Qual o recurso cabível da decisão do indeferimento pelo juiz do pedido de recuperação judicial?

Sim, este título está correto. Por mais estranho que possa parecer, não se trata de nenhuma abstração extravagante ou delírio hermenêutico. Contudo, para que se possa chegar a conclusão antecipada no título, desenvolve-se o raciocínio jurídico necessário. É sabido que as hipóteses de agravo estão previstas no art. 1.015, CPC [1] de forma que se pode concluir que nem todas as decisões proferidas em Juízo são agraváveis. Para tanto, para que se depreenda quais são e não são, deverá ser realizada algumas diferenciações delas. A primeira é: se a decisão em análise é interlocutória ou não. Excetuadas as previsões estabelecidas no parágrafo único do art. 1.015, CPC, só são passíveis de interposição do Agravo de Instrumento as decisões interlocutórias. As decisões interlocutórias, por sua vez, são todas aquelas com conteúdo decisório que não estão previstas no art. 203, §1º [2]. Ou seja, a definição de decisão interlocutória é residual. Sendo deste tipo, então, passa-se à segunda diferenciação necessária: a análise da “agravabilidade” da decisão, pois mesmo sendo interlocutória, pode não ser agravável.

Tal determinação será estabelecida pelo rol do art. 1.015. Quer-se dizer: se este rol (somado à legislação extravagante que faça a previsão expressa da possibilidade) não prever a possibilidade de interposição do recurso, a decisão não é agravável. Destaca-se, ainda, que limita-se à interpretação restritiva no presente caso (vez que é suficiente para análise que se segue), sem, contudo, ignorar a mitigação do rol, possibilitada pelo Tema 988 do STJ [3]. As agraváveis, assim, se não recursadas estão sob a sujeição da preclusão; as não agraváveis, por sua vez, não precluem sob a ausência de interposição do Agravo de Instrumento no prazo legal, porém, estão sob este risco frente a Apelação e as Contrarrazões da Apelação (art. 1.009, §1º[4]).

Pois bem. Analisa-se, portanto, estes dois conceitos principais, um decorrente do outro: 1) A taxatividade legal [5]; e 2) se omissa é a lei, agravável não é a decisão. O inciso XIII do art. 1.015 do CPC, prevê que se outra lei, mais especifica, determinar a agravabilidade de determinada decisão, ela o será: Se omissa a lei mais específica, aplica-se o que está disposto no CPC. Se não previsto no CPC, por conseguinte, não será agravável e, portanto, caberá somente a interposição de Apelação em seu devido momento. Então sigam o raciocínio frente à Lei de Falências (Lei 11.101/05), pois é ela que versará sobre a Habilitação de Crédito na Falência.

A referida Lei de Falências, alterada recentemente pela Lei 14.112/20, versava sob uma série de possibilidades que causavam estranheza àqueles não familiarizados com a matéria. Isso porque, altera o rito geral de recorribilidade do CPC em alguns dos seus artigos. Veja-se: “O agravo de instrumento é, via de regra, o recurso interposto contra decisões interlocutórias. Nada impede, porém, que o legislador eleja hipóteses de sentenças agraváveis e decisões interlocutórias apeláveis. No caso especifico da falência, há uma sentença agravável” [6]. O autor referencia, no caso, aos arts. 99 e 100 da Lei [7]. Outra “anomalia” das falências tratava das Impugnações de Crédito.

Este tipo de ação, associada à falência (e nela prevista) trata das Habilitações de Crédito retardatárias. Explica-se. Diante da decretação da falência de uma empresa – realizada pela sentença proferida pelo Juízo falimentar – o juiz ordenará a publicação de edital eletrônico com a relação de credores apresentada pelo Falido [8]. Desta relação, por sua vez, os credores poderão apresentar suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados, diretamente ao Administrador Judicial [9] (normalmente feito por e-mail). Contudo, se tais Habilitações excederem o prazo de 15 dias previsto, serão recebidas como retardatárias e processadas como Impugnações de Crédito, de acordo com o rito previsto na Lei de Falências [10].

Pois bem, nestas Impugnações, apresentava-se uma das anomalias já mencionadas, pois das Sentenças que julgassem os pedidos nas habilitações, caberiam Agravos de Instrumento [11]. Contudo, sempre foi habitual nos processos falimentares que o Credor, assim que soubesse do edital previsto em Sentença que decretou a falência, ajuizasse ação de Habilitação de Crédito perante o Juízo. Contudo, durante o período de verificação administrativa de créditos, tais Habilitações devem ser direcionadas diretamente ao Administrador Judicial, de forma que, às ações extemporâneas (interpostas em juízo antes de findo o prazo se habilitações e divergências administrativas), o Juízo competente pode tomar duas atitudes. A primeira, e mais comum, está na suspensão do procedimento até a publicação do edital previsto no art. 7º, §2º [12], quando tem início o prazo para a propositura de habilitações e impugnações de crédito.

Contudo, para fins do presente artigo, tais ações ainda podem ser sentenciadas com a extinção sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI do CPC [13], frente a ausência de interesse processual do credor naquele momento, vez que o crédito não perpassou pela análise administrativa[14]. Pois bem. A Lei de falências, anteriormente à Lei 14.112/20 nada versava sobre tais Sentenças (pois limitava-se às ações de Impugnação de Crédito), de forma que, conforme destacado no início deste texto, caberia o recurso de Apelação frente à sentença terminativa do procedimento. Mas, uma alteração se fez na Lei de Falências.

Antes da recente alteração, as “anomalias” se restringiam aos poucos casos analisados. Mas, quando do Art. 189, previa que “Aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei” – o que corroboraria à conclusão que se chega no parágrafo anterior -, decorreu-se o inciso II do seu §1º, que se desapercebido, poderá resultar na inadmissão ex officio do recurso de Apelação à Sentença que extinguir a Habilitação de Crédito extemporânea. Isso pois, vez que o artigo mencionado começou a viger com o texto que se segue, há inadequação da via eleita, sem poder se alegar o princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de erro grosseiro frente a previsão legal expressa. Veja-se:

Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei.     (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)    (Vigência)

  • 1º Para os fins do disposto nesta Lei:     (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)    (Vigência)

II – as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa.

Enfim. Esta é a realidade com a qual os advogados da área têm de lidar: em face da Sentença que extingue Habilitação de Crédito em falência – prevista na Lei 11.101/05 (alterada pela 14.112/20) e, considerando que não há previsão do cabimento do recurso de Apelação contra a sentença terminativa neste caso – inverte-se a regra geral do CPC, e a decisão somente será recorrida por meio do Agravo de Instrumento.

Rafael de O. W. Fagundes

[1] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I – tutelas provisórias; II – mérito do processo; III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI – exibição ou posse de documento ou coisa; VII – exclusão de litisconsorte; VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ; XII – (VETADO); XIII – outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

[2] Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

[3] Tese firmada: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. Disponível em: //processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=988&cod_tema_final=988

[4] Art. 1.009. Da sentença cabe apelação. § 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

[5] Ou seja, “Somente a lei pode criar hipóteses de decisões agraváveis na fase de conhecimento…” (DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 208)

[6] DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 207

[7] Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações; Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação.

[8] Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas. § 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

[9] Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias. (…) § 5º As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da homologação do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos arts. 13 a 15 desta Lei

[10] Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.

[11] Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.

[12] § 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.

[13] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

[14] Tal qual presente na Sentença da ação 5007487-22.2020.8.13.0672, em que o Juízo dispõe: “Inicialmente, em relação à verificação dos créditos, o art.7º, §1º, da Lei 11.101/05, estabelece o prazo de 15(quinze) dias, contados da publicação do edital previsto no art. 99, da Lei supramencionada, para que os credores possam habilitar e ou divergir quanto ao crédito apresentado na relação de credores demonstrada pelo falido. É sabido, que o edital ainda não foi publicado, de modo que não se iniciou o prazo para habilitações e manifestação de divergências de crédito. À vista disso, é evidente a ausência de interesse processual da parte requerente”

Qual o recurso cabível da decisão que indefere o pedido de recuperação judicial?

RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. A decisão que indefere a recuperação judicial quanto a uma das postulantes, determinando esclarecimento/correções por parte da outra empresa, sem por fim ao processo, tem natureza de decisão interlocutória e, portanto, desafia recurso de agravo de instrumento, conforme arts.

Qual recurso é cabível da decisão que concede a recuperação?

É cabível agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e de falência, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1015 do Código de Processo Civil.

Por que o recurso cabível contra ação declaratória de falência e o agravo de instrumento?

Conclui-se que o recurso cabível contra a decisão que decreta a falência é o agravo de instrumento, na forma do artigo 522 e seguintes do CPC, o que está em consonância com o sistema processual brasileiro, pois a decisão que decreta a falência não põe termo ao processo; ao contrário, dá início ao processo de falência e ...

Quais são as fases do processo de recuperação judicial?

As fases do processo de recuperação judicial.
1 – Pedido de recuperação. ... .
2 – Suspensão das cobranças. ... .
3 – Definição do administrador judicial. ... .
4 – Criação do plano de recuperação. ... .
5 – Aprovação do plano de recuperação. ... .
6 – Execução do plano ou decretação de falência..

Em que consiste o ato do juiz que defere o processamento da recuperação judicial?

55 desta Lei. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial traz como consequência a suspensão de todas as ações e execuções movidas contra a recuperanda pelos credores sujeitos ao plano, nos termos do art. 6º, da Lei 11.101/2005. Esse é o chamado stay period, que não deve durar mais de 180 dias.

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