Em que ano acontece a primeira exibição de cinema no Brasil e que tipo de filmes foram projetados *?

Eu sou jovem, tenho 22 anos de idade e a consciência de que muita coisa aconteceu no mundo antes da minha chegada por aqui. Às vezes me pego pensando sobre a vida antes do meu nascimento, antes do nascimento dos meus pais, e até mesmo antes do nascimento dos meus avós, e sempre concluo a mesma coisa: O mundo em que nasci, as coisas que me são apresentadas e como elas se apresentam para mim, são muito diferentes daquele mundo conhecido pelos meus predecessores. Isso me espanta. Me espanta que em menos de 100 anos (minha avó, pessoa mais velha da minha família, tem 86) as coisas mudaram muito, o mundo em que minha avó cresceu é quase alienígena para mim, talvez tanto quanto o meu seja para ela.

Como não poderia deixar de ser, minhas reflexões sobre o passado também incluem o cinema, e me espanta como em apenas 120 anos, desde a primeira exibição de imagens em movimento para um público (seja a de Max Skladanowsky ou a dos irmãos Lumière, ambas ocorridas em 1895), tanta coisa tenha evoluído. Um dos aspectos mais notáveis é, sem dúvida, a inclusão de cor nas películas. É sobre essa “revolução das cores” que falarei hoje. O foco desse texto será no período de transição entre o cinema em preto e branco e o cinema à cores, sendo que a evolução tecnológica que propiciou a evolução técnica da representação das cores nas telas ficará para outro(s) texto(s).

Hoje em dia não é comum assistirmos filmes em preto e branco e, se o fazemos, é ou por curiosidade com a história do cinema e seus clássicos, ou porque algum cineasta contemporâneo resolve se utilizar do recurso por alguma razão estética, porém, nos primórdios da sétima arte, não era possível que um filme fosse feito de outra forma. Ou será que era?

Os Primeiros Filmes Coloridos 

Falemos então da história das cores no cinema. A verdade é, ao contrário do que pensamos, que os filmes coloridos surgiram junto com o próprio cinema. Os primeiros filmes comerciais eram coloridos, porém as cores não eram captadas diretamente pelas câmeras, e sim aplicadas nos filmes, na película mesmo. Essa colorização artificial era feita de duas maneiras diferentes, sendo as mais comuns a aplicação manual quadro a quadro e o tingimento.

O primeiro filme colorido por Colorização Quadro a Quadro – Annabelle Serpentine Dance de 1895

A colorização quadro a quadro era um processo em que pessoas, em sua maioria mulheres, coloriam individualmente os quadros das películas, se utilizando de minúsculos pincéis e lentes de aumento. Isso era feito em todas as cópias dos filmes que iriam para cada uma das salas de projeção em que seriam exibidos. Por ser manual, esse processo era demorado e pouco preciso, gerando cópias diferentes umas das outras e com erros que impediam a imersão de quem assistia às projeções. Além disso, as cores, que tinham a função de dar realismo aos filmes, ficavam chapadas, isso é, sem profundidade e fluidez, dando assim a impressão de bidimensionalidade e criando atmosferas que beiravam o fantasia e o surreal, indo de encontro a proposta das cores como recurso estético e narrativo. Esses fatores somados à demora no processo de colorização quadro a quadro e o gasto que se tinha com a mão de obra, levaram ao fim desse procedimento.

Em que ano acontece a primeira exibição de cinema no Brasil e que tipo de filmes foram projetados *?

Comparação P&B e Colorização Quadro a Quadro no filme Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune, 1902) de Georges Méliès

O tingimento era um processo mais simples e rápido, que consistia em mergulhar os filmes em tanques de tinta, ou pintá-los com grandes pincéis, fazendo assim com que cada filme, ou trecho de filme, ficasse com apenas uma cor. Esse recurso era usado com a intenção de realçar a atmosfera das cenas, o clima e sentimento de cada sequência ou do filme por completo, sendo por esse motivo diferente do objetivo da colorização quadro a quadro, que buscava o realismo (a não ser em casos em que, por exemplo, tínhamos uma cena noturna colorida de azul, ou um incêndio representado com a cor vermelha. Ainda assim, nesses casos a busca pelo realismo não era exatamente na representação e sim na ambientação). O tingimento ocorria de duas formas, uma delas era chamada de tingimento mesmo, e era esse processo de se pintar o filme inteiro, partes claras e escuras, o outro era a viragem, em que apenas as partes escuras eram coloridas, deixando assim as partes claras brancas como no filme original.

Em que ano acontece a primeira exibição de cinema no Brasil e que tipo de filmes foram projetados *?

Comparação P&B e Tingimento no filme O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920) de Robert Wiene

Ambos os processos foram abandonados pelo circuito comercial de produção cinematográfica, tanto pelos gastos inerentes à produção de tais filmes quanto pelo fato de o público, na melhor das hipóteses, não fazer questão de assistir aos filmes coloridos em detrimento dos em preto e branco. As cores artificialmente colocadas nas películas não eram um atrativo para o público da época, que via muito mais realismo, algo que era importante para a crítica e público no início do século XX, nas versões em preto e branco.

“Então”, você pode se perguntar, “por que não ouvimos falar desses filmes coloridos artificialmente? Por que sempre assistimos e ouvimos falar de filmes antigos sendo feitos em preto e branco?”. A resposta é simples e triste ao mesmo tempo. À época era mais caro preservar um filme colorido que um em preto e branco. Some-se a isso a indiferença (ou até repulsa) do público aos filmes coloridos pelos processos que descrevi, a impossibilidade de se fazer cópias desses filmes para posse e reprodução caseira (Olha aí o que eu disse sobre estranhamento do passado. Era um tempo sem Blu-Rays, DVD’s ou mesmo VHS! Não existia o conceito de “Home Video”!!!), e a costumeira destruição de filmes para liberação de espaço em arquivos e até mesmo para fortalecer esforços de guerra (pretendo falar disso em outro texto), e acabamos hoje com muitos filmes perdidos, cópias incompletas e, como era de se esperar, os primeiros filmes a serem destruídos eram os coloridos. Uma pena.

Por esses motivos temos poucas cópias de filmes coloridos dessa época, e por isso nosso imaginário e memória são recheados de películas em preto e branco, fazendo então com que pensemos nas cores como algo que chegou no cinema posteriormente, o que não é verdade.

Tecnologias em Favor da Cor

Ao mesmo tempo que o cinema em preto e branco (e colorido artificialmente) se desenvolvia, também eram desenvolvidas técnicas e tecnologias que possibilitassem a captação de cor naturalmente, de forma direta. Os primeiros experimentos com essas tecnologias eram exatamente isso, experimentos, e demorou bastante tempo para que se desenvolvesse alguma forma de se captar imagens coloridas sem grandes despesas financeiras e com certa facilidade, algo que os estúdios precisavam para aplicar essas tecnologias a seus filmes comerciais.

Os primeiros filmes coloridos de que temos notícia são pequenos segmentos feitos pelo inglês Edward Turner entre 1901 e 1902. O curioso sobre esses segmentos é que eles só foram descobertos em 2012, 110 anos depois de sua produção, no National Media Museum, em Bradford na Inglaterra. Os pequenos filmes são representações de cenas do cotidiano e filmagens de objetos e animais. São apenas experimentos com cor e iluminação, não havendo uma narrativa, mas já se utilizando da tecnologia de três cores que iniciaria uma fase colorida no cinema.

Gravações de Edward Turner de 1902

Nos anos 1920, diversas empresas começaram a desenvolver filmes (películas) e câmeras que possibilitassem a captação comercial de imagens coloridas. As principais, dentre muitas que surgiram na época, foram as tecnologias Technicholor, Kinemacolor e Prizma. A tecnologia funcionava com base em três cores (verde, azul e vermelho) e visava possibilitar a representação do mundo de forma mais realista (O funcionamento desse mecanismo, como disse, será abordado em um texto futuro).

Em que ano acontece a primeira exibição de cinema no Brasil e que tipo de filmes foram projetados *?

Cartaz de The World, the Flesh and The Devil de 1914

O primeiro filme colorido comercial foi o curta The World, the Flesh and the Devil de 1914. Não existe muitas informações sobre o filme, que é considerado um filme perdido (possivelmente pelos motivos que falei anteriormente), mas seu impacto foi singelo, até mesmo por se tratar de um curta metragem que teve poucos espaços de projeção.

O primeiro longa metragem que usou dessas tecnologias a receber um lançamento comercial foi Beleza e Vaidade (Becky Sharp) de 1935. A tecnologia empregada foi o Technicholor, e mesmo possuindo apenas três cores, o resultado foi, esteticamente, melhor que o dos filmes anteriores, que eram coloridos artificialmente.

O estúdio que apostou na ideia foi o RKO, e foi necessária coragem para investir no projeto. A lembrança da repulsa aos filmes coloridos ainda estava fresca, e o medo de que essa tendência se estendesse a essa nova produção estava presente. O filme acabou sendo um razoável sucesso de bilheteria, já que a nova tecnologia chamava a atenção do público, porém a crítica não elogiou o filme, que não teria um roteiro tão sólido quanto sua estética.

Becky Sharp de 1935 completo (o filme está em domínio público)

Ainda assim, Beleza e Vaidade não tinha explorado todo o potencial do Technicholor, sendo um dos motivos o medo de a nova tecnologia não dar conta de reproduzir ambientes com muitas cores com o realismo desejado. Por esse motivo esse foi o filme escolhido pelo estúdio para testar a nova tecnologia, visto que a história se passava integralmente em ambientes fechados. No ano seguinte, porém, a Paramount coloca a tecnologia à prova com o longa Amor e Ódio na Floresta (The Trial of the Lonesome Pine, 1936), que tem a primeira cena colorida da natureza. Pela primeira vez os espectadores puderam ver uma árvore sendo projetada com suas cores representadas na tela. O filme teve sucesso com o público e com a crítica, encorajando assim mais e mais filmes a serem feitos com as novas tecnologias.

O Período de Transição

Amor e Ódio na Floresta foi impactante para o cinema, e a partir daí filmes coloridos deixaram pouco a pouco de serem esporádicos e vistos como riscos pelos estúdios (afinal de contas o equipamento necessário era acessível, mas não barato) e mais filmes que se utilizavam da tecnologia passaram a ser feitos em todo o mundo. Porém, a adesão não foi total, e passamos por um período curioso, em que as cores eram usadas como um recurso estético e não só como chamariz tecnológico para atrair espectadores, como ocorre com o 3D hoje em dia.

Assim como 40 anos foram necessários para a criação de um método eficiente que pudesse ser usado para a criação de filmes coloridos, quase trinta anos foram necessários para que houvesse uma adesão total aos filmes coloridos, que eram exibidos na mesma proporção que os filmes em preto e branco até meados dos anos 1960.

O motivo para essa paridade era, como disse, uma visão estética diferente da que temos hoje. Na época, era comum que se associassem filme mais sérios, como thrillers, policiais e dramas, com as imagens em preto e branco, que dariam ao filme um tom mais pesado e dramático, até mesmo misterioso, enquanto filmes musicais, comuns na época, ou com temáticas mais leves eram sempre coloridos e cheios de vida. Essa situação ficou tão sistematizada que quando um filme de um gênero tipicamente preto e branco ou colorido era feito de outra forma, a reação normalmente era o estranhamento.

O que motivou os estúdios a produzirem apenas, ou majoritariamente, filmes coloridos, foi a concorrência com a televisão, que nesse período já tinha modelos que transmitiam imagens coloridas chegando em vários lares (em especial nos Estados Unidos, aqui no Brasil a história é diferente). O cinema se reinventou com as cores, buscando trazer cada vez mais a ideia de espetáculo para as telas, buscando assim vencer a televisão e seus programas que atraiam cada vez mais atenção. Dessa forma, os filmes em preto e branco foram perdendo seu espaço, e mesmo o não uso de cores como recurso estético (para criar tensão, dramaticidade ou carregar o filme de maior seriedade) foi caindo com o tempo.

Hoje em dia são raros os filmes que são feitos em preto e branco, e por isso acabam chamando nossa atenção, mas eu acho interessante viajarmos no tempo, mesmo que em nossa imaginação, para visitarmos um tempo em que as cores eram um grande chamariz, ou mesmo um desafio a ser vencido, na sétima arte.

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Esse foi o primeiro texto aqui do blog. Sempre que puder deixarei algo a mais aqui no final, como minhas fontes e lugares em que você pode ver um piuco mais sobre o que falei no post. Segue então o material complementar e as principais fontes para esse texto:

Texto Cinema de Cor do blog Imagens Amadas: Leia Aqui
Texto 10 Filmes Silenciosos Incrivelmente Coloridos! do blog Primeiro Cinema: Leia Aqui
Texto no site do National Media Museum sobre o achado dos filmes de Edward Turner: Leia Aqui
Vídeo do National Media Museum sobre o achado dos filmes de Edward Turner

Quando ocorre a primeira exibição de cinema no Brasil?

O cinema surgiu em 1895, quando os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo, aparelho que permitia a projeção de imagens animadas em uma tela ou parede. Essa invenção não demorou muito para chegar ao Brasil, e, em 8 de julho de 1896, deu-se a primeira sessão de cinema da história de nosso país.

Qual foi o primeiro filme exibido no Brasil?

No dia 31 de julho de 1897, foi inaugurada a primeira sala fixa de cinema do Brasil, o "Salão de Novidades Paris", no Rio de Janeiro. Um ano antes, seletos convidados puderam acompanhar uma exibição experimental na Rua do Ouvidor.

Qual foi o primeiro filme a ser exibido no cinema?

“Sortie de l'usine Lumière à Lyon” (ou “Empregados deixando a Fábrica Lumière”) é tido como o primeiro audiovisual exibido na história, sendo dirigido e produzido por Louis Lumière.

Em que ano foi lançado o primeiro filme?

E o início do cinema foi em 1895, quando os irmãos Louis e Auguste Lumière projetaram um filme pela primeira vez, em um café em Paris.