defendia que o lugar comum era contrariado pelos momentos áureos da história da Índia, gerados no contexto de grandes impérios nos quais o desenvolvimento intelectual tinha emparelhado com o progresso material (Teles, José, “A lenda da barbárie”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 5).

55 Que na época tinha um dos seus teóricos em Vinayak Damodar Savarkar e que os jovens conheciam precisamente através da sua obra Hindu Pad-padashahi dedicada ao império marata.

56 Saksena, Radha Krishna, “Miyan-Tansen”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), pp. 4-5.

57 “Fazendo alusão à liberdade italiana, escrevia a poetisa – diz-se que Mazzini em si não era mais do que um sonhador, que Garibaldi não passava de um soldado, e que cada um deles, separadamente, não teria podido edificar a Itália livre. Na evolução da nossa história nacional os Hindus são Mazzini e os Muçulmanos Garibaldi. Uma união do visionário e do sonhador, do homem de Estado e do Soldado, eis do que nós temos necessidade na nossa grande Índia…” (Mascarenhas, Telo de, “Sarojini Naidu”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 3).

58 “Esta tarefa árdua nos dará margem a que demonstremos como a civilização que teve por berço a Índia (…) ao lado do progresso material que não despreza procura realizar o desenvolvimento incessante do espírito” (“Prosseguindo”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 2).

59 Tomás da Fonseca marcaria a sua colaboração com o jornal contando a lenda dum filósofo hindu que, aquando da entrada de Alexandre na Índia, se teria atirado a uma pira, demonstrando na prática o que teria afirmado ao imperador: a impossibilidade de este cercear a sua liberdade (Fonseca, Tomás da, “Aspectos da mentalidade hindu”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928, p. 5).

60 “E se Mahatma Gandhi, o apóstolo máximo, é a força espiritual e redendora da Índia: Tagore, o Poeta--Santo é a incarnação védica e mística da nossa Raça” (Mascarenhas, Telo de, “Rabindranath Tagore”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 3). Tagore seria uma das três personalidades que mereceram figurar na rubrica “Grandes figuras”, para além dos já citados Shivaji e Sarojini Naidu.

61 A instituição, que tinha alguma inspiração teosófica, era dedicada aos princípios da Educação Progressiva. O pedagogo português Álvaro Viana de Lemos, que participara do Congresso em Locarno, distinguiria as comunicações do pedagogo e cientista Jagadis Chandra Bose, dedicadas ao tema da unidade da vida, e do pedagogo M. B. Thaker, sobre a Liberdade e o domínio de si mesmo, para concluir: “A contribuição indiana ao congresso de Locarno mostra-nos só que a grande e enorme pátria de Tagore e Gandhi não pára na senda do progresso, nem larga das mãos o facho espiritual que sempre tem empunhado através dos séculos. Facho bem luminoso mas que nem todas as nações têm tido olhos para ver nem tão-pouco compreender, aproveitar e seguir” (Lemos, Álvaro Viana de, “O espírito indiano no Congresso de Locarno”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Junho de 1928), p. 7).

62 Os proprietários da região tinham visto as terras confiscadas por rejeitarem um aumento dos impostos e recusavam-se agora a abandoná-las. A luta duraria entre 1925 e 1928, com o recuo final das autoridades inglesas. “[Bardoli] está a escrever uma página brilhante na epopeia de dor e de sacrifício que é a moderna história da Índia. (…) A luta iniciada é ao mesmo tempo uma epopeia e uma lição: epopeia inédita pela resplandecente novidade dos seus processos (…) Lição para os que crêem dogmaticamente que o único meio de defender as reivindicações proletárias é a violência sanguinária erigida em deusa” (Barreto, Adeodato, “A epopeia de Bardoli”, in Índia Nova, n.º 4 (15 de Setembro de 1928), p. 4).

63 “Os apóstolos da independência da Índia são também grandes poetas, porque só os poetas podem acarinhar com maior fervor o belo sonho que é hoje de todos os povos que habitam as plagas do Hindustão oprimido e tiranizado” (Mascarenhas, Telo de, “Sarojini Naidu”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 3).

64 “Em política Rabindranath Tagore é universalista; as nações para ele não contam; só o preocupa o bem--estar da Humanidade – e é este o espírito da velha filosofia hindu. (…) E o seu mot-d’ordre tem sido sempre, em todas as conferências, em todas as mensagens: A Índia livre; mas livre para servir e preencher o papel que lhe cabe na História da Humanidade” (Mascarenhas, Telo de, “Rabindranath Tagore”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 3).

65 “No meio dum bosque verde e umbroso de mangueiras ergue-se o ashram seráfico de Santiniketan, lar das duas culturas – a oriental e a ocidental – onde os estudantes indianos aprendem as ciências e as línguas europeias, e os europeus estudam as línguas, a música e a filosofia, a literatura e a arte indianas, laço espiritual que liga os dois mundos – a Europa e a Ásia – separados pelos preconceitos das raças e até certo ponto pelo despotismo dos povos europeus, para o prosseguimento dum ideal comum, o bem- -estar da Humanidade” (Idem, ibidem).

66 Barreto, Adeodato, “A missão da Ásia”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 2.

67 “Sobre o solo abrasado da Europa a guerra terminara. E os corações europeus, conflagrados pela hecatombe terrível, com as visões vermelhas toldando ainda os olhos e os espíritos, supunham, num desvario louco, que ela terminara para sempre. Um anseio enorme, um anseio ardente pela Paz, por uma paz duradoura e forte, congraçava os povos do mundo” (Barreto, Adeodato, “A Sociedade das Nações e os povos oprimidos”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 7).

68 “Um certo ideal universalista parecia animar a Sociedade nos seus primórdios. O princípio do self-determination dos povos resplandecia dentre os 14 pontos de Wilson, como uma auréola luminosa coroando todo o projecto” (idem, ibidem).

69 “Os Membros da Liga convêm em respeitar e defender contra a agressão externa a integridade territorial e a independência política existente de todos os membros da Liga” (idem, ibidem).

70 “Que são os ‘mandatos’ afinal senão autênticas colónias de ocupação militar, ocultas sob um nome mentiroso graças às exigências hipócritas do ‘progresso internacional’ do século XX? (…) O mandato foi uma invenção genial. A Inglaterra e a França comeram profusamente nesse lauto banquete, e a liberalidade foi tão longe (em certas esferas) que a própria Austrália, um país tutelado, teve também o seu quinhão na longínqua Nova-Guiné!” (Barreto, Adeodato, “Onde a verdadeira paz?”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928, p. 7).

71 Idem, ibidem.

72 “Os historiadores do presente período terão de considerar o despertar da Ásia como o acontecimento mais importante da época que se seguiu à Grande Guerra. Uma a uma, as nações asiáticas libertam-se do jugo da dominação estrangeira e, pelo seu próprio esforço, procuram adaptar-se às condições da civilização moderna” (“Ásia rediviva”, art. transcrito do jornal Pracasha, dirigido por Menezes de Bragança, in India Nova, n.º 4 (5 de Setembro de 1928), p. 7).

73 “E se a última guerra poucos ou quase nenhuns benefícios trouxe para a Europa, a par das assustadoras crises sociais e económicas, trouxe para a Ásia, não obstante o seu enorme sacrifício, vantagens de sumo valor moral, fazendo despertar na sua alma multimilenária a força construtiva, o sentimento da sua dignidade aviltada, a consciência nacional – o sentimento nacionalista” (Mascarenhas, Telo de, “A Liga Pan- -Asiática e a Sociedade das Nações”, in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928, p. 7).

74 “Os mais completos inquéritos ingleses sobre a crueldade dos industriais nos inícios da grande indústria são pálidas constatações ao lado do quadro aterrorizador dos processos do capitalismo europeu na China” (Nitti Francesco, “O Capitalismo europeu”, extracto de “Bolchevismo, Fascismo e Democracia”, in Índia Nova, n.º 4 (5 de Setembro de 1928), p. 7).

75 “Os recentes tratados assinados pelo rei Amamullah com a Turquia, a Pérsia e o Egipto indicam que estes estados sentem a necessidade duma Federação Islâmica para se protegerem contra os desígnios do Imperialismo Ocidental” (“Ásia rediviva”, in India Nova, n.º 4 (5 de Setembro de 1928), p. 7).

76 “O primeiro passo para o entendimento mútuo inter-populos orientais foi a fundação da Liga Pan-Asiática, cuja primeira conferência teve lugar em Nagasaki, em Agosto de 1926: e como o jornal The Japan Adviser fez salientar – O sentimento anti-ocidental foi o único elo que uniu os membros da conferência – O Japão, a China, a Índia, a Pérsia, as Filipinas, o Afeganistão, etc., – e na sua opinião essa Liga foi criada para se opor à Sociedade das Nações que os povos asiáticos consideram não só como um organismo puramente europeu, mas ainda como um instrumento de dominação europeia” (Mascarenhas, Telo de, “A Liga Pan-Asiática e a Sociedade das Nações” in Índia Nova, n.º 5 (31 de Outubro de 1928), p. 7).

77 “Ouve-se já distintamente falar duma Liga das Nações Asiáticas, a qual, incluindo a Rússia, a metade odiada e temida da velha Europa, viria abrir uma cisão irremediável no Velho Continente. Essa Liga não é ainda uma realidade. Mas o falar-se dela, com a insistência com que se fala, já é um indício alarmante dum estado muito sintomático de espíritos. E os orientais pensando desta maneira não deixam de ter razão…” (Barreto, Adeodato, “A Sociedade das Nações e os povos oprimidos”, in Índia Nova, n.º 2 (12 de Junho de 1928), p. 7).

78 “De Marrocos à China, e logo desde o início da decantada pax europeia (…) rios de sangue humano sacrificado à liberdade ante as balas francesas e inglesas têm corrido incessantemente, sem que a Sociedade das Nações (…) contraísse um só músculo da sua grande face internacional! Será que a paz europeia seja a única verdadeira paz?” (Barreto, Adeodato, “Onde a verdadeira paz?”, in Índia Nova, n.º 3 (3 de Julho de 1928), p. 7).

79 Romain Rolland cit. por Barreto, Adeodato, “A missão da Ásia”, in Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 2.

80 Barreto, Adeodato, idem, ibidem.

81 “Gandhi e Vivekananda serão o Pedro e Paulo da civilização futura” (idem, ibidem). Swami Vivekananda foi o primeiro líder espiritual hindu a divulgar, em finais do século XIX, o Yoga e a filosofia vedanta no Ocidente, tendo inspirado largamente o pensamento dos intelectuais e líderes políticos indianos do princípio do século XX.

82 Pioneiro, no início do século XIX, do Renascimento Hindu.

83 “Um produz a razão, a ciência, a consciência; o outro segrega a intuição, a religião, o subconsciente” (Barreto, Adeodato, idem, ibidem). Mais tarde, Adeodato Barreto, numa série de artigos publicados na Seara Nova e posteriormente reunidos em volume, corrigiria esta visão estereotipada atribuindo-a ao discurso dos orientalistas ao serviço do poder britânico (Barreto, Adeodato, Civilização Hindu seguido de o Livro da Vida…, Lisboa, Hugin, 2000, p. 107).

84 “É que essas duas culturas são como dois ‘lóbulos do cérebro humano’” (idem, ibidem).

85 Referimo-nos não só à doação de bibliografia, mas ao próprio acesso a personalidades de renome internacional. O caso de Rabindranath Tagore pode ser apresentado como exemplo. Mariano Saldanha (Ucassaim, 1878-1975), recentemente nomeado professor de Sânscrito na Faculdade de Letras, transportaria na sua viagem de Goa para a Metrópole uma mensagem do poeta à intelectualidade portuguesa (cf. Índia Nova, n.º 1 (7 de Maio de 1928), p. 1). É plausível que esta mensagem surgisse na sequência dos esforços dos jovens estudantes para darem a conhecer o seu trabalho a Tagore e que o canal tenha sido aberto por Francisco Bragança Cunha (Cuelim, 1887-Paris, 1954), professor na Sorbonne, que acompanhara Tagore como seu tradutor num périplo europeu em 1923, e que o elo de ligação fosse o seu irmão Tristão Bragança Cunha (1891-1958), que recentemente regressara da Europa para iniciar um Comité do Congresso Indiano em Goa (cf. Costa, Aleixo Manuel da, op. cit., v. 1, pp. 123-124; Cunha, T.B., Goa’s Freedom Struggle: Selected Writings. Bombay: T. B. Cunha Memorial Committee, 1961). O mesmo Francisco Bragança Cunha era amigo de Sylvain Lévi, na altura a dirigir a Maison Franco-Japonaise em Tóquio e empenhado num projecto com o académico Junjirõ Takakusu de criação dum dicionário sobre o budismo – o qual, como já referimos, escreveria palavras de incentivo aos jovens estudantes.

86 Cf. Boehmer, Elleke, op. cit., em particular pp. 22-23, 169-214; Said, Edward, op. cit., p. 292 e ss.; Qian, Zhaoming, Orientalism and Modernism: The Legacy of China in Pound and Williams, Durham, Duke University Press, 1995.

87 Um exemplo do esforço de reflexão motivado por estas aporias encontra-se na criação por Romain Rolland, em 1923, da revista Europe. Seria aí que Rolland publicaria, primeiro, o seu ensaio sobre Gandhi.

88 Cf. supra, nota 24. A conferência, proferida em Agosto de 1941 pelo antigo director do Índia Nova, devia-se à iniciativa dum grupo de jovens, do qual o meu pai, Jorge Ataíde Lobo, fazia parte, que tinha criado um curso liceal alternativo ao ensino oficial, precisamente dedicado a Adeodato Barreto.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Sandra Ataíde Lobo, «Índia Nova», Cultura, Vol. 26 | 2009, 231-258.

Referência eletrónica

Sandra Ataíde Lobo, «Índia Nova», Cultura [Online], Vol. 26 | 2009, posto online no dia 17 setembro 2013, consultado o 01 dezembro 2022. URL: http://journals.openedition.org/cultura/510; DOI: https://doi.org/10.4000/cultura.510

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Quais os rios que foram importantes no desenvolvimento da civilização indiana?

Resposta verificada por especialistas. Os rios importantes para o desenvolvimento da sociedade egípcia, mesopotâmica, chinesa e indiana, respectivamente, foram o rio Nilo, rios Tigre e Eufrates, rios Amarelo e Zul, além do rio Ganges.

Qual é o nome do rio sagrado da Índia?

O Ganges, por vezes chamado de Benares, é o principal rio da bacia de mesmo nome, cuja área de mais de um milhão de quilômetros quadrados abrange: Índia, Bangladesh, Nepal e.

Quais as principais característica da civilização indiana?

A civilização indiana conta com mais de 5.000 anos e é a maior democracia do mundo. É o segundo país mais populoso, com 1 bilhão e 200 milhões de habitantes num território equivalente a 1/3 do território brasileiro. Na Índia são falados mais de 1.600 idiomas ou dialetos, divididos em 14 grupos.

Qual é a importância do rio Ganges para os indianos?

O Ganges é o rio mais sagrado para os praticantes do hinduísmo que desde sempre veneravam a deusa Shiva e Ganga, as quais estão associadas. Por esse motivo, o rio é considerado uma divindade. A cidade de Varanasi, a mais sagrada da religião hindu, é conhecida como cidade da luz e da morte.