Como o conflito mundial contribuiu para as profundas mudanças ocorridas na Rússia?

1 INTRODU��O

A ora��o que nomeia este texto, sob inspira��o do eminente historiador ingl�s Eric Hobsbawm (1999), demonstra os objetivos propostos por estas linhas. Ao contr�rio dos que preferem qualificar (depreciar) a Revolu��o Russa de 1917 como desastrosa, pretende-se demonstrar que apesar de todos os erros e desvios ocorridos no per�odo governado por St�lin, a Revolu��o de 1917 trouxe mudan�as significativas e conquistas sociais aos trabalhadores, n�o apenas na R�ssia, mas para o conjunto da humanidade.

N�o � por acaso que Hobsbawm identifica o s�culo XX com a hist�ria da Revolu��o, da consolida��o e do decl�nio do socialismo sovi�tico. A sua import�ncia n�o reside apenas dentro das fronteiras russas, mas ultrapassando-as atingiu todo o globo, de uma maneira ou de outra, intensa ou difusamente, positiva ou negativamente, revolucionando ou contrarrevolucionando os pa�ses do mundo.

Assim se expressa Hobsbawm (1999, p. 62):

[...] a Revolu��o de Outubro teve repercuss�es muito mais profundas e globais que sua ancestral, pois se as id�ias da Revolu��o Francesa [...] duraram mais que o bolchevismo, as conseq��ncias pr�ticas de 1917 foram muito maiores e mais duradouras que as de 1789. A Revolu��o de Outubro produziu de longe o mais formid�vel movimento revolucion�rio organizado da Hist�ria Moderna. [...] Apenas trinta ou quarenta anos, [...] um ter�o da humanidade se achava vivendo sob regimes diretamente derivados dos ‘Dez dias que abalaram o mundo’ [...].

Tendo em vista os objetivos supracitados precisa-se, com efeito, tecer algumas reflex�es sobre os acontecimentos processados na R�ssia, os quais em conjunto compuseram uma das mais significativas Revolu��es do mundo.

2 FOI UMA REVOLU��O APENAS DA R�SSIA?

Antes da Revolu��o de 1917, a R�ssia, se comparada �s pot�ncias do capitalismo mundial, estava num n�vel de desenvolvimento econ�mico-social muito atrasado. Era governada por uma Monarquia Absolutista, com o poder em m�os de um d�spota – o Czar1 Nicolau II, apoiado numa nobreza latifundi�ria e militarizada, bem como no alto clero da igreja Cat�lica Ortodoxa. N�o havia liberdade de imprensa ou organiza��o de trabalhadores legalmente estabelecida.

Existiam in�meras nacionalidades sob o controle ditatorial do Czar, sem direitos ou respeito a seus valores culturais. Todos os movimentos e atos populares eram reprimidos com intensa viol�ncia. A grande maioria da popula��o era analfabeta. Economicamente o pa�s era agr�rio, com uma ind�stria em desenvolvimento tardio. A base da economia era a produ��o agr�cola, com mais de 80% da popula��o vivendo no campo.

As terras n�o pertenciam aos pequenos camponeses, pelo contr�rio, eram dom�nios de uma minoria de latifundi�rios do Estado Czarista e da Igreja. Os trabalhadores viviam sob um regime de servid�o feudal, onde o “[...] senhor tinha direito de vida e morte sobre seus servos. N�o somente os fazia trabalhar como escravos, como podia tamb�m vend�-los, castig�-los, tortur�-los e mesmo mat�-los, sem quase nenhum empecilho.” (VOLIN, 1980, p. 22).

Valladares e Berbel (1994, p. 14) apontam que apenas em 1861 os servos adquiriram uma liberdade pessoal atrav�s dos Estatutos da Emancipa��o, antes, por�m, “[...] mais da metade do campesinato era constitu�do por servos, que eram tidos como propriedade pessoal dos donos de terra, algo mais pr�ximo da escravid�o do que da servid�o medieval europ�ia”.

Como se n�o bastasse esse quadro cr�nico, o Czar, para satisfazer sua pol�tica imperialista, iniciou um processo intenso de industrializa��o, especialmente para fins militares. Industrializa��o essa que destoava completamente das estruturas arcaicas do Imp�rio Czarista. As contradi��es geradas por essa empreitada originaram uma massa de trabalhadores rurais sem-terras, expropriados pelo Estado e latifundi�rios e, no mesmo movimento, uma de trabalhadores urbanos com p�ssimos sal�rios e superexplorados na jornada de trabalho. (REIS FILHO, 1997).

Agravando mais a situa��o, a R�ssia envolveu-se numa guerra imperialista (1904) contra o Jap�o. Todo o esfor�o voltou-se para esse confronto, mas o resultado n�o foi o esperado. Ao inv�s da R�ssia sair com mais territ�rio anexado ao seu, ao contr�rio, sofreu uma humilhante derrota e as condi��es dos trabalhadores russos s� pioraram. Greves explodiram por todo o pa�s, inclusive greves oper�rias de significativa import�ncia. A popula��o n�o suportava mais a fome, a mis�ria e dava os primeiros sinais da Revolu��o de 1905, que L�nin viria chamar de: O ensaio geral.

Por�m, mesmo com todos os sofrimentos pelos quais passavam os trabalhadores russos, estes ainda acreditavam na bondade e honestidade do Czar Nicola II. Todas as revoltas e greves voltavam-se contra os governantes mais imediatos e a imagem do Czar continuava inating�vel. “Os levantes dos camponeses contra seus amos e opressores n�o impediam a venera��o cega pelo paizinho Tzar”, nos informa Volin (1980, p. 24). O tratamento dispensado ao Czar pela popula��o era o mais carinhoso poss�vel. Ele era o protetor, o destinado por Deus a guiar seu povo, por isso chamavam-lhe de pai: o paizinho czar.

No entanto, essa imagem iria se despeda�ar nos acontecimentos processados no dia 9 de janeiro (calend�rio russo)2 mais conhecido como Domingo Sangrento. Mais de 200 mil pessoas sa�ram �s ruas para reivindicar melhores condi��es de vida, numa passeata pac�fica que n�o tinha o objetivo de derrubar Nicolau II, pois sua imagem de protetor do povo russo era ainda bem viva. Essa afirma��o pode ser constatada na carta redigida pelos manifestantes. Eis alguns trechos:

Senhor! [...] Estamos reduzidos � mendicidade. Somos oprimidos, esmagados sob o peso de um trabalho esgotador, cobertos de ultrajes [...]. � Tzar estar� tudo isto em conforme aos mandamentos de Deus em virtude do qual tu reinas? Vale a pena viver sob tais leis? [...]. Tu foste enviado a esse mundo para conduzir o povo � felicidade [...] (VOLIN, 1980, p. 66).

Como se percebe, h� uma mistura de insatisfa��o, reivindica��es e respeito. No entanto, bastaram os primeiros passos da manifesta��o para que a pol�cia e o ex�rcito reprimissem a popula��o. Foi um banho de sangue que n�o se sabe ao certo quantos morreram. Por�m, o interessante � saber que logo depois desse epis�dio a cren�a no paizinho Czar se desfazia.

Parte consider�vel dos trabalhadores russos cr�dulos que o Czar n�o sabia de seus problemas e bastava um aviso para que ele os resolvesse, passou a consider�-lo c�mplice e principal respons�vel pelas mis�rias da popula��o russa. Depois do Domingo Sangrento a luta de classes intensificava-se estourando v�rias greves e revoltas por toda a R�ssia, sendo uma das mais famosas a dos marinheiros do encoura�ado Potenkin.

Mesmo n�o derrubando o Czar, a revolu��o de 1905 abalou as estruturas imperiais, inclusive for�ando o Imperador a aceitar uma Monarquia Constitucional, sem efeito pr�tico � verdade, mas demonstrando simbolicamente que o poder de Nicolau II ru�a.

A consequ�ncia mais importante da Revolu��o de 1905 foi a forma��o dos Sovietes (Conselhos populares e oper�rios). Os trabalhadores russos encontraram uma forma de organiza��o e a��o pol�tica independente e democr�tica que se tornou c�lula b�sica proeminente na Revolu��o Socialista de outubro.

Nessa conjuntura, ganhavam for�as os partidos de orienta��o marxista como o Partido Social Democrata Russo (PSDR) que, mais tarde, dividir-se-ia em Mencheviques e Bolcheviques. Estes, sob a lideran�a de L�nin e Trotsky, tiveram papel fundamental na luta pela Revolu��o. A forma��o do PSDR, somado ao r�pido desenvolvimento da Ind�stria, da rede ferrovi�ria e do consequente crescimento do proletariado industrial, contribu�ram decisivamente para transforma��o e fortalecimento do movimento revolucion�rio russo. Todos esses elementos, unidos e em conjunto, deram as bases necess�rias para o crescimento do sentimento revolucion�rio, da teoria marxista e da posterior Revolu��o Socialista.

Esses fatores j� desenhavam um futuro revolucion�rio. Faltava algo? Um estopim? A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nesse sentido, n�o pode ser desconsiderada. Para Hobsbawm (1999,p. 61), “[...] a revolu��o foi filha da guerra do s�culo XX”.

Todos os pa�ses envolvidos sofreram forte abalo e convuls�es sociais que puseram em risco suas estruturas capitalistas. O movimento socialista toma grande envergadura, principalmente por sua campanha anti-guerra. Os soldados e a popula��o de todos os pa�ses em guerra n�o suportavam mais as consequ�ncias tr�gicas. Os soldados, cada vez mais desejosos pela paz, uniram-se �s palavras de ordem do socialismo. O mesmo pode-se falar dos oper�rios da ind�stria de armamento. Com efeito, a maior parte da popula��o e dos soldados queria a paz e s� quem apontava para esse fim eram os socialistas que, com isso, angariavam simpatias e militantes. Isso pode ser observado nas cartas dos soldados em guerra enviadas aos seus parentes, pois segundo pesquisa “[...] um ter�o da amostragem de cartas censuradas entre novembro de 1917 e mar�o de 1918 esperava obter a paz via R�ssia, um ter�o via Revolu��o, e outros 20% via uma combina��o das duas.” (HOBSBAWM, 1999, p. 66).

Para a R�ssia os efeitos da Primeira Guerra eram evidentes. A fome aumentava, milh�es de soldados morriam nos campos de batalhas e os camponeses eram expulsos de suas terras. V�rias revoltas e greves voltaram a eclodir pela R�ssia, os soldados n�o mais obedeciam �s ordens de seus governantes e o poder do Czar j� era insustent�vel.

A popula��o saiu �s ruas com a palavra de ordem: P�o, paz, terra! As respostas do governo foram repress�o e viol�ncia. Mas os trabalhadores n�o pararam as manifesta��es e os soldados e policiais tamb�m n�o tinham mais condi��es tanto materiais, quanto psicol�gicas de reprimirem as passeatas. Por fim, uniram-se aos manifestantes. Chegava a hora de derrubar o Czar!

Os acontecimentos se precipitaram quando estourou uma greve geral e houve a ocupa��o do centro da capital russa. Era janeiro de 1917 e o Czar abdicou o poder, sendo substitu�do por um governo liberal-burgu�s provis�rio, sob a lideran�a de Kerensky.

O governo provis�rio, no entanto, foi incapaz de reconhecer os anseios dos trabalhadores russos e teve o mesmo fim do governo czarista. Em certo sentido, o governo provis�rio n�o governava sozinho. Na R�ssia havia um poder dual com a consolida��o dos sovietes liderados e influenciados pelos revolucion�rios marxistas, principalmente depois do retorno do ex�lio de L�nin e Trotsky.

O governo de Kerensky n�o retirou a R�ssia da guerra. L�nin em suas Teses de Abril j� denunciava a guerra imperialista e a posi��o do governo provis�rio de permanecer no conflito armado, como tamb�m sua incapacidade de chamar uma Assembleia Nacional Constituinte. O governo provis�rio est� chegando ao fim.

O socialismo estava pr�ximo? O que era necess�rio para uma Revolu��o Socialista? Todas as condi��es na R�ssia estavam postas? Faltava algo ainda? Trotsky (1989, p. 22-23) buscava responder essas quest�es:

Para a Revolu��o de Outubro era necess�ria uma s�rie de premissas hist�ricas:

1) A podrid�o das velhas classes dominantes, da nobreza, da monarquia, da burocracia.

2) A debilidade pol�tica da burguesia que n�o tinha nenhuma raiz nas massas populares.

3) O car�ter revolucion�rio da quest�o agr�ria.

4) O car�ter revolucion�rio do problema das na��es oprimidas.

5) O peso social do proletariado. A essas premissas org�nicas � preciso juntar condi��es conjunturais de excepcional import�ncia:

6) A Revolu��o de 1905 foi uma grande li��o [...].

7) A guerra imperialista agudizou todas as contradi��es [...].

Mas todas essas condi��es, suficientes para que a revolu��o irrompesse, eram, por�m insuficientes para assegurar a vit�ria do proletariado na revolu��o. Para esta vit�ria, uma condi��o era necess�ria:

8) O partido “bolchevique”.

O partido Bolchevique tornou-se a principal organiza��o revolucion�ria na R�ssia. Em apenas oito meses, de fevereiro de 1917 a outubro do mesmo ano (calend�rio russo), o governo provis�rio foi derrubado e se instalou um governo socialista, sob a lideran�a do Partido Bolchevique. A Revolu��o Socialista triunfava. Como bem lembra Leo Hubermam (1986, p. 271): “Dezessete anos antes do fim do s�culo XIX, Karl Marx morria. Dezessete anos ap�s o in�cio do s�culo XX, Karl Marx tornava a viver”.

E os pa�ses imperialistas aceitaram a Revolu��o? Depois de assumir o poder os Bolcheviques e o primeiro Estado oper�rio do mundo tiveram que enfrentar uma violent�ssima guerra civil. Os contrarrevolucion�rios contando com o apoio dos pa�ses capitalistas organizaram um poderoso ex�rcito para derrubar o governo socialista.

Depois de dois anos de intensa batalha entre o ex�rcito contrarrevolucion�rio e o ex�rcito vermelho, comandado por Trotsky, os socialistas saem vitoriosos e iniciam a constru��o do Estado Socialista. Medidas como o Comunismo de guerra e a Nova Pol�tica Econ�mica – (NEP)3 foram tomadas no sentido de manter o governo revolucion�rio. O essencial naquele momento era manter a R�ssia um Estado oper�rio visando � consolida��o do socialismo. Da� em diante muitas foram as medidas e decis�es governamentais visando o fim supracitado.

3 � O FIM DA HIST�RIA?

Com o fim da Uni�o sovi�tica e do chamado socialismo real dos pa�ses do Leste europeu, intensificou-se mundialmente a propaganda segundo a qual o capitalismo tinha vencido a luta contra o socialismo e provado, dessa forma, sua superioridade, enquanto sistema socioecon�mico. O capitalismo havia triunfado e n�o tinha mais alternativas a ele. Era o fim da Hist�ria, da luta de classes e do comunismo.

O que restava era a reforma do capitalismo, lutar para humaniz�-lo o m�ximo poss�vel. A Revolu��o tornou-se um horizonte sombrio para muitos intelectuais e movimentos que surgiram com propostas e solu��es aos problemas do capitalismo, por dentro do pr�prio capitalismo.

Mesmo considerando toda a era de St�lin e seus sucessores, a Revolu��o de 1917 e todas as suas consequ�ncias n�o podem ser jogadas no por�o da Hist�ria. Pensar assim � se distanciar do processo hist�rico e n�o observar as grandes contribui��es trazidas pela Revolu��o, tanto para a R�ssia, quanto para o planeta.

Movimentos revolucion�rios e partidos pol�ticos surgiram por todos os lugares. Mesmo a revolu��o socialista mundial n�o acontecendo, revoltas sociais e revolu��es eclodiram em todo o mundo influenciados e orientados pelo pensamento revolucion�rio socialista. Uma alternativa ao capitalismo nascia e se corporificava. A rea��o demonstra claramente as preocupa��es dos pa�ses capitalistas. O Plano Marshal4 � apenas um dos exemplos do medo que rondava os governos capitalistas.

A Revolu��o Russa e o Estado Socialista que se constitu�a, contribuiu ironicamente at� para a melhoria das condi��es de vida dos trabalhadores das na��es capitalistas. O medo do socialismo fez com que os governos capitalistas cedessem �s press�es dos trabalhadores, melhorando suas condi��es de vida e trabalho, a fim de evitarem revoltas sociais.

Na R�ssia as mudan�as foram ainda mais vis�veis. De um pa�s atrasado em rela��o ao capitalismo europeu e semifeudal, tornou-se uma superpot�ncia industrial e militar. Segundo Trotsky (1989, p. 32), “[...] pela primeira vez na Hist�ria, o princ�pio de organiza��o socialista demonstrou a sua capacidade fornecendo resultados de produ��o jamais obtidos num curto per�odo”.

Para se ter uma ideia do desenvolvimento industrial da R�ssia, em 1932 era tr�s vezes maior que antes de 1914. Se comparado aos pa�ses capitalistas fica mais claro: “De 1925 a 1932, a produ��o industrial da Alemanha diminuiu cerca de uma vez e meia; na Am�rica, cerca do dobro; na Uni�o Sovi�tica, subiu mais do qu�druplo.” (TROTSKY, 1989, p. 33).

Muitas s�o as cr�ticas a esse desenvolvimento industrial acelerado, que evidentemente trouxe muitos problemas e efeitos danosos, especialmente para os camponeses. Mas, tamb�m, os cr�ticos se esquecem (ou fingem esquecer) que o capitalismo em toda sua exist�ncia trouxe mis�ria e guerras para a maioria da popula��o mundial.

No entanto, os erros do desenvolvimento acelerado da R�ssia devem ser atribu�dos a quem lhes cabe: St�lin, sua pol�tica governamental e toda burocracia sovi�tica instalada p�s-morte de L�nin, ex�lio e assassinato da maior parte dos bolcheviques que fizeram a revolu��o e n�o �s bases de uma sociedade socialista. Hern�ndez (2005, p. 32) nos esclarece sobre a posi��o de St�lin no debate com Trotsky: “St�lin [...] n�o s� defendia que a URSS, de forma isolada, poderia chegar ao socialismo, como achava que ela j� era socialista”.

O socialismo ainda estava em constru��o como podemos perceber nas palavras de Trotsky (1989, p. 29): “Na Uni�o Sovi�tica n�o existe ainda o socialismo, mas um estado em transi��o cheio de contradi��es, carregado da pesada heran�a do passado e, al�m disso, sob a press�o inimiga dos estados capitalistas”. Apesar de passar parte de sua vida perseguido por St�lin e seus seguidores, Trotsky, n�o obstante, em nenhum momento desacreditou ou fez an�lises que invalidassem a revolu��o e suas conquistas. St�lin deveria ser retirado do poder pela for�a dos trabalhadores e a revolu��o permanente (teoria proposta por Trotsky) posta em pr�tica; caso contr�rio, o futuro do Estado sovi�tico seria o capitalismo. Hern�ndez (2005, p. 32) acrescenta: “St�lin vulgarizou o ideal socialista. At� St�lin, para todo o marxista, o socialismo era sin�nimo de um regime superior ao capitalismo em todos os terrenos. A partir de St�lin, o socialismo come�ou a ser identificado com a socializa��o da mis�ria”.

A URSS saiu da Revolu��o de Outubro como um Estado oper�rio. A estatiza��o dos meios de produ��o, condi��o necess�ria ao desenvolvimento socialista, abriu a possibilidade de um crescimento r�pido das for�as produtivas. Mas o aparelho sovi�tico sofreu, nesse meio tempo, uma degeneresc�ncia completa: de arma da classe oper�ria converteu-se em instrumento de viol�ncia burocr�tica contra a classe oper�ria, e, cada vez mais, em instrumento de sabotagem contra a economia do pa�s. A burocratiza��o de um Estado oper�rio atrasado e isolado e a transforma��o da burocracia em casta privilegiada todo-poderosa � a refuta��o mais convincente n�o somente te�rica, mas tamb�m, pr�tica, da teoria do socialismo em um s� pa�s (TROTSKY, 2004, p.48).

No campo cultural, “[...] o simples fato de a Revolu��o de Outubro ter ensinado ao povo russo, �s dezenas de povos da R�ssia czarista, a ler e escrever coloca-se incomparavelmente acima do que toda a cultura russa encerrava antes.” (TROTSKY, 1989, p. 35). A cria��o e prolifera��o das escolas e universidades e at� atos simb�licos como as reformas do calend�rio e da ortografia demonstram o quanto a Revolu��o de 1917 contribuiu culturalmente para os trabalhadores russos.

Pouco tempo depois da insurrei��o, um dos generais czaristas, Zaleski, escandalizava-se com o fato de um porteiro ou um guarda se tornar um presidente de tribunal; um enfermeiro, um diretor de hospital; um barbeiro, uma personalidade importante; um soldado, um comandante supremo; um jornalista, um prefeito; um serralheiro, um diretor de empresa. (TROTSKY, 1989, p. 37).

Diante de todos os problemas enfrentados e erros cometidos, apesar da burocracia sovi�tica ter soterrado um projeto de constru��o do socialismo e edifica��o do comunismo no per�odo em que estavam no poder na R�ssia, n�o se pode negar que a constru��o de um Estado com os princ�pios de organiza��o socialista contribuiu decisivamente para as conquistas sociais e trabalhistas de milh�es e milh�es de trabalhadores por todos os continentes.

Nesse sentido, o Socialismo como horizonte foi um forte alicerce para a luta pol�tica dos trabalhadores em todos os continentes. Na �frica, por exemplo, nas resist�ncias di�rias ao Imperialismo europeu, a teoria socialista foi fundamental para o processo de descoloniza��o. L�deres da independ�ncia africana como Kwame Nkrumah,

W.E.B Du Bois, George Padmore, Jomo Keniata, Am�lcar Cabral, Patrice Lumumba e Frantz Fanon n�o apenas discutiram a necessidade de unifica��o dos pa�ses africanos, mas que essa unidade teria que ocorrer nos marcos do Socialismo. Serrano e Waldman (2007, p. 236) reafirmam a import�ncia do socialismo e da forma��o da Uni�o Sovi�tica no processo de descoloniza��o da �frica:

[...] a irrup��o da Uni�o Sovi�tica como superpot�ncia foi outro fator que minou a presen�a colonial na �frica. A URSS e os pa�ses do bloco socialista prestaram importante apoio financeiro, pol�tico e militar para os movimentos de liberta��o, em v�rios momentos fator decisivo para a expuls�o dos colonialistas.

N�o por acaso em Angola, Mo�ambique, Nig�ria, Guin�-Bissau e �frica do Sul tivemos a forma��o de in�meras organiza��es paramilitares patrocinadas pelo imperialismo europeu e americano com o objetivo de desarticular as organiza��es e l�deres africanos socialistas.

4 A INFLU�NCIA DO SOCIALISMO, MARXISMO E REVOLU��O RUSSA NAS LUTAS DE RESIST�NCIA DA JUVENTUDE DE PERIFERIA: algumas reflex�es

Em outras partes do mundo, e onde menos se esperava, o ideal socialista fortalecido com a Revolu��o Russa foi fundamental para iniciativas de organiza��es pol�ticas, sociais e culturais. Parte significativa da juventude negra brasileira, durante a d�cada de 1980 e 1990, por exemplo, como evidenciado em Santos (2012, 2015), as formas de organiza��o pol�tico-culturais tiveram como meta a constru��o do Socialismo. Nestes trabalhos constatou-se que essa juventude se organizou por meio do movimento Hip-Hop5 organizado em diversas partes do Brasil e do mundo e que o marxismo e o socialismo estavam entre as principais correntes de pensamento pol�tico presentes nessas organiza��es.

Essas organiza��es da juventude negra passaram a fazer grupos de estudo e ter acesso aos autores da teoria marxista e da hist�ria da Revolu��o Russa. Com efeito, o marxismo e o socialismo, fortalecidos e difundidos pela Revolu��o de Outubro de 1917, se tornaram instrumentos de luta, aprendizado e a��es pol�ticas que envolveram reciprocamente quest�es culturais, raciais e de classe no interior da juventude da periferia. (SANTOS, 2015).

Entender esse aspecto requer despir-se de todos os preconceitos economicistas impregnados em muitas das produ��es que dizem ser marxistas em �mbito mundial e dos conceitos monol�ticos, fechados e europeizados que o eurocentrismo e a ideia de democracia racial consolidaram em um certo marxismo de vi�s stalinista no Brasil.

Assim, a primazia dada � luta sindical e o desprezo aos movimentos culturais � tamb�m reflexo desse desvio economicista e euroc�ntrico do materialismo vulgar no Marxismo. A luta de classe nesta perspectiva � movida �nica e exclusivamente por fatores de ordem econ�mica.

Os movimentos sociais e a disputa pela dire��o cultural na sociedade civil tamb�m foram relegados a um plano secund�rio ou mesmo insignificante. A rela��o entre a infra e superestrutura foi fossilizada na ideia de sobredetermina��o, em quaisquer circunst�ncias, daquela sobre esta. Por entender a domina��o como resultante da explora��o entre as classes, esqueceram estes que a luta contra as opress�es levadas a cabo pelos movimentos sociais e culturais s�o, da mesma forma, parte da luta contra a explora��o capitalista. A emancipa��o do proletariado envolve a luta contra a domina��o, a explora��o e a humilha��o inerentes � sociedade burguesa. Portanto, n�o existe antinomia entre movimentos pol�ticos e sindicais e a��es de movimentos sociais.

O marxismo, conforme nos mostra Boron (2007, p. 180), n�o � uma colcha de retalhos te�rico-metodol�gicos, pelo contr�rio, � antes de tudo “[...] uma teoria que coloca uma reflex�o integral sobre a totalidade dos aspectos que constituem a vida social, superadora da fragmenta��o caracter�stica da cosmovis�o burguesa”.

Portanto, se o Marxismo � a teoria da totalidade, n�o pode haver primazia absoluta de uma esfera sobre a outra:

O que deve haver, e afortunadamente h�, � um corpus te�rico totalizante que unifique diversas perspectivas de an�lise sobre a sociedade contempor�nea, nenhuma das quais pode, por si s�, iluminar satisfatoriamente um aspecto isolado da realidade. � esse, precisamente, o tra�o distintivo do materialismo hist�rico. (BORON, 2007, p. 178).

N�o s� n�o h� incompatibilidade entre ra�a e classe, como tamb�m n�o existe entre a luta pol�tica e a disputa ideol�gica ou a luta por hegemonia no �mbito dos movimentos pol�tico-culturais, a exemplo do Hip-Hop ou outras express�es culturais como o reggae, o funk e mesmo o samba. O que vemos � a unidade na diversidade do proletariado. Uno enquanto classe social, mas diverso em sua forma��o hist�rico-concreta e cultural. Trotsky (2009) enfatiza esse aspecto no livro A Quest�o de Modo de Vida escrito no contexto de ascens�o do stalinismo na R�ssia. Segundo o autor:

A poderosa unidade social que representa o proletariado surge em toda a sua amplitude nas �pocas de luta revolucion�ria intensa. Mas no interior dessa unidade, observamos ao mesmo tempo, uma incr�vel diversidade e mesmo uma grande heterogeneidade [...] cada camada social, cada oficina de empresa, cada grupo, � constitu�do por indiv�duos de idade e car�ter diferentes, de passado diversificado. Se n�o existisse essa diversidade, o trabalho do partido comunista no dom�nio da educa��o e da unifica��o do proletariado seria de todo simples. Pelo contr�rio, o exemplo da Europa prova-nos quanto esse trabalho � na realidade dif�cil. Pode-se dizer que quanto mais a hist�ria de um pa�s e, portanto, a hist�ria da pr�pria classe oper�ria, � rica, mais reminisc�ncias, tradi��es e h�bitos nela se encontram, quanto mais os grupos sociais nela s�o antigos, mais dif�cil � realizar a unidade da classe oper�ria” (TROTSY, 2009, p. 11).

Trotsky (2009, p. 8), ao escrever esse livro, estava criticando o economicismo dos artigos do jornal Pravda do partido Bolchevique, alertando para o risco deste n�o se transformar em uma imprensa “[...] destinada unicamente ao pessoal dos sindicatos” e na sequ�ncia prop�e uma esp�cie de militantismo cultural com vistas a garantir a consolida��o da Revolu��o de outubro:

[...] a revolu��o � acima de tudo o despertar da personalidade humana em camadas que outrora nenhuma personalidade possu�a. Apesar de toda a crueza e sangrenta ferocidade de seus m�todos, a revolu��o �, sobretudo, um despertar do sentimento humano; permite progredir, dar mais aten��o � dignidade pr�pria e alheia, ajudar os fracos e sem defesa. (TROTSKI, 2009, p. 55).

Essa mesma quest�o pode ser levantada quando falamos da juventude de periferia no Brasil e de suas a��es culturais. A ideia comumente partilhada entre aqueles que observam a cultura da juventude de periferia � com o olhar do colonizador (de fora) que atrela as suas produ��es culturais � marginalidade, destrui��o e – muitas vezes – como uma cultura americanizada e enlatada, quando n�o ex�tica, a exemplo do que se fala do Hip-Hop e do funk, ou externa � cultura tradicional e local como s�o as acusa��es feitas – principalmente pelos membros da Academia Maranhense de Letras – ao reggae em S�o Lu�s do Maranh�o.

Ainda que muitas dessas express�es culturais da juventude de periferia seja uma cultura cujo desenvolvimento deu-se nos Estados Unidos ou outras regi�es e que se expandiu para o terceiro mundo a partir da d�cada de 1980, em decorr�ncia do processo de globaliza��o do capital, � preciso considerar o seu processo de deglutina��o nacional e regional no contexto de sua inser��o ou incorpora��o no ethos de uma determinada cultura nacional.

Isso � importante se considerarmos alguns autores (ABRAMO, 1994; ABRAMOVAY et al., 1999; HERSCHAMANN, 2005) quediscutem e analisam a juventude brasileira, em especial da d�cada de 1990, como uma juventude dist�pica, ou seja, sem prop�sitos de transforma��o da realidade ou sem nenhuma refer�ncia em rela��o � luta de classes. A percep��o da realidade vivida na periferia seria descrita por essa juventude de forma apocal�ptica. A mis�ria, a viol�ncia, os problemas familiares seriam amplificados e ao futuro caberia apenas a cadeia ou a morte. (ABRAMO, 1994). Como disse Herschmann (2005, p. 58-59):

Os grupos juvenis recentes caracterizam-se por uma busca de intensidade no lazer, em contraposi��o a um cotidiano que se anuncia como med�ocre e insatisfat�rio. Eles parecem assumir o fato de que n�o t�m e n�o s�o capazes de produzir grandes projetos de transforma��o, e que sua a��o genu�na s� pode ser a de assumir a perplexidade, denunciar o presente e submeter � prova os projetos existentes.

Contudo, n�o � de qualquer juventude que se discorre aqui, mas de uma juventude situada historicamente com sua condi��o de classe e ra�a, moradora das periferias das grandes cidades e que de uma forma ou de outra – mesmo em situa��es de viol�ncia – expressa determinadas resist�ncias ao sistema capitalista e as ideologias que o refor�am. Juventude envolvida em gangues ou em movimentos organizados, sem objetivos pol�ticos ou com intencionalidade revolucion�ria, enfim, juventude que pelas condi��es materiais na qual se encontra � potencialmente perigosa para as classes dominantes.

Por meio de sua cultura, de suas formas de resist�ncia, de sua inser��o na sociedade de classes e no neoliberalismo reflete sobre as rela��es entre arte, revolu��o e organiza��o pol�tica, mas acima de tudo, constr�i diversas formas de luta, conquista e aspira��es por mudan�a e melhoria nas condi��es de exist�ncia.

Assim como a hist�ria n�o deve ser pensada como um filme, a cultura globalizada n�o pode ser analisada como uma fotografia, ou seja, im�vel e est�tica. A cultura, seja ela qual for, deve ser considerada em seu aspecto hist�rico e dial�tico.

� por tal raz�o que devemos considerar o ser humano real que por meio do seu trabalho produz cultura, se entende socialmente, se conscientiza de suas tarefas para melhorar a humanidade e com isso luta para transformar o mundo em que vive.

5 CONCLUS�O

Quantos carrascos do socialismo j� existiram na humanidade? Quantas vezes n�o j� mataram o comunismo? Dezenas? Milhares? O socialismo morreu? Vejam Cuba, por exemplo, um Estado que n�o � socialista e que a cada dia se consolida como um pa�s capitalista, mas s� pelo fato de organizar-se, depois da Revolu��o Cubana, com princ�pios de organiza��o socialista trouxe mudan�as substanciais para a vida dos trabalhadores cubanos, a ponto de seus estudantes escreverem um cartaz, quando da visita do Papa Jo�o Paulo II a Cuba, dizendo o seguinte: “[...] neste natal centenas de milh�es de crian�as v�o morrer de fome, nenhuma dessas crian�as � cubana” .

O socialismo morreu? A lei, a justi�a e a Hist�ria v�lidas s�o as do capitalismo? Deixaram de nascer pessoas exploradas e discriminadas nas favelas, periferias e comunidades pobres pelo mundo? Os adolescentes do oriente m�dio fogem de medo dos tanques israelenses ou os enfrentam com pedras? As revoltas sociais e greves dos trabalhadores n�o existem mais? A ocupa��o e luta pela terra deixou de existir? Com o fim do partido Bolchevique acabaram-se os partidos revolucion�rios?

Este texto posiciona-se contr�rio �s afirma��es que o socialismo morreu e o que fim da hist�ria j� est� posto. Por essa raz�o, busca-se a partir das reflex�es deste artigo demonstrar que a Revolu��o Russa de 1917, com suas conquistas e contradi��es, influenciaram a organiza��o pol�tica e a conquista da classe trabalhadora no mundo inteiro, bem como de parte significativa da juventude de periferia no Brasil; que o socialismo continua vivo e a luta pelo comunismo, apesar de suas mortes di�rias, sempre ressuscita no outro dia.

Como conflito mundial contribuiu para as profundas mudanças ocorridas na Rússia?

Em 1904, a Rússia entrou em conflito com o Japão pelos territórios da China e da Manchúria. Em 1905, a Guerra Russo-Japonesa acabava com a derrota russa e a oposição ao czar ganhou força. Descontente com a desorganização da economia gerada pelo conflito e humilhados pela derrota, o povo iniciou a Revolução de 1905.

Como a Primeira Guerra Mundial contribuiu para a Revolução Russa de 1917 na Rússia?

As derrotas sofridas pelo exército russo e a situação de crise econômica vivida no país durante o conflito (desabastecimento, fome, inflação), acabaram acirrando as tensões sociais que já existiam no pais desde antes do conflito e precipitaram um desfecho revolucionário.

Quais foram as consequências da Revolução Russa para o mundo?

Consequências da Revolução Russa: Queda da Monarquia. Instauração do Governo Provisório e crescimento dos Sovietes. Retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial.

Quais foram as consequências da participação russa na Primeira Guerra Mundial?

Atuação da Rússia na Primeira Guerra Mundial As consequências foram derrotas em várias batalhas que deixaram a Rússia enfraquecida e economicamente desorganizada.