8. RELAÇÃO ENTRE O DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE E OS DIREITOS ESPECIAIS TÍPICOSÉ certo que o legislador constitucional previu o princípio da dignidade da pessoa humana como centro do direito geral da personalidade e o legislador infraconstitucional reconheceu no Código Civil de 2002, mediante o artigo 12 [19], onde o juiz tem o dever de utilizar todos os meios para impedir ofensas à integridade física e psíquica da pessoa. Show Todavia, também ao longo da Constituição e do próprio Código Civil os mesmos reconheceram diversos direitos típicos específicos ou especiais da personalidade, tais como a vida, a honra, a intimidade, a vida privada, o nome, a imagem, a igualdade entre outros. Para Elimar Szaniawski (2005, p. 128), no Brasil é adotado um sistema misto de proteção da personalidade, onde convivem harmonicamente o direito geral da personalidade com os direitos específicos da personalidade. Isso acontece porque, em razão de política legislativa, alguns direitos da personalidade merecem atenção especial valendo-se o legislador de sua tipificação em lei garantido-lhes uma tutela expressa. Continuando o raciocínio, o autor afirma que esta tipificação não se confunde com um fracionamento infinito conforme aconteceu com a teoria pluralista dos direitos da personalidade. Na verdade esta técnica permite a criação de microssistemas de tutela da pessoa humana aumentando ainda mais a proteção da personalidade. Em sentido parecido Enéas Costa Garcia (2007, p. 161-163) também admite o caráter de complementaridade entre o direito geral da personalidade e os direitos típicos instituídos pelo legislador. Para este autor, com a positivação de direitos específicos, pretende-se aumentar ou condicionar a proteção legal e ainda assegurar diversas formas de proteção jurídica destes direitos. Deste modo não haveria qualquer tipo de incompatibilidade entre a regulamentação típica e a cláusula geral instituída pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Na verdade, para o autor, a aplicação única da técnica de fracionamento dos direitos da personalidade limita a proteção da pessoa humana no ordenamento, por outro lado a aplicação única da cláusula geral tornaria a proteção mais "lenta", isso porque todo e qualquer tipo de violação necessitaria de uma concretização desta. Muito embora tenha sido dito que o fracionamento dos direitos da personalidade levaria a uma classificação infinita destes direitos, é possível que dentro desta classificação haja direitos que tenham o seu conteúdo e alcance mais delineados, merecendo assim uma tutela mais específica dentro de parcelas da personalidade humana. Dessa maneira, conforme Garcia (2007, p. 164-170), o direito geral da personalidade atua como um direito fonte do qual decorre a existência de outros direitos da personalidade [20] quando mais delineados pela doutrina e jurisprudência. Contudo, havendo tipificação de algum direito especial da personalidade, o direito geral será aplicado subsidiariamente. Opostamente, se a violação da personalidade não encontrar resguardo nos direitos positivados especificamente, o direito geral atuará em sua plenitude. Isso ocorre porque havendo um dispositivo específico a norma geral não pode ser aplicada, caso contrário a normal especial não teria necessidade de existir. Esta atividade pressupõe que o direito especial esteja em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa, até porque, havendo conflito entre este e outros direitos especiais, deve prevalecer a cláusula geral por ser de hierarquia superior. Capelo de Souza (1995, p. 559-560) também ressalta a relação de complementaridade e subsidiariedade do direito geral da personalidade com os direitos específicos e autonomamente reconhecidos pela lei. Argumenta que os direitos específicos apenas dizem respeitos a manifestações parcelares da personalidade humana e obviamente não esgotam a proteção desta. Deste modo sendo o bem da personalidade mais dinâmico, extenso e evolutivo do que os direitos especiais, a cláusula geral teria a função de completar a proteção da pessoa no ordenamento jurídico. Não se vê no Brasil uma impossibilidade de coexistência entre o direito geral da personalidade e os direitos reconhecidos autonomamente no ordenamento. Isso porque, conforme a relação de especialidade apresentada, o direito geral apenas incide na proteção da pessoa quando os direitos especiais não forem suficientes na tutela do ser humano. É ilógica e inútil a existência de uma lei especial quando a lei geral sempre se sobreporá à aplicação daquela. No mesmo sentido é a relação de convivência entre o direito geral da personalidade e os direitos especiais. Da mesma maneira que Ingo Sarlet (2010, p. 118) crítica a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana quando na verdade seriam casos de aplicação específica de direitos fundamentais, seria criticável a aplicação do direito geral da personalidade quando na verdade, por exemplo, os direitos à imagem e à vida privada que deveriam ser aplicados. Para o autor, nem sempre existe razão para se invocar o princípio da dignidade da pessoa humana quando existem os direitos fundamentais específicos para o caso, entretanto não se pode relegar o princípio da dignidade da pessoa humana como uma aplicação subsidiária. No caso do direito geral da personalidade a aplicação também não pode ser meramente subsidiária, isso em razão da necessidade de conformação do direito especial com o direito geral da personalidade e consequentemente com o princípio da dignidade da pessoa. Este estudo de conformação visa delimitar o próprio limite do direito específico e também conferir-lhe legitimidade constitucional, isso porque havendo conflito entre o direito especial e a dignidade da pessoa humana, esta por ser hierarquicamente e axiologicamente superior deverá prevalecer. 9. CONCLUSÃOA dignidade humana constitui a base do direito geral da personalidade, pois é dela que deriva a proteção una do desenvolvimento da personalidade, inerente a toda pessoa, erigindo proteção à integridade psicofísica da pessoa inserida no campo social [21]. Visto que tudo aquilo que fundamenta também limita, o que não derivar da proteção psíquica e física da pessoa e do relacionamento desta com a sociedade frustrando o seu livre desenvolvimento não irá encontrar guarida no direito geral da personalidade. Neste diapasão, o direito geral da personalidade não é ilimitado, pois "a multiplicação desarrazoada de direitos da personalidade acaba por desvalorizar o instituto." (GARCIA, 2007, p. 149). Reconhecer o princípio da igualdade como substrato normativo derivado da dignidade da pessoa humana implica em aceitar outras pessoas que detêm iguais valores e direitos. Dessa maneira, a dignidade humana se apresenta como um segundo limite, haja vista que o direito geral da personalidade tutela todas as manifestações da pessoa salvo quando estas podem entrar em conflito com as expressões da personalidade de outra pessoa, casos em que serão utilizados critérios de resolução de conflitos entre normas, seja em razão de princípios ou regras. Por fim, é preciso que sejam adotas as premissas do direito civil-constitucional aqui apresentadas para possibilitar a concretização do princípio da dignidade humana no campo das relações privadas, aceitando a Constituição como ato normativo incidindo em todas as manifestações do ordenamento jurídico. 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas, 2005. BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais, 1961. DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no código civil. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. ENGELS, Friedriech. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Porto: Afrontamento, 1975. FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, C. E. Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo código civil: uma análise crítica. In: Sarlet, Ingo Wolgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. GARCIA, Enéas Costa. Direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2006. LIMA, Clara Maria Lindoso e. A tutela dos direitos da personalidade por meio da aplicabilidade direta do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de direito privado. 159 f. Dissertação (Mestre. Área de concentração em Direito Privado) - Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. MENDONÇA, Rafael. Crítica ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: arriscar o impossível. 2006. 148 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2006. Disponível em: https://www6.univali.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=317. Acesso em: 20 Nov. 2009. MORAES, Maria C. B. O conceito da dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: Sarlet, Ingo Wolgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. ___________________. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. NANNI, Giovanni Ettore. A evolução do direito civil obrigacional: a concepção do direito civil constitucional e a transição da autonomia da vontade para a autonomia privada. In. Lotufo, Renan (coord.). 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In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolgang (coordenadores). Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J. J. Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra (PT): Coimbra, 2009. SILVA, Edson Ferreira da. Direito à intimidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. SOUZA, Rabindranath V. A. Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra, 1995. SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Notas
(Limitação voluntária dos direitos da personalidade) Toda limitação voluntária ao exercício dos direitos da personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte. Artigo 70.º (Tutela geral da personalidade) 1.A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. Qual a relação entre os direitos da personalidade e os direito humanos?Direitos da personalidade e direitos humanos se interseccionam e refletem assim a convergência entre direito público e direito privado em direção ao mesmo objetivo, representado pelo necessário e incondicionado respeito da dignidade da pessoa humana, valor universal e cerne de todo o ordenamento jurídico.
Qual é o princípio da dignidade da pessoa humana?O que é princípio da dignidade humana? O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano, independente da sua condição perante a circunstância dada.
Qual a relação entre personalidade e direitos da personalidade são conceitos equivalentes?Daí se infere que a personalidade é atributo de toda e qualquer pessoa (seja natural ou jurídica) vez que a norma substantiva não faz tal distinção. Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais.
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