Por que a demarcação de terras indígenas é um processo complexo demorado e cheio de conflitos?

Neste artigo pretendemos chamar a atenção para a situação da água nas terras indígenas e seu impacto na qualidade de vida das pessoas que nelas vivem – homens, mulheres e crianças. Esperamos, assim, tirar da marginalidade e dar visibilidade a um tema tão importante quanto o da terra, fundamental para o presente e o futuro dos povos indígenas no Brasil. A água potável, conforme já declarou o Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Culturais e Sociais, é um direito humano.

Conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), “o processo de demarcação, regulamentado pelo Decreto nº 1775/96, é o meio administrativo para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas”. Demarcar é uma competência exclusiva do Poder Executivo, conforme a Constituição Federal, pois se trata de processo meramente administrativo: o direito dos povos indígenas à terra é originário, ou seja, nestas terras eles estavam antes da formação do Estado Nacional.  

Nos termos do Decreto 1775, o grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias de organização, participará do procedimento em todas as fases da regularização fundiária listadas aqui pela Funai, e com comentários e análises do Cimi:

  1. Estudos de identificação e delimitação, a cargo da Funai. Aqui é formado Grupo Técnico, coordenado por antropólogo/a, para realização de pesquisas e elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação da Terra Indígena (RCID) conforme regras estabelecidas pela Portaria MJ n 14/99. As terras tradicionalmente ocupadas são fundamentadas por estudos antropológicos apoiados por pesquisa de equipe interdisciplinar nas áreas ambiental, histórica, jurídica, agrária, cartográfica e outras que se façam necessárias. Consta ainda no relatório o levantamento fundiário para identificação e censo de (eventual) presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, caracterização qualitativa de tal ocupação, levantamento de dados sobre (eventual) existência de títulos de posse e/ou domínio de terras incidentes no território reivindicado pelo povo indígena e identificado pelo Grupo Técnico. O Decreto prevê que os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, prestar informações sobre a área objeto da identificação. Após conclusão e entrega do RCDI à FUNAI com a caracterização da TI a ser demarcada, o Relatório é submetido a aprovação pelo titular do órgão federal de assistência ao índio. Quando aprovado o resumo do mesmo é publicado no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área. Tal publicação deve ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
  2. Contraditório administrativo. O contraditório implica no direito dos Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando à Funai razões instruídas com provas que julgarem pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, pleitear indenização ou demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório segundo seus interesses no território reivindicado pelo povo indígena. O Decreto estabelece como prazo o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação do resumo do RCDI e o julgamento de tal procedimento é de competência do Ministro da Justiça.
  3. Declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça. Trata-se  da declaração, mediante portaria, dos limites da terra indígena e determinando a sua demarcação. Usualmente conhecida como Portaria declaratória, esta fase ocorre após prazo determinado para o contraditório administrativo conforme dito acima, e no caso de existirem contestações, a declaração dos limites é decidida pelo Ministro após julgamento dos procedimentos do Contraditório.
  4. Demarcação física, a cargo da Funai. A fixação dos marcos que estabelecem os limites físicos da TI é homologada mediante decreto e executada por técnicos designados pela FUNAI.
  5. Levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não-índios, a cargo da Funai, realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não-índios, a cargo do Incra. Com base no levantamento fundiário do RCDI, uma equipe técnica designada pela Funai realiza a avaliação das benfeitorias estabelecendo valores financeiros para fins de indenização no caso das ocupações consideradas na legislação de boa-fé.
  6. Homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República. Este ato é realizado mediante decreto presidencial.
  7. Retirada de ocupantes não-índios, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé, a cargo da Funai, e reassentamento dos ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma agrária, a cargo do Incra;
  8. Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da Funai. Segundo a legislação o registro deve ocorrer em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação.
  9. Interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a cargo da Funai.

Antes dos estudos de identificação, porém, há a verificação de demanda. O povo indígena realiza a reivindicação territorial e a Funai envia um profissional de antropologia para a Qualificação da Demanda, ou seja, a execução de um relatório de caracterização prévia do território reivindicado, do contexto social, político e econômico que dinamizam a demanda  e informações gerais sobre o povo indígena que apresentou o pleito.

Casos extraordinários

De acordo com a Funai, “em casos extraordinários, como de conflito interno irreversível, impactos de grandes empreendimentos ou impossibilidade técnica de reconhecimento de terra de ocupação tradicional, a Funai promove o reconhecimento do direito territorial das comunidades indígenas na modalidade de Reserva Indígena, conforme o disposto no Art. 26 da Lei 6001/73, em parceria com os órgãos agrários dos estados e governo federal. Nesta modalidade, a União pode promover a compra direta, a desapropriação ou recebe em doação o(s) imóvel(is) que serão destinados para a constituição da Reserva Indígena”.

Especificamente nos casos de povos isolados, a Funai se utiliza do dispositivo legal de restrição de uso para proteger a área ocupada pelos indígenas contra terceiros, amparando-se no artigo 7.º do Decreto 1775/96, no artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no artigo 1.º, inciso VII da Lei nº 5371/67, ao mesmo tempo em que se procedem os estudos de identificação e delimitação da área, visando a integridade física desses povos em situação de isolamento voluntário.

Que conflitos podem surgir por conta da demarcação de terras indígenas?

A posse de terra é, segundo a Pesquisadora Melissa Volpato, a principal causa de conflitos nas comunidades. Muitas terras indígenas são invadidas e têm seus recursos naturais explorados ilegalmente. Aproximadamente 85% das terras indígenas sofrem algum tipo de invasão, sendo essa estimativa aceita pela Funai.

Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas nos dias de hoje?

Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afetam consideravelmente essa população.

Por que a demarcação das terras indígenas é importante?

A demarcação das terras indígenas é um direito previsto na Constituição Federal de 1988, que estabelece o limite dos territórios, e dá aos indígenas o direito à posse e uso exclusivo das terras a partir do chamado “direito originário”.

Como ocorre o processo de demarcação das terras indígenas?

Demarcar é uma competência exclusiva do Poder Executivo, conforme a Constituição Federal, pois se trata de processo meramente administrativo: o direito dos povos indígenas à terra é originário, ou seja, nestas terras eles estavam antes da formação do Estado Nacional.