Quais são as transformações que ocorreram na fé cristã a partir da reforma religiosa?

Dr. Edilson Soares de Souza

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RESUMO

A  Reforma  do  século  XVI,  conhecida  como  Reforma Protestante,  produziu  resultados  significativos  e duradouros no cristianismo do Ocidente. Dentre os resultados observados, estão    as    várias    denominações    chamadas    Protestantes,    elaborando e conservando uma Teologia diferente da praticada

pelo    Catolicismo    Romano.    Entre    as    denominações    do protestantismo, em todo o mundo, estão os Batistas. O presente texto  procura  responder  a  seguinte  problemática:  é  possível  perceber a influência do pensamento da Reforma empreendia pelo   cristianismo   no   século   XVI   na   posição   teológica   e   doutrinária  dos  Batistas  brasileiros?  Após  empreender  uma  breve  análise  da  origem  e  do  desenvolvimento  protestante,  o  texto  aponta  para  os  principais  aspectos  teológicos  das  igrejas  que  se  originaram  após  a  Reforma,  destacando  dois documentos  elaborados  pelos  Batistas  no  Brasil:  a  Declaração Doutrinária  da  Convenção  Batista  Brasileira  (CBB)  e  os Princípios Batistas. O objetivo principal da presente análise é compreender a influência   do   pensamento   protestante   na   produção   da   Teologia dos Batistas que atuam em solo brasileiro.

INTRODUÇÃO

A Reforma eclesiástica, teológica e doutrinária, empreendida no  contexto  do  cristianismo  do  século  XVI,  produziu  resultados  que  impactaram  as  sociedades  da  Europa,  marcando  –  ao  lado  de  outros  acontecimentos  –  o final  do  medievo  e  o  início  da  chamada  Era Moderna. Sincronicamente a outros eventos, como a mudança na percepção  da  construção  da  subjetividade,  reforçando  a  valorização  e  a  luta  pela  liberdade,  a  Reforma  no  cristianismo  daquele  período  deixou   marcas   profundas.   Num   primeiro   momento,   tais   marcas   foram percebidas no interior da própria Igreja Cristã Oficial,  também  conhecida  como  Igreja  Católica  Apostólica  Romana,  detentora  de  significativo poder religioso e moral, numa Europa em transformação. Num  segundo  momento,  a  Reforma  no  cristianismo  avançou  além  dos  limites  geográfi cos  da  Europa,  chegando  também  às  colônias americanas  do  norte  do  continente,  ajudando  a  formar  o  que  se conhece atualmente como os Estados Unidos da América.

Posteriormente,   o   pensamento   e   as   práticas   da   Reforma   chamada   Protestante   chegaram   à   América   Latina   e   ao   Brasil,   contribuindo  com  as  mudanças  que  o  cristianismo  experimentou  também  no  Centro  e  no  Sul  do  continente  americano.  No  caso  do  Brasil,  a  história  registra  que  nas  primeiras  décadas  do  século  XIX,  beneficiados  pela  abertura  dos  portos  brasileiros  aos  imigrantes,  desembarcaram  os  primeiros  imigrantes  protestantes  vindos  dos  Estados Unidos, após o término da Guerra de Secessão. Os pioneiros protestantes  aportaram  nos  países  da  América  do  Sul,  formando  as  primeiras   colônias   com   características   confessionais   acatólicas,   conservando   práticas   agrícolas   que   foram   fundamentais   para   o   estabelecimento   daqueles   que   aqui   buscaram   reconstruir   suas trajetórias de vida. Instalados nesta parte da América, eles cultivaram hábitos religiosos que se diferenciavam dos praticados pelos católicos romanos,  já  presentes  no  continente  antes  de  eclodir  a  Reforma  Protestante na Europa.

Os    Batistas,    além    de    Luteranos,    Congregacionais    e    Presbiterianos,  também  fazem  parte  desta  trajetória  histórica  do  cristianismo  no  Brasil,  pois  a  chegada  dos  pioneiros  batistas  pode  ser  datada  de  meados  do  século  XIX,  quando  a  Junta  de  Missões  da  Convenção do Sul enviou a primeira família de missionários batistas para   trabalhar   na   evangelização   do   povo   brasileiro.   Trata-se   do   missionário  estadunidense  Thomas  Jefferson  Bowen,  nomeado  em  1859.  Ele  chegou  ao  Brasil  acompanhado  de  sua  família  e  focou  os  seus  esforços  evangelísticos  no  trabalho  conversionista  dos  escravos  africanos, vítimas do tráfico humano. A história de Thomas Jefferson Bowen  e  o  seu  interesse  missionário  pelas  pessoas  escravizadas  em  solo  brasileiro  ainda  precisa  de  outras  análises.  A  historiografia dos  Batistas  pode  apresentar  interpretações  significativas  sobre  as motivações de determinados projetos missionários, inclusive, aqueles que visaram alcançar e atender pessoas em meio ao sofrimento, fruto de  um  processo  de  escravidão  que  durou  séculos  no  Brasil.  Cabe  lembrar  a  afirmação  de  Betty  Antunes  de  Oliveira,  autora  do  livro  Centelha em restolho seco quando disse: “é incorreta a informação de que Bowen ficou 2 (dois) anos no Brasil”, pois a sua permanência, com a família, deu-se entre maio de 1860 e fevereiro de 1861.

Apoiados  pelos  Batistas  da  colônia  de  Santa  Bárbara  do  Oeste,  as  igrejas  Batistas  dos  Estados  Unidos  enviaram  os  primeiros  missionários  com  o  objetivo  de  evangelizar  os  brasileiros,  tendo  nos  católicos romanos o seu principal alvo conversionista. Fato importante é que na década de 1960 os Batistas brasileiros, reunidos em Assembleia da  Convenção  Batista  Brasileira,  decidiram  que  o  marco  inicial  das  atividades  da  denominação  fosse  fixado em  15  de  outubro  de  1882,  quando  se  organizou  a  Primeira  Igreja  Batista  na  Bahia.  No  entanto,  relatos históricos da trajetória dos Batistas no Brasil evidenciam que já  existiam  duas  igrejas  organizadas  e  atuantes  em  solo  brasileiro,  formadas pelos colonos em Santa Bárbara do Oeste.

Uma  problemática  pode  ser  colocada  quando  se  considera  a  relação  entre  a  Reforma  do  século  XVI  e  a  Teologia  proposta  pelos  Batistas no Brasil: é possível perceber a influência do pensamento da Reforma  empreendida  pelo  cristianismo  no  século  XVI  na  posição  teológica e doutrinária dos Batistas brasileiro? Objetivando responder parcial   e   brevemente   a   questão   colocada,   a   presente   reflexão propõe  a  seguinte  análise:  a)  uma  rápida  compreensão  da  Reforma  no  Cristianismo  europeu  do  século  XVI,  dando  origem  ao  que  se  denominou, historicamente, Protestantismo e as suas denominações; b) os principais elementos constitutivos do pensamento protestante, colocando-se em oposição ao catolicismo romano; e c) a apropriação dos elementos da Reforma na elaboração do pensamento doutrinário e  teológico  dos  Batistas,  tomando  como  referência  dois  documentos  da denominação: a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB) e os Princípios Batistas.

  1. A COMPREENSÃO   DA   REFORMA   NO   CRISTIANISMO EUROPEU DO SÉCULO XVI  E  A  SUA  RELAÇÃO  COM  AS  DENOMINAÇÕES PROTESTANTES

A Reforma teológica, doutrinária e eclesiástica experimentada pelo  cristianismo no  século  XVI,  precisa  ser  compreendida  à  luz  de  outros acontecimentos, além do efervescente movimento religioso no interior  da  Igreja  Católica Apostólica  Romana.  É  neste  contexto  de  ebulição sócio-política que a lembrança da contribuição de Tomás de Kempis pode ser destacada. Sobre ele, escreveu Matos: “a insegurança e a morte eram uma realidade sempre presente. Diante dessa situação, em  que  os  próprios  fundamentos  da  igreja  e  da  sociedade  pareciam  estar  ruindo,  Tómas  de  Kempis  propôs  uma  resposta: a  busca  da  interioridade  e  o  refúgio  da  alma  em  Deus”. Se  o  papa  Gregório  (540-604),  tido  como  “Magno”,  pode  indicar  uma  intenção  pastoral, marcando o início do medievo (ex.: o Livro do Cuidado Pastoral), o místico Tómas  de  Kempis  (1380-1471)  reforça  a  ideia  de  que  muitos  cristãos ocuparam-se também da vida espiritual – além da vida religiosa – ao longo  de  aproximadamente  mil  anos,  no  que  se  chama  Idade  Média.  Se,  por  um  lado,  a  Inquisição  foi  capaz  de  desenvolver  sentimentos  como o medo e a insegurança, diante da intimidação da Igreja Oficial, cristãos  como  Tómas  de  Kempis  consideraram  a  importância  de  um  olhar  para  o  interior  do  ser  humano,  refletindo  sobre  aspectos psicológicos,  voltados  para  os  sentimentos,  para  as  emoções,  para  a vida religiosa, mas, sobretudo, refletindo sobre um esforço de piedade espiritual na prática cristã.

Martin Dreher ajuda a entender o quadro sócio-histórico que fornece  o  pano  de  fundo  da  Reforma  no  cristianismo  do  século  XVI.  Dreher, no livro História do povo de Jesus , trata objetivamente de alguns “antecedentes da reforma religiosa no século XVI”, afirmando que “a Reforma não pode se explicada a partir de um único acontecimento ou a partir da ação de uma única pessoa”. Para o historiador do cristianismo, alguns  antecedentes  da  Reforma  Protestante  podem  ser  apontados:  a)  as  inquietações  humanas  (ou  existenciais),  inclusive  religiosas,  que marcaram o final da Idade Média (ex.: o ser humano estava mais impaciente e mais crítico); b) o distanciamento do cristianismo oficial (Igreja  Institucional)  das  necessidades  e  aspirações  do  povo  e  a  sua relação com o poder temporal (ex.: um vínculo de poder político muito próximo entre o clero e os Impérios); c) o desejo por “liberdade”, que não  era  apenas  religiosa,  mas  que  se  revelou  no  ambiente  religioso  daquele  período  (ex.:  liberdade  para  pensar;  liberdade  para  decidir;  liberdade religiosa; e liberdade espiritual ou na relação do ser humano com  Deus);  d)  durante  séculos  o  cristianismo  controlou  a  forma  de  pensar  e  de  se  comportar,  controlando  o  acesso  a  um  conjunto  de  literatura,  permitida  ou  proibida,  inclusive  a  Bíblia  (ex.:  as  pessoas  não  desejavam  mais  tal  controle  eclesiástico  para  as  suas  vidas);  e)  um  clero  católico  romano  sem  preparo  teológico  adequado  e  sem  motivação  vocacional  para  responder  aos  clamores  dos  adeptos  e  de  toda  a  coletividade,  falhando  no  exercício  de  uma  liderança  cristã  para  aquele  período;  e  f)  uma  teologia  cristã  “tradicional”  que  não respondeu às angústias e necessidades das pessoas da época.

Outro  historiador  do  cristianismo  que  ajuda  a  compreender  os   acontecimentos   que   envolvem   a   Reforma   do   século   XVI   é   Williston   Walker.   Para   Walker,   “Martinho   Lutero,   autor   do   protesto,  é  um  dos  poucos  homens  de  quem  se  pode  dizer  que  sua  obra alterou profundamente a história do mundo”. Walker, de forma semelhante  a  Dreher,  apontou  também  para  alguns  antecedentes  ao  movimento da Reforma no cristianismo, entre a Idade Média e a Era Moderna:  a)  os  impostos  e  a  interferência  do  clero,  percebidas  por  líderes  cristãos  como  Lutero,  indicando  a  insatisfação  do  povo;  b)  o  cristianismo  oficial,  além  da  Itália,  representava  uma  administração  “onerosa  e  corrupta”,  gerando  outras  insatisfações  e  inquietações  na  alma  do  povo  daquele  período;  c)  os  mosteiros,  anteriormente  vistos  como  lugares  de  recolhimento  religioso  e  espiritual,  estavam  “desvirtuados”,  necessitando  de  reformas  morais  e  cristãs;  d)  como o  clero  detinha  a  posse  de  terras  e  propriedades,  os  camponeses  queixavam-se dos “dízimos e aluguéis cobrados pelo alto clero local”; e)   reflexões filosóficas   como   o   humanismo   europeu   também   se manifestaram  próximas  daqueles  que  viveram  naquele  período;  e  f)  questões  psicológicas,  como  o  medo  e  a  culpa  pelo  pecado,  além  do  “perdão  mercantilizado”  pelas  indulgências,  favoreceram  a  Reforma  no  cristianismo  no  século  XVI. Desta  forma,  pode-se  dizer  que  a Reforma cristã, ocorrida a partir do século XVI, revela-se complexa e significativamente  ampla.

  1. OS PRINCIPAIS ELEMENTOS    CONSTITUTIVOS    DO PENSAMENTO   PROTESTANTE   E   A   SUA   OPOSIÇÃO   AO CATOLICISMO ROMANO

Pode-se afirmar que fé em Cristo Jesus foi um dos pilares da Teologia  Cristã, desde  a  sua  origem  na  Antiguidade,  avançando  por  todo o medievo e chegando aos dias de hoje. Assim, a ideia e o conceito de  fé,  além  de  sua  vivência  pelo  adepto  do  cristianismo,  revelam-se  fundamentais  na  constituição  teológica  das  igrejas  cristãs  em  todo  o  mundo.  Neste  sentido,  a  Reforma  do  século  XVI  não  apontou  para  algo  novo,  mas  para  outro  sentido  com  relação  à  fé  cristã.  Se  a  fé  cristã  estava  intimamente  relacionada  ao  poder  institucional  da  Igreja  Oficial no  Ocidente,  a  Reforma  questionou  tal  postura  da Igreja Católica Apostólica Romana. A fé, a partir do sentido teológico  dado  pelos  reformadores,  não  podia  ser  apropriada  exclusivamente  pelo  poder  da  chamada  Santa  Sé.  A  fé  experimentada  pelo  cristão  em  sua  peregrinação  pelo  mundo  apresenta-se  como  uma  virtude, mas também se mostra como um dom divino. A fé é uma experiência humana,  mas  a  sua  origem  está  na  eternidade  divina.  A  Reforma  do  século  XVI  apontou  para  a  fé,  não  como  novidade  teológica,  mas  como  elemento  de  renovação  da  esperança  humana  no  perdão  de  Deus.  Daí  a  importância  da  Sola  Fide, defendendo  a  aproximação entre  um  ser  humano  pecador  e  um  Deus  amoroso  e  misericordioso,  capaz de revelar a sua graça e direcioná-la em favor da humanidade. A interpretação teológica defendida pela Reforma foi: somente pela fé a pessoa pode ser justificada diante de Deus. Alderi de Matos resumiu parte do pensamento dos reformadores do século XVI e daqueles que abraçaram o espírito da Reforma nos séculos seguintes.

Para Matos, o  questionamento  protestante  do  catolicismo medieval    pode    ser    sintetizado    em    alguns    princípios  básicos  que  todos  os  reformadores  tinham em comum: as Escrituras como suprema autoridade   e   norma   de   fé   (sola   Scriptura), a   salvação pela graça mediante a fé somente ( sola gratia e sola fides) e  a igualdade  espiritual  de todos  os  cristãos,  com  a  negação  da  distinção  entre  clero  e  leigos  (o  sacerdócio  de  todos  os  crentes).

É   nesta   linha   de   raciocínio   que   a   Reforma   ocorrida   no  cristianismo  do  século  XVI  pode  ser  entendida,  como  também  as  rupturas  observadas  após  os  embates  entre  os  pensadores  da  Igreja  Romana  e  os  que  se  colocaram  como  reformadores  do  pensamento  cristão naquele período. Desta forma, alguns pontos que motivaram a discussão teológica e as disputas discursivas favoreceram a valorização e o retorno às Escrituras, deixando em segundo plano o magistério da Igreja Católica. Defendeu-se a liberdade de leitura e análise do texto sagrado, como se defendeu também a liberdade de consciência diante da compreensão da revelação divina.

Quando  se  pensa  na  Reforma  religiosa  promovida  por  parte  do cristianismo no século XVI, pensa-se também nas teses anunciadas e  defendidas  por  Martinho  Lutero.  No  entanto,  as  noventa  e  cinco  teses de Lutero podem ser associadas a outras produções e discussões teológicas no contexto cristão. Um documento que pode ser colocado ao lado do discurso tornado público de Lutero é a Bula Unigenitus , que data de 1343, tendo a sua autoria atribuída a Clemente VI.

De  acordo  com  Henry  Bettenson,  “a  teoria  sôbre  a  qual  se  baseavam   as   indulgências   está   definida   nesta   bula   que   aprovou autoritativamente  as  doutrinas  que  tinham  sido  desenvolvidas  pelos  escolásticos”. O  documento  cristão  do  século  XIV  afirma  sobre  a pessoa de Jesus Cristo: “o unigênito Filho de Deus se dignou descer do seio do Pai para o ventre de sua mãe, na qual e da qual, por sua união inefável, uniu a substância de nossa natureza mortal à sua divindade numa unidade de pessoa, unindo o que era permanente com o que era transitório, assumindo-o afim de poder resgatar o homem decaído e realizar por êle a satisfação ao Deus Pai”.

É  possível  considerar  que  foram  criados  mecanismos  para associar o pensamento da bula Unigenitus ao processo de arrecadação de recursos financeiros para a construção a Basílica de São Pedro. Neste sentido, quatro graças foram indicadas e oferecidas aos contribuintes das indulgências que participavam com os seus recursos financeiros, objetivando os  projetos  apontados  pela  Igreja  Oficial,  sobretudo,  na Idade Média.

Segundo Bettenson, referenciando o documento já citado, as seguintes ideias e posturas teológicas podem ser observadas no texto cristão:

…  A  primeira  graça  é  a  completa  remissão  de  todos os pecados; nada maior do que isto se pode conceber, já que os homens pecadores privados da   graça   de   Deus   obtêm   remissão   completa   por  esses  meios  e  de  novo  gozam  da  graça  de  Deus.   (…)   A   segunda   graça   principal   é   um   ‘confessional’  [carta  confessional]  contendo  os  maiores,  mais  importantes  e  até  hoje  inauditos  privilégios.  (…)  A  terceira  graça  importante  é  a  participação  em  todos  os  benefícios  da  Igreja  Universal.  (…)  Os  pregadores  e  os  confessores  devem  insistir  com  grande  perseverança  nessas  vantagens e persuadir os fiéis a não negligenciar em  adquirir  êsses  benefícios  juntamente  com  sua   carta   confessional.   (…)   A   quarta   graça   importante  é  em  favor  das  almas  que  estão  no  purgatório  e  é  a  remissão  completa  de  todos  os pecados, remissão que o papa consegue por sua intercessão para o bem dessas almas da seguinte maneira: a mesma contribuição que se faria por si  mesmo  estando  vivo  deve  ser  depositada  na  caixa.

Algo   interessante   no   documento   cristão   do   século   XIV, como citado, foi a orientação sobre o tipo de sentimento ou intenção daquele  que  participava  das  indulgências,  visando  obter  os  favores  divinos.  Orientou-se:  “não  é  necessário  que  as  pessoas  que  colocam  suas  contribuições  na  caixa  em  favor  dos  mortos  estejam  contritas  em  seus  corações  ou  se  tenham  confessado,  visto  que  essa  graça  baseia-se unicamente no estado de graça em que os falecidos estavam ao  morrer  e  na  contrição  dos  vivos,  como  é  evidente  do  texto  da  bula”. Outro  privilégio  dado  ao  contribuinte  era  o  de  escolher  um  determinado  “confessor  conveniente,  mesmo  um  regular  das  ordens  mendicantes…”. Observa-se, então, como a elaboração ou a percepção teológica pode estar suscetível aos eventos de determinado momento da história humana, como também da trajetória cristã.

Tomando  como  referência  a  Bula  Unigenitus, além  de  outros acontecimentos  no  final  do  medievo,  pode-se  entender  a  relevância  das  noventa  e  cinco  teses  tornadas  públicas  por  Martinho  Lutero.  Nota-se ainda que os acontecimentos que servem de objeto da história precisam  ser  entendidos  a partir  da  compreensão  de  outros  eventos.  Percebe-se  também  que  os  acontecimentos  são  fundamentais  para  o  entendimento  da  história;  mas  cabe  compreender  os  sentidos  e  os  significados atribuídos a tais fatos ou eventos. Desta forma, a Reforma do  século  XVI  marcou  um  período  de  transição  entre  duas  épocas  a  trajetória  humana,  como  também  da  histórica  do  cristianismo:  a  passagem da Idade Média para a Era Moderna.

Assim,  com  a  Reforma  no  cristianismo  daquele  período  e  seus  desdobramentos,  duas  áreas  sofreram  influência:  a)  parte  do  pensamento cristão mudou com a Reforma religiosa empreendida por alguns líderes, entre eles, Lutero; e b) parte das práticas cristãs também mudou com a Reforma do século XVI, estabelecendo com maior nitidez uma fronteira entre o pensamento e as práticas do catolicismo romano e do protestantismo. Dito isto, pode-se ainda afirmar que a reflexão  e produção da teologia cristã experimentaram significativa mudança a partir do século XVI, como se destacou com relação ao sentido dado à graça divina, oferecida ao ser humano. Se, antes da Reforma, a dádiva da graça podia ser medida quantitativamente, tendo como referência o  valor  da  contribuição  dos  fiéis,  após  o  movimento  liderado  por  Martinho  Lutero  o  sentido  da  dádiva  da  graça  divina  passou  a  ter  um  caráter  qualitativo,  colocando  em  suspensão  os  méritos  dos  contribuintes, já que a graça é uma atribuição divina em favor do ser humano.  A  Reforma  do  século  XVI  lembrou que  o  importante  não  é  a  quantidade  de  recursos  humanos  e  materiais  ofertados,  mas  o  que  está no íntimo de cada pessoa quando participa com os seus talentos pessoais e recursos financeiros.

Uma   influência   que   veio   da   Reforma   foi   a   mudança   no pensamento teológico cristão, reafirmando a dádiva da graça de Deus pela fé em Cristo, o que pode ser observado e analisado nas diversas Confissões  de  Fé  ou  Declarações  Doutrinárias  que  foram  instituídas  após  o  século  XVI.  Outra  mudança  significativa  promovida  pela  Reforma  daquele  período  foi  o  resgate  da  pessoa  humana  e  de  sua  dignidade,  valorizando  a  liberdade  individual,  inclusive  com  relação  à interpretação das Escrituras. A Reforma do século XVI lembrou que todos os seres humanos estão na mesma condição diante de Deus: são amados por Ele, mas carentes de sua graça misericordiosa.

De    acordo    com    Martin    Dreher,    discorrendo    sobre    as    noventa  e  cinco  teses  de  Lutero,  pode-se  ler:  ele  “enviou  aos  bispos  aos  quais  devia  obediência  –  Jerônimo  Schultz,  de  Brandenburgo,  e  Alberto,  de  Magdeburgo/Mogúncia  –  95  teses  a  respeito  do  valor  das  indulgências.  Não  há  provas  concretas  de  que  as  tenha  afixado   na  porta  da  igreja  do  castelo  de  Wittenberg,  como  anualmente  lembra  o  mundo  protestante”. Diante  desta  colocação  de  Dreher,  nota-se  a importância  dos  estudos  sobre  a  Reforma  Protestante,  objetivando  esclarecer pontos ou aspectos ainda não analisados pela historiografia  cristã, favorecendo outros olhares e provocando questões pertinentes, resultando em contribuições significativas para a História e também para a Teologia.

Matos,  em  outra  reflexão  sobre  o  catolicismo  romano  e  o  protestantismo, entendeu que “o principal ponto de divergência entre os dois grupos ocorreu na área da soteriologia, ou seja, o entendimento da   salvação,   do   relacionamento   correto   entre   os   seres   humanos   e  Deus”. Do  que  foi  analisado  sobre  os  eventos  que  marcaram  a  trajetória  do  cristianismo,  três  aspectos  podem  ser  destacados:  a)  o  cristianismo  não  perdeu  de  vista  a  necessidade  da  salvação  do  ser  humano,  mas  no  medievo  a  salvação  da  alma  ficou  sob  “a  guarda”  da  Igreja  Oficial;  b)  a  Reforma  do  século  XVI  procurou  “devolver”  a  Deus (por mais paradoxal que possa parecer!) o direito e o poder de salvar o ser humano arrependido, lembrando que a dádiva da graça é concedida pela bondade divina e não por méritos humanos; e c) o risco que se correu na esfera do cristianismo, tanto no medievo quanto na Era Moderna, atribuindo a uma instituição religiosa, mesmo que fosse a Igreja Oficial, poderes que não lhe foram conferidos por Deus.

Nesta   linha   de   raciocínio,   a   colocação   contundente   que   se  segue pode  favorecer  uma  franca  reflexão:  “num  certo  sentido,  a  Reforma fracassou”. Tal afirmação precisa ser entendida e analisada a partir de determinados aspectos, entre eles o seguinte: “a igreja romana não  se  deixou  reformar  nos  moldes  protestantes,  mas  por  um  lado  reagiu vigorosamente contra o novo movimento”. Outro desafio  que se originou com a Reforma Protestante foi a dificuldade das diversas denominações  acatólicas  com  relação  à  liberdade,  tanto  na  leitura  e  interpretação do texto bíblico quanto na aplicação dos ensinamentos e  de  sua  práxis  não  romanista.  Se  no  medievo  o  catolicismo  romano  ditou  parte  do  comportamento  social  na  Europa,  com  a  Reforma  do  século XVI as denominações protestantes foram chamadas a discutir uma  ética  cristã  pautada  em  outra  teologia,  valorizando  a  liberdade  humana e a sua subjetividade.

A percepção de Kenneth Scott Latourette confirma a vocação cristã de viés protestante, que tentou (como ainda tenta!) influenciar os povos, não somente numa Europa que testemunhou o início da Era Moderna,  mas  também  as  diversas  denominações  que  se  inseriram  gradativamente  entre  as  sociedades  da  América  Latina.  Segundo  o  historiador  do  cristianismo:  “de  diversos  modos,  a  era  protestante  não  estava  nos  séculos  16  e  17,  mas  nos  séculos  19  e  20.  Na  metade  do século 20 o protestantismo ainda se expandia, dando surgimento a  novos  movimentos,  e  encontrando  caminhos  de  atrair  cristãos  em  meio às barreiras eclesiásticas”.  É por este viés que o presente texto considera  a  influência  do  pensamento  protestante  na  Teologia  dos  Batistas, como proposto no título do artigo.

Numa  de  suas  teses,  Martinho  Lutero  foi  assertivo,  tanto  como teólogo quanto como cristão, quando afirmou: “comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se concede tempo igual, ou mais longo, às indulgências do que à palavra de Deus”. Cabe lembrar que, quando Lutero apresentou as suas teses, ele ainda estava inserido no catolicismo romano, indicando a sua discordância teológica  e  a  sua  disposição  para  o  diálogo  com  outros  teólogos  do  cristianismo. Por outro lado, a assertividade de Lutero indicou a sua disposição  em  dar  ênfase  ao  texto  sagrado,  questionando  o  lugar  que o mesmo e a sua exposição ocupavam nas celebrações religiosas. O  pensamento  teológico  protestante  centralizou-se  na  pessoa  de  Jesus  Cristo;  apontou  para  a  graça  de  Deus  e  valorizou  as  Sagradas  Escrituras, que deveriam estar nas mãos do povo.

Desta   forma,   é   possível   observar   os   seguintes   aspectos   resultantes   da   influência   da   Reforma   Protestante:   a)   a   teologia   experimentou   significativa   produção,   sobretudo   em   função   das   mudanças  no  cristianismo  e  em  sua  forma  de  pensar  a  revelação  de  Deus; b) a teologia serviu de orientação para o cristianismo, refletindo sobre  a  vida  eclesiástica  e  sobre  o  comportamento  dos  cristãos  num  período  de  mudanças  sociais,  tanto  na  Europa  quanto  em  outras  partes  do  mundo;  e  c)  a  Reforma  Protestante  despertou  a  reflexão sobre  determinados  temas  que  abarcam  a  ética  cristã,  procurando  responder   às   inquietações   humanas,   caracterizadas   pelas   crises   institucionais,  pelos  conflitos  relacionais,  pelas  injustiças  sociais  e  pelo sofrimento físico e psíquico.

Ao  tratar  do  Aconselhamento  Pastoral ,  Christoph  Schneider-Harpprecht fornece um significativo exemplo de como a Reforma do século XVI influenciou a Teologia, inclusive a Teologia Prática. Com o subtítulo A poimênica na Reforma, o autor afirmou que “o movimento da  Reforma  se  constituiu  a  partir  do  protesto  de  Lutero  contra  o  abuso  desse  tipo  de  aconselhamento  pastoral”. O  “abuso”  indicado por  Schneider-Harpprecht  parece  estar  relacionado  à forma  como  o  catolicismo  lidou  com  o  pecado  do  ser  humano  ao  longo  de  séculos,  garantindo o perdão para tais pecados a partir das obras meritórias de cada  sujeito  que  se  arrependia,  ou  que  manifestava  arrependimento.  Assim,  os  donativos  e  os  discursos  de  arrependimento  diante  do  confessor  eram  expressões  de  uma  piedade  controlada  pela  Igreja  Ofi cial.  A  Reforma,  então,  lembrou  que  a  graça  seria  suficiente  para  operar   o   perdão   do   pecador   arrependido,   dispensando   as   obras   meritórias, e por consequência as indulgências.

O   pensamento   de   Lutero   e   a   Reforma   no   cristianismo avançaram  para  além  da  Alemanha  do  século  XVI,  produzindo  uma  teologia que procurou refletir mais adequadamente os ensinamentos do Novo Testamento. Se Lutero pode ser considerado o rosto e a voz da Reforma, outro pensador e escritor pode ser considerado o braço e as mãos daquele movimento – João Calvino. Com uma mente singular e hábeis mãos, Calvino entrou para a galeria daqueles que ajudaram a consolidar  a  Reforma  do  século  XVI,  como  também  a  sua  influência em  parte  do  Ocidente.  De  acordo  com  Earle  Cairns,  o  pensamento  luterano  alcançou  a  França  já  em  1525,  buscando  promover  uma  reforma  no  catolicismo  daquela  região.Como  um  dos  herdeiros  do  pensamento  reformador,  João  Calvino,  dez  anos  depois  (1536),  publicou aquele que se constituiu num marco da Reforma Protestante em Genebra – Institutas.

  1. O PENSAMENTO    DA    REFORMA    NA    ELABORAÇÃO TEOLÓGICA E DOUTRINÁRIA DOS BATISTAS BRASILEIROS

O que se sugere nesta parte final do artigo é estabelecer uma relação  entre  o  pensamento  teológico  da  Reforma  do  século  XVI  e  a  elaboração  teológica  e  doutrinária  da  denominação  Batista  no  contexto  brasileiro.  Objetivado  tal empreendimento,  optou-se  por  dois  documentos  produzidos  pela  coletividade  Batista  no  Brasil:  o  primeiro  documento  ficou  conhecido  como  Declaração  Doutrinária  da  Convenção Batista Brasileira  (CBB), enquanto o segundo documento foi nomeado Princípios Batistas. Ambos são documentos relevantes para a compreensão do pensamento da coletividade Batista, pois indicam o posicionamento dos adeptos e a defesa da fé, pautada nas Escrituras Sagradas.

Como  analisado  anteriormente,  o  cristianismo  tido  como Reformado     estabeleceu     determinados     princípios     que     foram denominados  de Sola (ou  somente…),  buscando  sintetizar  os  pilares da  Reforma  cristã,  ocorrida  entre  a  Idade  Média  e  a  Era  Moderna. Objetivando estabelecer uma diferença entre o pensamento teológico e  as  práxis  defendidas  pela  Igreja  Católica Apostólica  Romana,  as  igrejas  que  se  alinharam  com  o  pensamento  da  Reforma  defenderam  cinco  fundamentos,  conservados  até  os  dias  de  hoje:  somente  as  Escrituras servem  como  base  de  orientação  para  o  pensamento e  o comportamento  dos  cristãos  que  se  identificam  com  a  Reforma; somente  a  Fé pode  aproximar  o  ser  humano  de  Deus,  justificando-o;  somente a Graça de Deus pode conferir o perdão dos pecados dos seres humanos, colocando  em  segundo  plano  uma  vida  pautada  pelos  méritos e recursos pessoais; somente Jesus Cristo  pode operar a salvação dos pecadores que se encontram longe de Deus, deixando claro que a salvação não está vinculada à Igreja, seja ela qual for; somente Deus é  merecedor de toda a Glória , pois Ele não divide a sua Glória com ninguém ou com qualquer instituição religiosa. Evidentemente, o pensamento e a construção teológica pautados naquela Reforma são mais amplos e complexos!

Com  maior  ou  menor  intensidade,  estes  cinco  princípios  podem ser observados nas denominações chamadas históricas. Podem ser citados: os Luteranos, os Presbiterianos, os Congregacionais e os Batistas. São manifestos, no entanto, os vários segmentos que partem das denominações citadas: são vários os grupos presbiterianos, como são vários os grupos batistas no Brasil. O que se deseja dizer é que não há somente um Luteranismo, nem apenas um Presbiterianismo, como também  não  existe  apenas  uma  coletividade  uniforme  denominada  Batista.

Na obra de José dos Reis Pereira, intitulada História dos Batistas no  Brasil,  três teorias  podem  ser  observadas,  objetivando  indicar  a  origem  dos  Batistas no  contexto  do  cristianismo. Para  o  autor,  “podem-se  distinguir  três  teorias  a  respeito  da  origem  dos  Batistas.  A primeira é a teoria JJJ ou Jerusalém-Jordão-João. A segunda é a do parentesco espiritual com os Anabatistas do século XVI. E a terceira é  a  teoria  da  origem  dos  Separatistas  ingleses  do  século  XVII”.Após  empreender  uma  rápida  análise  de  cada  uma  das  três  teorias,  lembrando que cada teoria apresenta aspectos interessantes em suas propostas,  Pereira  afirmou:  “temos,  então,  que  examinar  o  problema histórico  do  ponto  de  vista  da  obediência  e  da  fidelidade  a  Jesus  Cristo”.

O   fato   de   existirem   três   teorias   (pelo   menos!)   sobre   a   origem  dos  Batistas  no  cenário  do  cristianismo,  como  referenciadas  e  analisadas  por  Pereira,  indica  a  complexidade  da  fixação  de  um  período  que  determine  com  maior  exatidão  o  início  da  trajetória  daqueles  que  se  identificaram  com  as  doutrinas  desta  denominação.  No  que  pese  a  discussão  sobre  a  origem  dos  Batistas  no  cenário  do  cristianismo, a chegada dos pioneiros ao Brasil pode ser estabelecida com mais exatidão, embora as controvérsias sobre o marco fundador das atividades em solo brasileiro, como já consideradas anteriormente.

Por outro lado, os documentos produzidos pelos Batistas, desde a sua inserção entre os brasileiros em meados do século XIX, ajudam a entender como pensam os adeptos desta denominação. Mais do que isto,  os  documentos  produzidos  pelos  Batistas  no  Brasil  permitem  uma análise da relação entre eles e aqueles que apresentaram as suas posições  teológicas  quando  da  Reforma  no  século  XVI.  Do  conjunto  documental  dos  Batistas  no  Brasil,  dois  textos  podem  ser  citados  e  analisados: a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB) e os Princípios Batistas. Ao lado de outros documentos importantes da denominação,  os  dois  destacados  favorecem  o  entendimento  sobre  a  relação entre o pensamento protestante e o pensamento dos Batistas no Brasil, como sugere a discussão que se segue.

Pode-se ler no ponto V (cinco) da Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, quando trata do tema salvação:

a salvação é outorgada por Deus pela sua graça, mediante arrependimento do pecador e da sua fé em  Jesus  Cristo  como  único  Salvador  e  Senhor. O preço da  redenção  eterna  do  crente  foi  pago  de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do  seu  sangue  na  cruz.  A  salvação  é  individual  e  significa  a  redenção  do  homem  na  inteireza  do   seu   ser.   É   um   dom   gratuito   que   Deus   oferece  a  todos  os  homens  e  que  compreende  a  regeneração,  a  justificação,  a  santificação  e  a  glorificação.

As  afirmações  doutrinárias  e  as  declarações  de  fé  que  fazem  parte desta

Declaração Doutrinária indicam o pensamento dos Batistas com  relação  à  experiência  espiritual  e  religiosa  de  salvação.  No  que  pese  os  Batistas  não  assumirem  formalmente  o  seu  vínculo  histórico  com  o  pensamento  da  Reforma,  é  possível  observar  que  parte  dos  princípios  defendidos  e  sintetizados  nas  principais  Solas  podem  ser  identificados ou observados nesta parte da Declaração. Para os Batistas, quem conserva o poder de salvar espiritualmente o ser humano não é a  Igreja  Cristã,  seja  ela  qual  for,  enquanto  uma  instituição  religiosa  com  poderes  terrenos  e  eternos,  mas  somente  Deus.  Este  foi  um  pensamento defendido vigorosamente pelos reformadores a partir do século XVI.

Observa-se  ainda  que,  para  os  Batistas,  partindo  de  sua  Declaração Doutrinária, a salvação é operada por Deus, intermediada por  Jesus  Cristo  (não  pela  Igreja  Institucional),  tendo  como  base  a  Graça  divina  e  não  os  méritos  humanos  e  as  suas  contribuições  –  inclusive  financeiras – à Instituição religiosa. A graça, assim, se revela como “um dom gratuito que Deus oferece a todos os homens”, tendo no sangue de Cristo “o preço da redenção eterna”. Cabe ressaltar ainda que  o  texto  citado  anteriormente,  tendo  como  fonte  a  Declaração  Doutrinária da CBB, é apoiado nos vários textos bíblicos que reforçam o posicionamento dos Batistas no Brasil. Se, por um lado, as chamadas

Solas – enquanto síntese do pensamento da Reforma – apontam para as Escrituras, para a Fé, para a Graça divina, para Jesus Cristo como único  salvador,  e  para  a  Glória  de  Deus,  por  outro  encontramos  princípios  muito  semelhantes  aos  defendidos  pelos  Batistas  que  integram a Convenção Batista Brasileira.

O   outro   documento   que   pode   ser   analisado   –  Princípios Batistas  – começa destacando um tema relevante para o cristianismo: a  Autoridade. No início  do  documento  publicado  pela  coletividade  Batista,  os  três  elementos  destacados  estão  vinculados  à  Autoridade: “Cristo  como  Senhor;  As  Escrituras;  O  Espírito  Santo”. A  primeira reflexão  contida  no  documento  Batista  apontou  para  o  senhorio  de  Jesus Cristo, ampliando a posição teológica encontrada na Declaração Doutrinária.  Ao  defenderem  os  seus  Princípios,  os  Batistas  entendem que  Jesus  Cristo  é  o  único  salvador  do  ser  humano,  que  se  revelou  também como o Senhor, recebendo do Pai toda a Autoridade Afirmam  os  Batistas  em  seu  documento:  “a  fonte  suprema  da  autoridade  cristã  é  o  Senhor  Jesus  Cristo”. E  acrescenta  o  texto  que indica o pensamento da coletividade de fé chamada Batista: “sua soberania emana da eterna divindade e poder – como o unigênito filho do Deus supremo – de sua redenção vicária e ressurreição vitoriosa”. Aqui, novamente, pode-se observar uma semelhança com o pensamento defendido  pelos  teólogos  que  iniciaram  e  consolidaram  a  Reforma,  a  partir do século XVI, numa Europa em profunda transformação social e religiosa.

Os dois outros elementos constituintes do primeiro ponto do documento  sobre  os  Princípios  Batistas  destacam  a  importância  que  a coletividade religiosa dá às Escrituras e ao Espírito Santo. Segundo o pensamento da coletividade religiosa: “as Escrituras revelam a mente de  Cristo  e  ensinam  o  significado de  seu  domínio.  Na  sua  singular  e  una  revelação  da  vontade  divina  para  a  humanidade,  a  Bíblia  é  a  autoridade final  que  atrai  as  pessoas  a  Cristo  e  as  guia  em  todas  as  questões de fé cristã e dever moral”.

Para  os  Batistas,  as  Escrituras  ocupam  um  lugar  de  grande  importância  na  vida  de  cada  cristão,  pois  as  escolhas  pessoais  e  as  decisões  éticas  do  cotidiano  serão  tomadas  tendo  como  base  a  compreensão  que  se  tem  da  revelação  divina.  Desta  forma,  segundo  os  Batistas,  as  Escrituras  devem  nortear  a  trajetória  de  cada  fiel  que aceita o conjunto doutrinário que distingue esta coletividade de fé no cenário cristão. O documento sobre os Princípios Batistas ainda lembra:

“o  Espírito  Santo  é  o  próprio  Deus  revelando  sua  pessoa  e  vontade aos homens. Ele, portanto, interpreta e confirma a voz da autoridade divina”. Novamente,   observa-se   certa   semelhança   na   produção   teológica  dos  Batistas  no  Brasil,  aproximando  o  pensamento  desta  coletividade   da   proposta   e   defesa   da   teologia   proclamada   pelos   pioneiros da Reforma Protestante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se   afirmar   que   existem   algumas   “tipificações”    no  contexto  do  protestantismo  implantado  e  desenvolvido  no  Brasil,  desde o século XIX até os dias de hoje. As chamadas Igrejas Históricas ou  denominações  chegaram  com  dois  movimentos  bem  distintos:  o  protestantismo  tipificado  como  de  “imigração”  e  o  protestantismo  conhecido como “missionário”, estabelecendo uma separação entre os dois  movimentos.  No  entanto,  eram  também  “estrangeiros”  aqueles  que  chegaram  como  missionários,  objetivando  implantar  no  Brasil  os  modelos  de  comunidades  ou  igrejas  já  organizadas  na  Europa  e  também  nos  Estados  Unidos.  Desta  forma,  o  protestantismo  que  aqui  chegou  e  se  desenvolveu  trouxe  também  parte  dos  hábitos  e das  práticas  arraigadas  pelos  cristãos  acatólicos  que  já  ocupavam  o  Norte  do  continente  americano.  Neste  segmento  protestante  podem  ser  identificados  os  Batistas  que  chegaram  dos  Estados  Unidos  e  se  desenvolveram no Brasil.

Posteriormente,     igrejas     chamadas     pentecostais     foram   organizadas, indicando   outra   forma   de   protestantismo   entre   os   brasileiros,   propondo   distintas   ênfases   teológicas   e   doutrinárias,   apresentando  expressivo  crescimento  numérico  ao  longo  do  século  XX.  Outro  fenômeno  religioso  expressivo  de  viés  cristão,  mas  não  necessariamente  protestante,  foi  o  surgimento  das  comunidades  e  igrejas  nomeadas  neopentecostais,  que  marcaram  a  segunda  metade  do século passado. Parte do pensamento que se observa nas igrejas ou denominações  pentecostais  pode  ser  notado  também  nas  chamadas  comunidades   neopentecostais,   embora   as   últimas   indiquem   em   sua  proposta  doutrinária  outros  elementos  de  vertentes  religiosas  não  cristãs.  Além  dos  cristãos  de  confissão  católica  romana  e  dos  protestantes,   surgiram   no   Brasil   das   últimas   décadas   os   grupos  religiosos denominados Evangélicos. Pode-se pensar que os chamados Evangélicos  não  apresentam  os  traços  distintivos  do  pensamento da  Reforma  iniciada  no  século  XVI,  perpetuado  pelas  Igrejas  ou  Denominações mais conservadoras.

Cabe  lembrar  que  a  Reforma  permitiu  outros  olhares  sobre  a   revelação   divina,   inclusive   tratando   do   “cuidado   pastoral”   no   âmbito  da  reflexão teológica  e  das  ações  pastorais  entre  os  grupos  não  alinhados  com  o  catolicismo  romano.  Estudos  atuais  sobre  o  cuidado  pastoral  indicam  alguma  contribuição  a  partir  da  Reforma  do  século  XVI,  como  a  obra  clássica  intitulada  O  pastor  aprovado, de  Richard Baxter, publicada originalmente em 1656 (a primeira edição em português é datada de 1989).

Buscando   responder   à   questão   inicial,   empreendeu-se   a   análise de dois documentos elaborados e publicados pelos Batistas no Brasil, objetivando perceber a influência do pensamento da Reforma na teologia e no conjunto doutrinário da denominação. Nota-se que há semelhança entre a teologia e as doutrinas da coletividade Batista com os  pontos  principais  defendidos  pelos  reformadores  do  cristianismo  no início do século XVI. No que pese a denominação não afirmar a sua vinculação formal  ao  processo  reformista  do  início  da  Era  Moderna,  os  dois  documentos  analisados  dão  indícios  de  que  a  influência   da  Reforma  Protestante  chegou  aos  Batistas  na  Europa  e  nos  Estados  Unidos, influenciando também os Batistas no Brasil.

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Quais foram as transformações que ocorrem na fé cristã a partir da reforma religiosa?

Dentre as transformações que ocorreram na fé cristã após a iniciação da Reforma religiosa, pode-se citar: o questionamento das escrituras sagradas; a existência de desconfianças frentes à atuação do clero; a reivindicação frente à cobrança de indulgências.

Quais as transformações após a reforma religiosa?

A Reforma Protestante promoveu uma ruptura no mundo cristão ocidental. Novas religiões cristãs surgiram, como anglicanismo, luteranismo e calvinismo. As novas doutrinas cristãs foram usadas por reis para questionar-se o poder do papa e para justificar-se o lucro dos burgueses obtidos por meio das atividades comerciais.

Quais foram as principais transformações que aconteceram com a reforma Protestante?

A Reforma Protestante foi a grande transformação religiosa da época moderna, pois rompeu a unidade do Cristianismo no Ocidente. No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero fixou na porta da igreja do Castelo as 95 teses que criticavam certas práticas da Igreja Católica.

Quais foram os principais acontecimentos da reforma religiosa?

A reforma protestante foi um movimento reformista iniciado quando Martinho Lutero escreveu um documento conhecido como 95 teses..
Sola fide (somente a fé).
Sola scriptura (somente a escritura).
Solus Christus (somente Cristo).
Sola gratia (somente a graça).
Soli Deo gloria (glória somente a Deus).