O tema da pertinência temática para os legitimados pelo art. 103, da Constituição Federal, para o controle abstrato de normas, trata-se de um tema que não tem suscitado algumas reflexões no seio da doutrina constitucionalista. Show
O presente artigo visa buscar elementos que possam embasar a tese de inconstitucionalidade da construção jurisprudencial da pertinência temática do rol taxativo e contido no art. 103, da CF. 2 – A PERTINÊNCIA TEMÁTICA COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADESegundo o art. 103 da Constituição Federal, com redação dada pela EC nº 45/2004, podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (I) o Presidente da República; (II) a Mesa do Senado Federal; (III) a Mesa da Câmara dos Deputados; (IV) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (V) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (VI) o Procurador-Geral da República; (VII) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (VIII) partido político com representação no Congresso Nacional; (IX) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A Lei n. 9868/99, por meio de seu art.2º, reproduz a relação de legitimados ativos para o controle abstrato, conforme o teor do art. 103 da CF. Por seu turno, a Lei n. 9.8882/99, que trata da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em seu art. 2º, inc. I, dispõe que podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade. Para alguns desses legitimados para o controle concentrado de normas, o Supremo Tribunal Federal, por meio de sua jurisprudência, construiu o que ele próprio chamou de pertinência temática, sendo isto, nas palavras da lavra do Min. CELSO DE MELLO:
Diante disso, estão previstas duas “classes” de legitimados, a dos legitimados universais e a dos legitimados especiais. Assim, os legitimados especiais são os que necessitam demonstrar a pertinência temática, ou seja, a relação de “adequação entre o interesse específico para cuja tutela foram constituídos e o conteúdo da norma jurídica argüida como inconstitucional”, estando estes descritos nos incs. IV, V e IX do art. 103, ou seja, as Mesas das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa (ADI 1307, Rel. Min. FRANCISCO RESEK) e Governadores de Estado e Distrito Federal (ADI 902, Rel. Min. MARCO AURÉLIO) – com a necessidade de que a ação direta de inconstitucionalidade é admissível desde que a lei ou ato impugnado diga respeito à entidade federativa respectiva (ADI 733, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE) – , bem como as confederações sindicais (ADI 1151, Rel. Min. MARCO AURÉLIO) e entidades de classe de âmbito federal (ADI 305, Rel. Min. PAULO BROSSARD) – sendo que a ação direta de inconstitucionalidade é admissível desde que a lei ou ato normativo impugnado diga respeito aos filiados ou associados respectivos (ADI 1464, Rel. Min. MOREIRA ALVES) -, com fulcro nos incs. IV, V e IX do art. 103 da CRFB e do art. 2º da Lei nº 9.868/99. Assim, para a jurisprudência do STF, “a legitimidade ativa destes, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação” (ADI 1507, Rel. Min. CARLOS VELLOSO).[1] Em outra esteira, para os legitimados ditos “universais” não é requerido demonstrar qualquer relação institucional com a matéria impugnada, por meio de requisito de admissibilidade, “pois o interesse genérico em preservar a supremacia da Constituição decorre das suas atribuições institucionais.”[2] Assim, são legitimados universais o Presidente da República, as Mesas do Senado Federal e Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional (ADI 1396, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), com fundamento nos incs. I, II, III, VI, VII e VIII do art. 103 da Constituição Federal. Assim, a pertinência temática nos termos apresentados foi construída jurisprudencialmente, visto que a Constituição, ou qualquer norma, dispõe algo nesse sentido. Em palavras pretensiosamente mais claras, o Supremo Tribunal Federal, por meio de suas decisões, erigiu a necessidade de comprovação da pertinência temática a um requisito de admissibilidade para a proposição de ações no controle abstrato de normas, em relação a alguns legitimados ativos. Diante disso, um questionamento pode ser feito: poderia o Supremo Tribunal Federal prever um requisito de admissibilidade que nem a norma suprema do nosso país prevê? A resposta só pode ser uma: não! 3 – A INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DA PERTINÊNCIA TEMÁTICAO Supremo Tribunal Federal, ao querer a comprovação da pertinência temática, como um requisito de admissibilidade, tem atuado como legislador positivo, substituindo de modo temerário o Congresso Nacional, ou mesmo o Poder Constituinte. Bem, se a Constituição não faz qualquer exigência para os legitimados ativos para o controle abstrato de constitucionalidade de normas, não poderia o STF fazê-la. Até mesmo uma lei que preveja o requisito da pertinência temática seria, a nosso sentir, de constitucionalidade duvidosa. À propósito do tema, GILMAR MENDES pondera que:
Por isso, a fixação de tal exigência parece ser defesa ao legislador ordinário federal, no uso de sua competência específica. Assinale-se que a necessidade de que se desenvolvam critérios que permitam identificar, precisamente, as entidades de classe de âmbito nacional não deve condicionar o exercício do direito de propositura da ação por parte das organizações de classe à demonstração de um interesse de proteção específico, nem levar a uma radical adulteração do modelo de controle abstrato de normas. Consideração semelhante já seria defeituosa porque, em relação à proteção jurídica dessas organizações e à defesa dos interesses de seus membros, a Constituição assegura o mandado de segurança coletivo (Art. 5º, LXX, b), o qual pode ser utilizado pelos sindicatos ou organizações de classe, ou, ainda, associações devidamente constituídas há pelo menos um ano. Uma tal restrição ao direito de propositura, além de não se compatibilizar, igualmente, com a natureza do controle abstrato de normas, criaria uma injustificada diferenciação entre os entes ou órgãos autorizados a propor a ação, diferenciação essa que não encontra respaldo na Constituição.[3] Em sentido aparentemente contrário à jurisprudência firmada no sentido da necessidade da pertinência temática, o STF, na ADI 1254-MC-AgR, da relatoria do Min. CELSO DE MELLO, entendeu que o controle abstrato de normas é de índole objetiva, não podendo qualquer pessoa, que se sinta prejudicado pela norma atacada, ser legitimado para a impulsão do controle abstrato, mesmo que tenha legítimo interesse:
Ou seja, no julgado logo acima citado, o STF, a nosso ver, acertadamente considera o controle abstrato de normas um processo objetivo, que dentre outras características, não se têm “partes” no sentido processual mais técnico. Todavia, quando o STF prevê a necessidade de comprovação da pertinência temática, não faz outra coisa se não prever um requisito de processo subjetivo, qual seja, a comprovação de que os efeitos da norma guerreada irão prejudicar o legitimado constitucional. Ora se uma norma jurídica é atacada por meio do controle abstrato, significa que ela goza dos requisitos de abstratividade, generalidade e efeito erga omnes. Contudo, o STF justamente requer que os “legitimados especiais” justifiquem a sua legitimação por meio de comprovação de efeitos concretos e individuais. Com efeito, uma norma inconstitucional não só prejudica um específico grupo ou grupo temático, ela desafia todo um ordenamento jurídico e deve ser banida do sistema normativo pátrio. Sabiamente, a Constituição Federal, ao prever um largo rol de legitimados para a proposição das ações diretas no controle concentrado de constitucionalidade, fez com vistas a pluralizar a possibilidade de proposição desse tipo de ação. A respeito da pluralização dos intérpretes da Constituição, PETER HÄBERLE afirma que:
Se se considera que uma teoria constitucional deve encarar seriamente o tema “Constituição e realidade constitucional” – aqui se pensa na exigência de incorporação das ciências sociais e também nas teorias jurídico-funcionais, bem como nos métodos de interpretação voltados para atendimento do interesse público e do bem-estar geral –, então há de se perguntar, de forma mais decidida, sobre os agentes conformadores da “realidade constitucional.[4] GILMAR MENDES, ainda sobre o tema proposto por PETER HÄBERLE, aduz:
Assim, o interesse geral de guarda da Constituição é validado pela tese da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, em que todos podem pugnar pela ordem no sistema normativo por meio de um procedimento pré-estabelecido e sem surpresa jurisprudencial. Aliás, a jurisprudência de um Tribunal pode ser alterada, diga-se, em qualquer posterior julgamento pela simples mudança de entendimento da matéria, o que pode gerar sérios prejuízos ao ordenamento em decorrência do desrespeito ao princípio-informador da segurança jurídica pelo próprio STF. CLÉMERSON MERLIN CLÉVE, a par do tema, revela que “a pertinência temática é um sucedâneo do interesse de agir do processo subjetivo”[6]. ANDRÉ RAMOS TAVARES arremata que essa junção “é extremamente prejudicial à clara compreensão do processo de índole objetiva.” Ou seja, o STF vem aplicando/criando normas processuais no controle abstrato de normas que são alheios ao processo objetivo.[7] Ao que parece, de acordo com a jurisprudência em relação à pertinência temática, o STF acaba criando uma espécie de “interesse processual objetivo”. Todavia, no magistério de LUIZ FUX, o interesse de agir revela-se como um “direito subjetivo”:
Nesse sentido, o fato de uma lei ser inconstitucional e a Constituição não determinar qualquer balizamento para a atuação dos legitimados “especiais” descritos no art. 103 é suficiente como motivo para se mover a máquina jurisdicional suprema do nosso país. A guarda da Constituição cabe precipuamente ao STF. Mas não só! Não cabe à nossa Suprema Corte definir quem pode defender mais ou menos a nossa Constituição, se o Poder Constituinte assim não o fez. Ademais, se fosse possível e tolerável a pertinência temática para a legitimidade da atuação ativa no controle abstrato de normas, qualquer pessoa que comprovasse a relação causa e efeito para com a norma atacada estaria legitimado. Contudo, esse entendimento como visto acima nas palavras do Min. CELSO DE MELLO, na ADI 1157-MC, não deve prosperar. Até porque segundo o próprio STF, em reiterados julgado entende, a nosso ver, acertadamente, que o rol do art. 103 é taxativo:
Ou seja, a taxatividade do rol contido no art. 103, da CF, deve ser o único balizador dos sujeitos ativos do controle concentrado normativo brasileiro. Não ousamos, contudo, em negar a sedução jurídica que a tese da pertinência temática pode nos causar, mas acontece que o STF, embora sendo a nossa Corte máxima, está sujeita a regras constitucionais, não podendo de forma alguma legislar no sentido de estabelecer qualquer requisito processual, e não cansamos de repetir, que a Constituição não o fez.[9] Para a pertinência temática ser possível, teria que se seguir, por exemplo, o mesmo processo legislativo do requisito da repercussão geral, que é um requisito de índole constitucional, efetivado com a EC n. 45/2004. Não precisa demonstrar pertinência temática para ajuizar ADI?Legitimados ativos universais: não precisam demonstrar pertinência temática. Poderão questionar qualquer lei ou ato normativo sem ter que demonstrar para o STF o nexo de causalidade entre o conteúdo do objeto impugnado e o interesse por ele representado.
Quem tem pertinência temática para ajuizar ADI?Assim, são os universais:. Presidente da República.. Procurador Geral da República.. Mesa da Câmara dos Deputados.. Mesa do Senado Federal.. Conselho Federal da OAB.. Partido Político com representação no Congresso Nacional.. Quem não possui legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade?Cumpre Ressaltar que a Mesa do Congresso Nacional (artigo 57§5º da CF/88) não tem legitimidade para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
É legitimado para propor a ação declaratória de constitucionalidade sem necessidade de comprovação de pertinência temática?O Governador do Estado é considerado legitimado universal e, portanto, assim como Presidente da República, pode propor tanto Ação Direta de Inconstitucionalidade quanto Ação Declaratória de Constitucionalidade sem necessidade de comprovar a chamada pertinência temática.
|