IntroduçãoA descoberta e o desenvolvimento de fármacos em diferentes formas farmacêuticas possibilitaram grandes transformações e avanços nas atividades de assistência à saúde, sendo o medicamento uma tecnologia bastante difundida e utilizada. Contudo, na sociedade capitalista, o crescimento expressivo do mercado farmacêutico somado a um modelo de atenção à saúde focado no tratamento de doenças, tornou o uso de medicamentos progressivo e abusivo, expondo a população aos riscos relacionados ao uso irracional dos mesmos. Show
Nesse contexto, a prática da medicamentalização da saúde é uma realidade de modo que as regulamentações e normas que orientam o comércio, a prescrição e o uso não têm sido suficientes para minimizar os riscos e os prejuízos dela decorrentes11. Barros JAC, organizador. Os fármacos na atualidade: antigos e novos desafios. Brasília: Anvisa; 2008.. Dentre estes estão incluídos o acúmulo de medicamentos nos domicílios e também nos serviços de saúde, as perdas por validade, e, ainda mais preocupante, o descarte inadequado dos mesmos. Assim, para além das dimensões técnica, simbólica, econômica e política22. Lefévre F. O medicamento como mercadoria simbólica. São Paulo: Cortez; 1991. que compreendem os medicamentos, eles também podem representar um problema ambiental em virtude dos contaminantes orgânicos oriundos destes resíduos. No mundo todo tem sido identificada a presença de fármacos, tanto nas águas, como no solo, devido ao descarte indevido de medicamentos vencidos, parcialmente utilizados ou alterados, e da excreção de metabólitos que não são eliminados no processo de tratamento de esgotos33. Eickhoff P, Heineck I, Seixas LJ. Gerenciamento e Destinação Final de Medicamentos: uma discussão sobre o problema. Rev. Bras. Farm 2009; 90(1):64-68.. Porém, até o momento, não existem dados suficientes sobre os reais impactos e riscos que os fármacos e seus contaminantes residuais representam para a saúde humana e para o ambiente44. Kummerer K. Drugs in the environment: emission of drugs, diagnostic aids and desinfectants into wastewater by hospital in relation to other sources in relation to other sources - a review. Chemosphere 2001; 45(6):957-969., sendo preocupantes, os possíveis efeitos a longo prazo. Há ainda o risco à saúde de pessoas que possam reutilizar os medicamentos por acidente ou mesmo intencionalmente, devido a fatores sociais ou circunstanciais diversos. O consumo indevido de medicamentos descartados de maneira inadequada pode levar ao surgimento de reações adversas, intoxicações, dentre outros problemas, comprometendo decisivamente a qualidade de vida e saúde dos usuários55. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Descarte de Medicamentos: responsabilidade compartilhada. Brasília: Anvisa; 2011. [acessado 2012 fev 6]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br. As indústrias e os serviços de saúde têm sido grandes geradores de resíduos. Porém, durante muito tempo, por falta de regulamentação sobre o assunto, não foi dada destinação e tratamentos corretos aos mesmos66. Magalhães SMS, Mol MPG. Medicamentos como problema ambiental. In: Acurcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013.. Nesta perspectiva, e diante da conjuntura mundial de prevenção de possíveis riscos decorrentes da má destinação dos resíduos de diversos tipos, ao Estado brasileiro também coube a responsabilidade de intervir, mediante políticas públicas, para a formulação e implantação de estratégias, de modo a orientar sobre o manejo e o destino final dos resíduos de serviços de saúde. Assim, tanto o Ministério da Saúde quanto o Ministério do Meio Ambiente estabeleceram regulamentações para o gerenciamento dos resíduos gerados nos diferentes estabelecimentos de saúde. Neste trabalho, porém, daremos destaque apenas àquelas relacionadas aos serviços básicos de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da RDC n° 306/2004 que dispõe sobre o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (GRSS), aprovou o regulamento técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde a ser observado em todo o território nacional na área pública e privada77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. Já a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n° 358/200588. Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução no 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União 2005; 4 maio., dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) sob o prisma da preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. Estes dispositivos legais classificam os resíduos de serviços de saúde em cinco categorias (A, B, C, D e E), que apresentam distintos modos de tratamento e disposição final. Este artigo trata especificamente dos resíduos do grupo B (resíduos químicos), no qual estão incluídos os de medicamentos, que podem apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.,88. Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução no 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União 2005; 4 maio.. Fazem parte do grupo B os produtos hormonais, antimicrobianos, citostáticos, antineoplásicos, imunossupressores, digitálicos, imunomoduladores, antirretrovirais, quando descartados por serviços de saúde, farmácias, drogarias e distribuidores de medicamentos ou apreendidos. Também inclui os resíduos e insumos farmacêuticos dos medicamentos controlados pela Portaria n° 344/98 e suas atualizações, resíduos de saneantes, desinfetantes, dentre outros77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. A RDC n° 306/2004 estabelece ainda que todo gerador de RSS deve elaborar seu Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), contemplando as ações relativas ao manejo dos resíduos sólidos, observadas suas características e seus riscos, contemplando os aspectos referentes à geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e disposição final, bem como as ações de proteção à saúde pública e ao meio ambiente77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. Tais dispositivos legais e também as conjunturas social, política e econômica que caracterizam o cenário mundial, cada vez mais exigem dos governos e da sociedade a adoção de estratégias e ações que impactem positivamente sobre as questões ambientais. Assim, a discussão sobre o descarte de tecnologias diversas, incluindo os produtos de saúde, especialmente os medicamentos, deve ser pauta não só no espaço político, mas também acadêmico e dos serviços de saúde. Nesta perspectiva, e tomando como cenário de estudo as USF, os objetivos deste artigo são discutir a percepção dos trabalhadores de saúde em relação ao descarte de medicamentos; e analisar essa prática nos serviços de atenção básica. MetodologiaEstudo exploratório, com abordagem qualitativa99. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007., realizado em Unidades de Saúde da Família (USF) de um município baiano. Participaram como sujeitos os trabalhadores das USF de nível superior (enfermeiros), nível técnico (técnicos de enfermagem) e médio (Agentes Comunitários de Saúde). Além desses, três farmacêuticos, trabalhadores da coordenação da Assistência Farmacêutica, da Vigilância Sanitária e da Central de Abastecimento Farmacêutico. Como critério de inclusão, considerou-se que o sujeito deveria ser maior de 18 anos, ter o tempo mínimo de seis meses de atividade no município na função em que se encontrava e aceitar, livremente, participar da pesquisa. A delimitação do número de sujeitos foi definida pela saturação teórica1010. Fontanella BJB, Luchesi, BM, Saide MGB. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saude Publica 2011; 27(2):389-394.. Os sujeitos foram identificados numericamente. No total, participaram 18 trabalhadores, sendo quatro Agentes Comunitários de Saúde - ACS (E1 a E4), sete técnicos de enfermagem (E5 a E11), quatro enfermeiros (E12 a E15) e três farmacêuticos (E16 a E18). A coleta de dados ocorreu no período de abril a julho de 2012, e foi realizada através das técnicas de observação sistemática e entrevista semiestruturada, para as quais foram utilizados roteiros previamente elaborados. As entrevistas foram realizadas e gravadas, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados obtidos através das entrevistas foram analisados com base no método de análise de conteúdo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Resultados e DiscussãoPercepção dos trabalhadores de saúde sobre descarte de medicamentos [...] não é o correto, viu, mas é o que a gente faz As perdas ou sobras de medicamentos são comuns tanto nos serviços de saúde quanto nos domicílios, constituindo-se em um problema resultante de diversas causas. Suas origens perpassam desde a gestão de recursos e de materiais envolvidos nos processos de aquisição de medicamentos e demais insumos farmacêuticos, até a prática da prescrição e dispensação, a distribuição de
amostras grátis e apresentações farmacêuticas inapropriadas ao consumo exato, correspondente à necessidade terapêutica dos indivíduos. Nos domicílios, podemos citar causas que encontram origem no uso irracional de medicamentos, falhas na adesão terapêutica, erros de dispensação nas farmácias públicas ou privadas e falta de educação sanitária dos usuários de medicamentos55. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Descarte de Medicamentos:
responsabilidade compartilhada. Brasília: Anvisa; 2011. [acessado 2012 fev 6]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br. Desta forma, para o correto descarte destes resíduos de saúde, devem ser observados os critérios específicos diante das propriedades características dos medicamentos, no intuito de evitar danos ao meio ambiente, águas, solos e animais. Esses critérios estão
explícitos na Norma Técnica da ABNT nº 10.004/20041111. Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 10.004. Resíduos sólidos: classificação. 2ª ed. Rio de Janeiro: ABNT; 2004 . [acessado 2013 jun 6]. Disponível em: http://www.aslaa.com.br/legislacoes /NBRn10004-2004.pdf Quanto à percepção dos trabalhadores sobre o descarte de medicamentos, as falas seguintes remetem à existência de condições adequadas e locais apropriados:
Quanto às fontes de informações sobre o descarte de medicamentos, as falas permitem identificar que a mídia é o principal meio utilizado pelos trabalhadores.
Por outro lado, alguns trabalhadores revelaram desconhecimento ou desinteresse sobre esse assunto, conforme as falas seguintes:
As falas apresentadas demonstram que a discussão sobre este tema é incipiente no cenário observado, ainda que nos últimos anos essa temática tenha sido mais difundida pelos meios de comunicação e que, de modo mais abrangente, a questão da sustentabilidade tenha se tornado pauta na agenda das discussões mundiais, a exemplo da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, ocorrida em junho de 2012, no Rio de Janeiro (RJ), Brasil. As experiências relatadas revelam ainda que as informações não estão sendo discutidas entre os membros da equipe de saúde da família, haja vista que nenhum entrevistado fez referência a informações obtidas na unidade ou atividade realizada pela Secretaria Municipal de Saúde, ainda que todos os trabalhadores tenham responsabilidade neste processo. Fato este que corrobora com a observação feita em campo, já que não foi presenciada nenhuma ação ou comunicação formal ou informal relativa à questão do descarte. As falas também evidenciam que os trabalhadores têm noção dos riscos e prejuízos que o descarte inadequado de medicamentos provoca à saúde dos indivíduos e ao meio ambiente.
O entrevistado 3 revela que destina inadequadamente os medicamentos em
desuso no seu domicílio, mesmo tendo noções sobre os possíveis riscos desta ação. Relato convergente com outros estudos ao apontarem que, de maneira geral, o descarte de medicamentos é realizado no lixo doméstico ou rede de esgoto em razão de desconhecimento de informações sobre o destino correto, bem como pela carência de postos de coleta destes produtos1313. Bueno CS, Weber D, Oliveira KR. Farmácia caseira e descarte de medicamentos no bairro Luiz Fogliatto do
município Ijuí-RS. Rev. Ciências Farm. Básica Apl. 2009; 30(2):75-82.,1414. Gasparini JC, Gasparini AR, Frigieri MC. Estudo do descarte de medicamentos e consciência am biental no município de Catanduva-SP. Ciência & Tecnologia: Fatec-JB. [periódico da internet] 2011. [acessado 2011 ago 12]; 2 (1): [cerca de 14p.]. Disponível em:
http://www.fatecjab.edu.br/revista/2011_v02_n01/4_gasparini.pdf. As sobras de medicamentos, vencidos ou não, que são lançados diretamente nas pias e vasos sanitários, chegam às estações de tratamento de esgoto na sua forma original, sem sofrer alterações do metabolismo no corpo humano1515. Daugton CG. Cradle-to-cradle stewardship of drugs for minimizing their environmental disposition while promoting human health. II. Drug disposal, waste reduction, and future directions. Environ Health Perspect 2003; 111(5):775-785.. Além da disposição dos medicamentos no esgoto ou lixo doméstico, as outras principais vias de entrada de fármacos no ambiente resultam da excreção após administração, e através da remoção de medicamentos tópicos durante o banho1616. Glassmeyer ST, Hinchey EK, Boehme SE, Daughton CG, Ruhoy IS, Conerly O, Daniels RL, Lauer L, McCarthy M, Nettesheim TG, Sykes K, Thompson VG. Disposal practices for unwanted residential medications in the United States. Environ Internat 2009; 35(3):566-572.. Tais aspectos contribuem de forma mais acentuada para a contaminação ambiental. Estudos demonstram ainda que diversas substâncias não são removidas completamente durante os processos de tratamento de esgotos1717. Bila DM, Dezotti M. Fármacos no meio ambiente. Química Nova 2003; 26(4):523-530,1818. Bila DM, Dezotti M. Identificação de fármacos e estrogênios residuais e suas consequências no meio ambiente. In: Programa de Engenharia Química/Coppe-UFRJ, organizador. Fronteiras da engenharia química. Rio de Janeiro: Coppe-UFRJ; 2005. p. 141-175. v. 1.. Ainda que os trabalhadores das USFs tenham demonstrado interesse e preocupação com o tema, pouco tem sido feito pelas instituições ou órgãos responsáveis (Secretaria Municipal da Saúde, setores de Vigilância Sanitária e de Assistência Farmacêutica), no intuito de disponibilizar orientações e/ou possibilitar condições para o descarte correto de medicamentos.
Outras falas revelaram que existiu, em algum momento, um comunicado formal para as unidades de saúde sobre a responsabilidade pelo descarte.
As falas apontam para a falta de articulação das informações quanto à responsabilidade pelo descarte entre os próprios trabalhadores da unidade, já que os entrevistados revelam a existência de documentos com informações divergentes. Conforme disposto na Resolução Anvisa nº 306/2004, o gerenciamento dos resíduos deve ocorrer em seus aspectos intra e extra estabelecimento, desde a geração até a disposição final, incluindo as etapas de segregação, acondicionamento, identificação, transporte interno, armazenamento temporário, tratamento, armazenamento externo, coleta, transporte externo e disposição final77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. Ou seja, o descarte não poderia ser feito na própria unidade, como relatou o entrevistado 11, pois nela não havia, conforme foi observado, qualquer condição estrutural para realizar as etapas descritas na referida resolução. Por outro lado, a fala do entrevistado 9 expõe uma prática mais coerente, em que o setor de Assistência Farmacêutica seria a responsável pela destinação final dos resíduos. Prática esta não observada no cenário de estudo. A prática do descarte de medicamentos [...] este é o padrão. Agora, se fazem eu não sei Compete a todo gerador de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), seja público ou privado, elaborar seu Plano de Gerenciamento de Resí duos de Serviços de Saúde (PGRSS) que consiste no documento que aponta e descreve as ações relativas ao manejo dos resíduos sólidos, observando suas características e riscos, contemplando os aspectos referentes à geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e disposição final77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. A existência do PGRSS nas USF é relatada nas falas a seguir:
De acordo a Resolução Conama n° 358, o PGRSS deve ser elaborado por profissional de nível superior, habilitado pelo seu conselho de classe, obedecendo a critérios técnicos, normas de coleta e transporte dos serviços locais de limpeza urbana, normas da Vigilância Sanitária e legislação ambiental tendo por objetivo minimizar a produção de resíduos e proporcionar o encaminhamento seguro e eficiente, visando proteger o trabalhador, preservar a saúde pública e os recursos naturais do meio ambiente88. Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução no 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União 2005; 4 maio.. Contudo, o documento não foi visualizado, nem estava disponível nas unidades de saúde que integraram o estudo. Nos setores de assistência farmacêutica e de vigilância sanitária, o PGRSS também não foi verificado ao ter sido solicitado no momento de coleta de dados. Apesar disso, algumas falas apontam que, em um momento no passado, houve a coleta de medicamentos nas USF para o posterior descarte.
Diante da inexistência de um PGRSS, os trabalhadores das unidades não têm uma informação exata de como deve ocorrer o descarte final, mencionando apenas a fatos passados quando ainda havia uma empresa que coletava os resíduos. Em relação à prática de descarte de medicamentos vencidos, os trabalhadores expuseram falas distintas:
Os depoimentos apontam, portanto, para a descontinuidade do possível processo de coleta de resíduos existentes no município e, consequentemente, para a adoção de práticas equivocadas, a exemplo do uso da caixa de perfurocortante para fins diferentes dos preconizados pela RDC Anvisa n° 306, que é acondicionar resíduos do grupo E (perfurocortantes ou escarificantes)77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. Além disso, a resolução também dispõe que as embalagens primárias (que acondiciona o produto) e materiais contaminados devam ser tratados da mesma forma que as substâncias que os contaminaram. Em se tratando do manejo dos resíduos contendo substâncias com atividade medicamentosa (hormônios, antimicrobianos, citostáticos, antineoplásicos, imunossupressores, digitálicos, imunomoduladores, antirretrovirais), bem como resíduos de produtos e de insumos farmacêuticos sujeitos a controle especial, especificados pela Portaria nº 344/98, a regulamentação sanitária orienta que devem ser submetidos a um tratamento ou disposição final específicos77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.,1919. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 344/GM, de 12 de maio de 1998. Aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diário Oficial da União 2008; 19 mai.. As características específicas dos mais diversos fármacos tornam complexa a compreensão sobre o adequado descarte, que se torna ainda mais difícil na medida em que evidenciamos pouca clareza nos dispositivos legais. Neste sentido, destacamos a Resolução Anvisa nº 306/2004 ao explicitar que produtos ou insumos farmacêuticos que, em função de seu princípio ativo e forma farmacêutica, não ofereçam riscos à saúde e ao meio ambiente quando no estado líquido, podem ser lançados na rede coletora de esgoto ou em corpo receptor, desde que atendam as diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, gestores de recursos hídricos e de saneamento competentes77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. Contudo, não deixa claro quais são, de fato, as substâncias que não oferecem riscos à saúde, podendo levar a variadas compreensões pelos diferentes sujeitos e à inclusão neste grupo de substâncias que não atendem a este critério. De todo modo, nos serviços estas informações devem estar claramente disponíveis no PGRSS. Para superar a complexidade do descarte adequado de medicamentos e promover uma prática correta e eficaz, exige-se capacitação e monitoramento contínuo. Ou seja, há necessidade de esclarecimentos básicos e específicos para toda a equipe de saúde sobre, por exemplo, classes medicamentosas, formas farmacêuticas e termos específicos dispostos nas legislações. Tais ações devem estar associadas às condições estruturais também adequadas para que o PGRSS seja exequível. Outro aspecto questionado aos entrevistados foi sobre a responsabilidade das atividades envolvidas com o descarte dos resíduos nas unidades. Ainda que tenha sinalizado a presença de outros trabalhadores no processo do gerenciamento dos resíduos, o enfermeiro foi o mais mencionado, certamente pelo fato de este já assumir, no cenário estudado, a gerência das unidades.
Contudo, outros trabalhadores apontam para divergências entre o setor de Assistência Farmacêutica e Vigilância Sanitária quanto à definição da responsabilidade sobre o gerenciamento dos resíduos de medicamentos no município estudado.
Todavia, em entrevista (cuja gravação não foi autorizada) realizada com trabalhador da Visa municipal (E18, farmacêutico da Visa), o mesmo relatou que apesar do setor orientar as unidades de saúde quanto ao seguimento do PGRSS, não é responsabilidade da mesma fiscalizar o gerenciamento e o descarte de resíduos de medicamentos nestes estabelecimentos. Esclareceu, ainda, que a Visa é responsável por fiscalizar o descarte de medicamentos realizado pela Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) do município e que as unidades devem encaminhar para este local os medicamentos impróprios para uso e que necessitam ser descartados, mas não mencionou qual disposição final é dada a estes resíduos. Tal relato por sua vez, diverge do que está estabelecido na Resolução Anvisa n° 306/2004, a qual explicita a responsabilidade da Visa sobre a fiscalização e orientação dos estabelecimentos de saúde quanto ao cumprimento do PGRSS77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). RDC no306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2007; 10 dez.. As falas sugerem desarticulação entre a Vigilância Sanitária, a Assistência Farmacêutica e os serviços básicos de saúde, denotando que o município, de fato, não incorporou as diretrizes regulamentadas pelas resoluções pertinentes a este assunto, o que nos faz entender que a comunidade encontra-se desorientada e desassistida quanto ao descarte de medicamentos, já que não é desenvolvida uma prática adequada no município. Neste sentido, em se tratando do descarte de medicamentos vencidos nos domicílios, os agentes comunitários de saúde revelaram o modo como orientam a comunidade.
A ausência de postos de coleta de medicamentos e de orientação adequada é uma realidade no município. Fato que, além de favorecer o descarte inadequado nos domicílios, impossibilita o fornecimento de orientações adequadas pelos agentes comunitários de saúde. Fato este também apontado por outros autores1414. Gasparini JC, Gasparini AR, Frigieri MC. Estudo
do descarte de medicamentos e consciência am biental no município de Catanduva-SP. Ciência & Tecnologia: Fatec-JB. [periódico da internet] 2011. [acessado 2011 ago 12]; 2 (1): [cerca de 14p.]. Disponível em: http://www.fatecjab.edu.br/revista/2011_v02_n01/4_gasparini.pdf. Durante a observação nas unidades, evidenciamos a ausência de estrutura de coleta de medicamentos para descarte, tais como as caixas coletoras de medicamentos ou qualquer tipo de sinalização ou indicativo de que havia coleta de medicamentos nas unidades ou local para segregação de material vencido. Além disso, não havia material educativo como folhetos ou cartazes sobre o assunto e nem mesmo foi visualizada discussão na unidade, seja entre a equipe ou na comunidade, sobre o descarte de medicamentos. Ou seja, os usuários de medicamentos e mesmo os trabalhadores não sabem e não têm a quem recorrer quando há necessidade de descartar medicamentos. Estudo realizado em 2013 comunga com essa análise ao revelar que o descarte de medicamentos foi uma das maiores dificuldades relatadas pelos trabalhadores de saúde, havendo, inclusive, perda constante de medicamentos e inexistência de PGRSS2020. Alencar BR. Processo de trabalho no Programa Saúde da Família: um enfoque na Assistência Farmacêutica [dissertação]. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana; 2013.. O correto gerenciamento de resíduos é parte da assistência à saúde, devendo ser garantida pelos gestores e mantida pela equipe de saúde. Isso porque, antes do descarte propriamente dito, a gestão de medicamentos efetuada pelo setor da assistência farmacêutica, a prescrição correta e a dispensação orientada para o uso racional de medicamentos também devem ser incentivadas. As perdas de medicamentos devem ser evitadas continuamente, sob pena de estar possibilitando prejuízos à saúde coletiva e também aos cofres públicos. Existem alguns exemplos positivos em municípios brasileiros. Em São Paulo, duas grandes redes de farmácias e todas as unidades básicas de
saúde da capital recebem os medicamentos trazidos pela população2121. Federação Nacional dos Farmacêuticos (FNF). Medicamento vencido deve ser descartado em postos de coleta. 2012 Jul. [acessado 2012 jul 24]. Disponível em: http://www.fenafar.org. br/portal/medicamentos/62-medicaments/1193-medicamento-vencido-deve-ser-descartado-em-postos-de-coleta.html. Campanhas como estas também foram apontadas por outros autores como relevantes, integrando um conjunto de outras estratégias que podem implicar em um programa eficaz de recolhimento de medicamentos e que foram aplicadas em países como Canadá, México, Portugal e Colômbia2323. Falqueto E, Kligerman DC. Diretrizes para um programa de recolhimento de medicamentos vencidos no Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(3):883-892.. No cenário nacional, tem-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que foi implementada através da Lei nº 12.305/2010 e do Decreto nº 7.404/2010 e que prevê o sistema de logística reversa para restituição dos resíduos sólidos pelo setor empresarial2424. Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 3 ago.,2525. Brasil. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resí duos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 23 dez.. Esta é, contudo, uma discussão ainda conflituosa. Além desses instrumentos legais, representantes de organizações de defesa do consumidor, governo e indústria têm discutido sobre a melhor forma de realizar o descarte, por meio da criação do Grupo de Trabalho Temático de Medicamentos. Em 03 de agosto de 2011, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara aprovou o Projeto de Lei Complementar n° 595/11, que acrescenta o artigo 6º à Lei n° 5.991/1973 para dispor sobre o recolhimento e o descarte consciente de medicamentos. Pela proposta, farmácias, drogarias e postos de saúde serão obrigados a receber da população os medicamentos, vencidos ou não, e os devolverão ao laboratório que os produziu para que
este promova o descarte2626. Brasil. Projeto de Lei nº 595, de 2011. Acrescenta o Artigo 6ª à Lei 5.991, de 17 de dezembro de 1973, para dispor sobre o recolhimento e o descarte consciente de medicamentos. 2011. [acessado 2012 jan 20]. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=636 Tais discussões sobre medidas normativas para realizar o descarte de medicamentos e o crescente número de postos de coleta são iniciativas importantes na perspectiva da destinação adequada de medicamentos pela população. Isso porque, de acordo com informações de um representante da Anvisa, em entrevista cedida à Federação
Nacional dos Farmacêuticos2121. Federação Nacional dos Farmacêuticos (FNF). Medicamento vencido deve ser descartado em postos de coleta. 2012 Jul. [acessado 2012 jul 24]. Disponível em: http://www.fenafar.org. br/portal/medicamentos/62-medicaments/1193-medicamento-vencido-deve-ser-descartado-em-postos-de-coleta.html. Estudo sobre estoque domiciliar de medicamentos revelou que 98,8% das residências possuíam medicamentos em estoque, sendo que, do total encontrado, 29,75% estavam vencidos2727. Morais TC. Estoque Domiciliar de Medicamentos: a realidade de uma Unidade de Saúde da Família [monografia]. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana; 2012.. Outro estudo apontou ainda que, entre os motivos que justificam a sobra de medicamentos destacam-se sua aquisição na forma farmacêutica superior ao tratamento e a interrupção deste2828. Ramos DC, Silva TO, Alencar BR. Análise da prática do estoque domiciliar de medicamentos em um município do Estado da Bahia. Infarma 2010; 22(9/10):48-55.. Dados estes que apontam para a necessidade de ações voltadas ao uso racional e ao descarte responsável dos medicamentos. Considerações finaisOs resultados encontrados permitem inferir que, apesar de o Brasil dispor de aparato legal, ainda há aspectos pouco esclarecidos quanto ao tratamento e disposição final e que implicam no não cumprimento dos mesmos. Além disso, identificamos desarticulação entre a vigilância sanitária local e os serviços. Aspectos estes que têm implicado em pouca compreensão dos trabalhadores e na execução de práticas equivocadas. Ao revelar as características do descarte de resíduos de medicamentos e inferir sobre as dificuldades na implementação de um PGRSS, o estudo aponta para a necessidade de elaboração de estratégias que devem envolver os gestores, os trabalhadores e os usuários. Isso porque não basta descartar corretamente, é preciso intervir sobre o conjunto de ações indutoras do uso irracional de medicamentos, e assim minimizar os estoques desnecessários no serviço e/ou nos domicílios e as perdas de medicamentos. Estudos em serviços dos demais níveis de atenção à saúde e também envolvendo usuários de medicamentos são pertinentes e podem apontar resultados ainda mais reveladores sobre a prática do descarte no país, bem como aperfeiçoar as políticas e projetos já em andamento. Alcançar êxito nessa prática requer, portanto, esforços políticos, econômicos e a participação social. Referências
Quais são os problemas que o descarte inadequado de medicamentos podem causar?Ao ser descartado pela rede de esgoto, também afeta diretamente a água. “Por menor que pareça, a ação de descartar o medicamento de forma incorreta acaba causando malefícios não visíveis, como a contaminação do solo, do lençol freático e dos rios.
Como descarte incorreto de medicamentos afeta os seres humanos e outros animais?Sabe-se que os medicamentos diluídos em água podem interferir no metabolismo e no comportamento de organismos aquáticos. Há fármacos que são persistentes e se acumulam no meio ambiente, além dos riscos de doenças na população e animais que podem encontrar medicamentos descartados no lixo e utilizá-los.
Qual a relação entre fármacos e a poluição da água?Medicamentos são considerados hoje potenciais causadores de poluição da água, assim como pesticidas, fertilizantes e lixo industrial. Alguns estudos já comprovam que eles causam danos significativos a populações aquáticas, mudando até sua natureza.
Como os fármacos podem interferir nos ecossistemas?Os fármacos são considerados potenciais contaminantes ambientais pois, sendo compostos biologicamente ativos, uma vez disseminados no solo e/ou fontes de água superficiais e/ou do subsolo são capazes de induzir os mais diversos efeitos sobre os organismos (Jorgensen et al., 2000).
|