Em acordão recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) declarou inidônea para licitar e contratar com a Administração Pública Federal, por três anos, empresa considerada integrante de cartel para fraudar licitações para as obras da Refinaria Abreu e Lima em Ipojuca/PE, também denominada de Refinaria do Nordeste (Rnest), que totalizaram o montante de R$ 12,94 bilhões. No entanto, a empresa sancionada apenas recebeu o convite para participar da licitação, sem ter efetivamente participado do certame.
Argumentos de defesa
Dentre outros argumentos, a empresa julgada inidônea questionou a aplicabilidade da sanção, visto que, ao não ter apresentado propostas, mas apenas ter sido convidada a participar da licitação (na modalidade convite), não poderia ser considerada “licitante” – condição para a aplicação da sanção de inidoneidade pelo TCU. Para corroborar seu argumento, a empresa trouxe uma série de julgados do Superior Tribunal de Justiça, além de entendimentos da doutrina especializada, no sentido da impossibilidade de se interpretar extensivamente em desfavor do acusado no âmbito do direito administrativo sancionador.
Fundamentos da decisão
Contudo, o argumento da empresa não foi acatado. O TCU entendeu que o termo ‘licitante’ não deveria ser interpretado de forma literal, mas, pelo contrário, de forma extensiva, mais ampla, para abarcar a situação de empresas que contribuam, direta ou indiretamente, para a fraude de certame licitatório, mesmo que não tenham oferecido propostas.
O entendimento do TCU é calcado em precedente do Supremo Tribunal Federal (RHC 106481/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia) de que a “interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis“.
Para a Corte, sendo o propósito da norma coibir o cometimento de fraude à licitação, seria antijurídica a interpretação que, feita à ‘letra da lei’, obstasse a realização desse propósito. Assim, seria inaceitável que empresas que não se enquadrem estritamente no conceito literal de licitante não possam ser apenadas por fraudes e atos ilícitos relacionados a contratações públicas.
Portanto, o fato de a empresa não ter oferecido propostas nas licitações, por si só, não afastaria a possibilidade de sofrer a declaração de inidoneidade, haja vista sua suposta inequívoca conexão com as demais construtoras integrantes do cartel, as quais teriam atuado conjuntamente para a perpetração do mesmo objetivo – fraudar licitações.
O Tribunal, ao menos, deixou de aplicar a sanção em seu máximo (5 anos), como normalmente acontece. Ele limitou a inidoneidade da empresa em 3 anos, pois a pena máxima deveria ser restrita a condutas mais gravosas, como a apresentação de proposta próxima ao limite admitido, a fim de vencer sem real concorrência o certame e celebrar contrato com preços acima do mercado.
Questões para o futuro
Frise-se ainda que a Lei n° 14.133/21 (Nova Lei de Licitações) trouxe expressamente, em seu art. 6°, IX, o conceito de licitante: “pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, que participa ou manifesta a intenção de participar de processo licitatório, sendo-lhe equiparável, para os fins desta Lei, o fornecedor ou o prestador de serviço que, em atendimento à solicitação da Administração, oferece proposta”.
Observa-se que a conduta da empresa sancionada também não se enquadraria no conceito trazido pela Nova Lei, pois não participou da licitação, não manifestou interesse em participar nem ofereceu proposta em atendimento a solicitação da Administração (hipótese de equiparação legal). Pelo contrário, a empresa estatal convidou a empresa sancionada a participar do certame e o convite sequer foi aceito. Então, o que está em pauta é uma punição por omissão, já que a empresa não chegou a apresentar proposta.
A questão que fica é se o TCU, nas licitações regidas pela Nova Lei, continuará a alargar o conceito de licitante em desfavor da empresa a ser sancionada ou se a conceituação legal imporá limites ao Tribunal, em deferência à vontade do legislador.
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