Introdução Show
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram propostos no ano 2000 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, junto aos 191 países signatários, como um guia para reduzir a pobreza extrema até o ano de 2015. Dentre os oito objetivos propostos, o quarto refere-se à redução em 2/3 das taxas de mortalidade na infância (em menores de 5 anos) em relação ao nível de 1990 1. Isso porque o início da vida concentra o maior número de mortes entre os menores de 5 anos, desencadeando uma redução da sobrevida nas idades mais precoces 2. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o primeiro dia, semana e mês de vida das crianças são os mais críticos para a sua sobrevivência. Em 2015, dos 5,9 milhões de crianças que morreram antes de completarem 5 anos, aproximadamente 1 milhão foi no dia em que nasceu, outro 1 milhão na primeira semana de vida e cerca de 2,8 milhões durante os primeiros 28 dias 3. Quanto maior a ocorrência de óbito nos seis primeiros dias de vida, mais complexa é a atuação sobre as causas das mortes, destacando-se a importância do desenvolvimento de ações de saúde e dos serviços de saúde na assistência ao pré-natal, ao parto e ao puerpério 1. A mortalidade infantil (em menores de 1 ano) e na infância vem sendo considerada indicadores de grande relevância das condições de vida e saúde de um país, devido à vulnerabilidade a determinantes sociais, de saúde e econômicos 4. Dentre esses, incluem-se as condições ambientais, fatores demográficos, condições socioeconômicas, o estado nutricional e os fatores relacionados à própria assistência, os quais contribuíram na transição epidemiológica e consequentemente no perfil das principais causas, bem como na evitabilidade das mesmas 5,6. Diante disso, houve um esforço de âmbito mundial em busca do alcance dos ODM. No início dos anos 1990, o cenário mundial registrava 90 mortes na infância para cada mil nascidos vivos. Por outro lado, em 2015, o mundo conseguiu alcançar 43 mortes por mil nascidos vivos, uma redução de 52,2% na mortalidade em menores de 5 anos 3. No Brasil, esses indicadores atingiram a meta proposta no ano de 2010. Em 1990, a taxa de mortalidade na infância era de 59,6 por mil nascidos vivos, portanto, dois terços deste valor representam uma redução de 39,7 por mil nascidos vivos, o que equivale a uma taxa de 19,9 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade na infância revisada para 2010 foi de 19,4 por mil nascidos vivos, abaixo desse patamar 7. No entanto, os níveis ainda continuam elevados, face aos grandes desafios que o país enfrenta nessa área, que vão desde disparidades entre regiões e grupos sociais até a precariedade da atenção à mãe e ao recém-nascido. No ano de 2015, a taxa de mortalidade na infância no Brasil foi de 15,6 por mil nascidos vivos. Esse valor mostrou uma expressiva queda devido, principalmente, ao declínio da mortalidade no primeiro ano de vida, reduzindo de 47,1 por mil nascidos vivos, em 1990, para 13,5 por mil nascidos vivos, em 2015. Nesse mesmo ano, as mortes no componente neonatal (0 a 27 dias) corresponderam a 70% dos óbitos infantis, dos quais 54% deles ocorreram na primeira semana de vida 8. Tais resultados foram influenciados pela assistência à saúde oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que vem conseguindo estreitar as desigualdades de saúde, com melhorias na cobertura e no acesso aos serviços de saúde em todo o país. O SUS oferta cuidados de saúde universais e abrangentes para toda a população brasileira, de forma gratuita, integral, descentralizada e com a ajuda da participação social 9. Ademais, a ONU e a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam a necessidade de uma combinação de estratégias juntamente com o próprio SUS, sustentada por políticas, programas e ações, em diferentes áreas, e com maior acesso e cobertura assistencial na melhoria desses indicadores 3. Destacam-se a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); o Programa Bolsa Família; a Estratégia Saúde da Família (ESF); o Programa Mais Médicos; a Política Nacional de Humanização no Parto e Nascimento; a Rede Cegonha, com diretrizes assistenciais para o parto, nascimento, crescimento e desenvolvimento; e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) 10. Além disso, há alguns anos a literatura vem apontando de forma positiva o emprego de políticas públicas voltadas para a melhoria no acesso ao pré-natal, ao abastecimento de água e saneamento como estratégias no combate à mortalidade infantil e na infância 11. Portanto, há necessidade de manutenção dos progressos alcançados na redução da taxa da mortalidade na infância, assim como do empenho na concretização do compromisso firmado na luta global contra a mortalidade infantil, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visam a reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por mil nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por mil nascidos vivos, até 2030, no mundo. Além disso, ainda falta um esclarecimento sobre que ações de fato têm maior impacto na redução da mortalidade na infância. Esse conhecimento se torna substancialmente importante neste momento, tendo em vista que há indícios da piora de alguns indicadores a partir do ano de 2016, bem como o ressurgimento de doenças tidas como erradicadas. Assim sendo, o objetivo deste estudo é analisar a tendência das taxas de mortalidade na infância no Brasil no período de 2001 a 2017 e a correlação com os indicadores assistenciais, socioeconômicos e sanitários das regiões brasileiras que contribuíram para o país atingir os ODM. Métodos Trata-se de um estudo ecológico cuja unidade de análise constituiu as Regiões Intermediárias de Articulação Urbana (RIAU), propostas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As RIAU são formadas por um grupo de municípios e uma cidade polo, que exerce influência em termos macrorregionais e se caracteriza por apresentar uma articulação interna baseando-se no oferecimento e busca de bens e serviços de alta complexidade. Com base nesses critérios, o Brasil foi dividido em três distintos modelos de regionalização, as Regiões Ampliadas de Articulação Urbana, compostas por 14 territórios; as RIAU, com 161 e as Regiões Imediatas de Articulação Urbana, com 482 12. Para a análise do fenômeno em estudo foi feita a opção pelas RIAU, tendo em vista a complexidade e desigualdade da distribuição populacional no território brasileiro. Nesse sentido, para estabilizar os dados e evitar números aberrantes, os indicadores foram agregados para as 161 regiões. A coleta de dados abrangeu todos os municípios brasileiros. Os dados para a composição do indicador taxa de mortalidade na infância foram coletados no período de 2001 a 2017 (variável desfecho). Para a assistência à saúde (consulta pré-natal, atendimentos de puericultura, consulta médica em menores de 1 ano, consulta médica em crianças de 1 a 4 anos, visita de enfermagem, visita médica) e condições sanitárias (proporção de domicílios com água da rede geral, proporção de domicílios com dejetos - fezes e urina - a céu aberto, proporção de domicílios com dejetos - fezes e urina - em rede de esgoto), foram coletados os dados nos períodos de 2001 a 2005 e 2011 a 2015. Quanto à escolaridade (proporção de mulheres maiores de 15 anos não alfabetizadas) e à renda (percentual de crianças com baixa renda), os dados coletados referem-se aos anos de 2000 e 2010. Todos os dados foram obtidos no portal do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e geraram variáveis quantitativas contínuas, conforme especificado no Quadro 1. A coleta e análise dos dados ocorreram nos meses de abril a julho de 2019. Para a construção dos indicadores foi realizada uma média ponderada dos dados municipais de cada RIAU. Essa estratégia foi usada na tentativa de reduzir as discrepâncias que poderiam surgir nesses novos indicadores, caso cidades com portes populacionais diferentes tivessem o mesmo peso na determinação do indicador final. Com o propósito de avaliar a tendência da mortalidade na infância no Brasil no período de 2001 a 2017, foi utilizado o programa estatístico Joinpoint, versão 4.6.0.0 (http://surveillance.cancer.gov/ joinpoint/), que realiza as estimativas da variação percentual anual (annual percentage change - APC) de uma regressão linear segmentada (jointpont regression) identificando os possíveis pontos de inflexão. As alterações no incremento ou no declínio das taxas de mortalidade são refletidas com base em cada ponto de inflexão 13. Os testes de significância baseiam-se no método de permutação de Monte Carlo, considerando p < 0,05 e no cálculo da variação percentual anual da taxa, utilizando o logaritmo da taxa 14.
Para a análise da correlação entre a taxa de mortalidade na infância e as variáveis socioeconômicas, sanitárias e relativas à assistência, foi usado o teste de correlação de Pearson e propostos modelos de regressão linear múltipla. Para essas análises, foram usados os períodos de 2001 a 2005 e 2011 a 2015, tanto para a variável desfecho como para as condições sanitárias e assistência à saúde. Por serem oriundas do Censo Demográfico, as variáveis relativas à escolaridade e renda utilizadas foram as dos anos 2000 e 2010. Nessa lógica, optou-se por excluir o período de 2006 a 2010, uma vez que não existiam dados censitários para as referidas variáveis e por elas influenciarem consideravelmente a construção dos modelos finais. A correlação de Pearson permitiu identificar as existências e magnitudes das correlações entre a variável dependente (mortalidade na infância) e as variáveis independentes para cada período. A força das correlações foi classificada, sendo: r < 0,30 - correlação fraca; 0,30 < r < 0,70 - correlação moderada; e r > 0,70 - correlação forte 15. Por fim, foram propostos modelos de regressão linear múltipla para cada um dos períodos analisados. Após a análise da matriz de correlação, foi verificada a presença de colinearidade entre as variáveis “percentual de crianças em domicílio com 1/4 de salário mínimo” e “proporção de mulheres maiores de 15 anos sem alfabetização”. Por esse motivo, foi feita a opção da introdução da variável “escolaridade das mulheres” no modelo de regressão linear múltipla. Após se proceder a análise múltipla, foram checados os pressupostos: ausência de multicolineariade, normalidade dos resíduos, homocedasticidade dos resíduos e ausência de autocorrelação serial. Para a análise bivariada e para a inclusão no modelo final da análise múltipla foram consideradas as variáveis com p ≤ 0,05. A organização do banco foi realizada com o apoio do aplicativo Tabnet (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02) e do programa IBM SPSS versão 20 (https://www.ibm.com/), no qual foram feitos a agregação do banco, o cálculo dos indicadores e as análises estatísticas. Resultados Entre os anos 2001 e 2017, ocorreram reduções na taxa de mortalidade na infância que passou de 23,39 óbitos por mil nascidos vivos em 2001 para 14,28 óbitos por mil nascidos vivos em 2015, apesar de discreta elevação em 2017, com 14,41 óbitos por mil nascidos vivos. Dessa forma, o estudo constatou que houve tendência significativa de redução da taxa de mortalidade na infância e existência de correlações moderadas entre este desfecho e as variáveis de assistência à saúde, condições sanitárias, relativas à escolaridade e renda. A tendência das taxas de mortalidade na infância apresentou dois momentos de declínio (inflexão) estatisticamente significativos, nos anos de 2010 (AAPC = -3,95) e 2015 (AAPC = -2,35), o que representa uma redução média anual no período de 2001 a 2010 de 3,95% e no período de 2011 a 2015 de 2,35% Figura 1.
A análise da correlação entre as taxas de mortalidade na infância e os fatores socioeconômicos (renda e escolaridade) e condições sanitárias (destinação dos dejetos e distribuição de água), apresentaram correlação significativa (p ≤ 0,05) nos dois períodos (2001 a 2005 e 2011 a 2015). Quanto às ações de saúde, não houve um comportamento uniforme nos dois períodos, já que no primeiro foi observada correlação apenas com a variável atendimento pré-natal (p ≤ 0,05), e no segundo verificou-se correlação com as variáveis “visita de enfermagem”, “visita médica”, “atendimento de puericultura e “consultas de crianças menores de 1 ano” (p ≤ 0,05) Tabela 1.
Na análise de regressão linear múltipla, a variável “proporção de mulheres maiores de 15 anos sem alfabetização” foi determinante na explicação da redução da taxa de mortalidade na infância nos dois períodos estudados (p < 0,001), já o abastecimento de água (p = 0,009) e a realização de consultas em menores de 1 ano (p = 0,004) no primeiro, e os dejetos em rede de esgoto (p < 0,001) no segundo modelo Tabela 2.
Discussão O quarto ODM, que diz respeito à redução de 2/3 da taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos, comparando dados de 1990, foi atingido com êxito pelo Brasil antes do prazo previsto em acordo internacional, que seria no ano de 2015. A superação da meta foi possível devido à combinação de esforços em âmbitos mundial, nacional e local, oportunizando com os resultados o salvamento de milhões de vidas de crianças, bem como a promoção do melhoramento das condições de vida de muitas outras. Diante disso, pode-se perceber que a utilização de intervenções direcionadas, somada ao uso de recursos adequados, estratégias sólidas e vontade política, proporciona até aos países com altos índices de pobreza o desenvolvimento de progressos surpreendentes e sem precedentes 3. Durante o período proposto, o Brasil foi um dos 62 países que alcançou o quarto ODM, obtendo uma redução de 73%, acima dos 2/3 (66,7%) estabelecidos 16. Esse resultado chama a atenção para o fato de a sobrevivência infantil, em especial daqueles em situações de vulnerabilidade, continuar a escapar do controle governamental. Isso revela o pequeno progresso mundial, uma vez que dos 191 países que se comprometeram com os ODM, menos de 1/3 conseguiu o alcance da quarta meta e manter o controle da taxa de mortalidade na infância. Doenças de causas evitáveis como pneumonia, diarreia e malária foram responsáveis pela morte de aproximadamente 16 mil crianças menores de 5 anos, diariamente, em todo o mundo, no ano de 2015. Por isso, o declínio drástico na mortalidade evitável na infância é uma das concretizações mais importantes na história da humanidade 3. No Brasil, a queda da taxa de mortalidade na infância ocorreu em todas as regiões, a despeito das assimetrias econômicas regionais. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que, entre os anos de 1990 e 2011, houve redução na desigualdade regional, com diminuição da taxa de mortalidade na infância em todas as regiões do país, de forma mais acelerada no Nordeste (redução de 76%, média de 6,6% ao ano) 1. Por outro lado, em 2015, face à crise econômica estabelecida no Brasil, percebe-se uma desaceleração acentuada na redução anual da taxa de mortalidade na infância (0,2%), quando comparado ao período de 2010 a 2015 (0,8% ao ano), devido principalmente ao aumento das taxas de pobreza 17. Assim, alerta-se a possibilidade de estabilização das taxas de mortalidade na infância dado os resultados dos últimos dois anos do estudo. Dados recentes evidenciaram aumento de óbitos por causas como coqueluche, ressaltando a importância da manutenção de ações de vigilância, imunização e assistência 18. Em 2016, com a justificativa de ajuste das contas públicas, o Governo Federal passou a adotar uma série de medidas de austeridade fiscais, culminando com a Emenda Constitucional nº 95 (EC95), que dentre outras ações vinculou o gasto público com saúde à inflação até o ano de 2036. Diante disso, projeções apontam para o aumento da mortalidade de crianças como consequência da crise econômica e da subsequente implementação de políticas fiscais de austeridade 9,17. A redução no orçamento destinado à saúde provoca efeitos sensíveis na saúde das crianças. Portanto, torna-se imprescindível a adoção de medidas governamentais que visem à promoção da proteção da população, em especial do grupo formado pelas crianças, por meio da manutenção dos investimentos no SUS e em programas sociais, devido à maior vulnerabilidade deste grupo às situações de crise econômica. No presente estudo, a extrema pobreza (“percentual de crianças em domicílio com 1/4 de salário mínimo”) seguida da ausência de escolaridade das mulheres (“proporção de mulheres maiores de 15 anos sem alfabetização”) representam as variáveis com as maiores correlações com a mortalidade na infância e, consequentemente, com grande influência na determinação dos modelos finais propostos. Programas de transferência de renda, bem como aqueles que promovem a valorização do salário mínimo ou a distribuição de benefícios sociais, contribuem com a redução das mortes na infância por buscarem favorecer um acesso mais adequado aos serviços de saúde e educação para as famílias, além de condicionar sua permanência 19. Diante disso, reforça-se a importância de políticas públicas que venham a intervir na renda das famílias e na promoção da educação pública e de qualidade. Estudos já apontam o potencial impacto desses tipos de programas na pobreza; no estado de saúde e nutricional das famílias, em especial das crianças; no acesso aos alimentos; aos serviços de saúde em diversos países da América Latina, contribuindo consideravelmente para a redução da extrema pobreza e também para a diminuição das desigualdades e melhora nos níveis de saúde 20,21. No ano de 2015, o percentual de pobres no Brasil voltou a crescer, tendo como um de seus fatores contribuintes para este cenário os cortes observados em programas de distribuição de renda, como o Programa Bolsa Família 8. Esse é um programa de transferência condicional de renda, criado pelo Governo Federal no ano de 2003, destinado às famílias em situação de extrema pobreza e àquelas consideradas pobres, com crianças, jovens até 17 anos, gestantes ou lactantes, que recebem um valor monetário a partir do cumprimento de condicionalidades específicas, envolvendo questões relacionadas à saúde, educação e assistência social 22. Dados da ONU revelam que as melhorias na sobrevivência infantil ocorreram de forma desigual entre as famílias do Brasil e do mundo. De acordo com inquéritos de agregados familiares, existe uma desproporcionalidade na vulnerabilidade das crianças dos agregados mais pobres quando comparadas com as crianças dos agregados familiares mais ricos, fazendo com que as taxas de mortalidade na infância sejam quase duas vezes superiores nas crianças dos agregados mais pobres do que nas dos mais ricos 3. Essa desigualdade foi constatada recentemente em um estudo de microssimulação sobre o impacto de medidas de austeridade fiscal no Brasil, com consequente redução de investimentos nos programas de assistência social, como o Programa Bolsa Família. As estimativas apontam para o aumento da morbimortalidade na infância e das desigualdades sociais, com os municípios mais pobres sendo afetados desproporcionalmente 17. A ausência de escolaridade das mulheres foi outro indicador que se mostrou como forte e consistente preditor para a mortalidade na infância. Nesse sentido, a significativa influência da educação materna sobre a saúde e a sobrevivência de uma criança é uma área importante de investigação 23. A educação materna contribui com a conscientização da mãe sobre boas práticas de cuidados de saúde, nas situações de adoecimento das crianças e disponibilidade de serviços de saúde, o que faz com que seja considerada um fator que pode afetar positivamente a saúde da criança. Um estudo realizado na África subsaariana confirmou que os filhos de mães mais instruídas têm menor risco de morrer antes do quinto ano de vida, em comparação com os filhos de mães sem educação formal 24. A despeito da constatação de que o grau de escolaridade oportuniza melhores trabalhos e renda, a erradicação do analfabetismo e o investimento na educação precisam vir acompanhados de oportunidades de inserção no mercado de trabalho para possibilitar às mães condições materiais suficientes para os cuidados com os filhos. Os fatores sanitários também são uma influente e inversa correlação com a taxa de mortalidade na infância. Nesse sentido, as modificações enfrentadas pelo Brasil ao longo dos últimos anos, que culminaram com a melhoria de alguns de seus indicadores socioeconômicos e sanitários, diminuindo as dificuldades de acesso e utilização dos meios de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde da população, contribuíram de forma direta com a queda da mortalidade na infância 25,26. Não é novidade que investimentos em saneamento básico, ou seja, na rede de abastecimento de água potável, esgoto sanitário, tratamento de resíduos sólidos, drenagem e limpeza urbana são de extrema relevância na promoção da saúde pública por meio da prevenção de doenças e da melhoria da qualidade de vida e do bem-estar das pessoas. Todavia, as ações públicas de saneamento, implementadas no Brasil, recebem elevada pressão política e econômica, resultando em descontinuidade tanto pelos baixos investimentos quanto pelas fragilidades institucionais e legais 27. Ao longo dos últimos anos, observamos um aumento na cobertura dos serviços sanitários, porém, a universalização do acesso a este tipo de serviço no Brasil continua sendo um desafio que ainda está longe de ser alcançado. Diversos estudos retratam essa dificuldade, enfatizando a diferença de acesso existente entre as regiões brasileiras, os níveis de renda e a escolaridade, resultando na produção de uma sociedade apartada, com acesso diferenciado a direitos considerados fundamentais, como é o caso do saneamento básico (Lei nº 11.445) 28,29. Em 2010, recebiam atendimento adequado para abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo dos resíduos sólidos, 59,4%, 39,7% e 58,6% da população brasileira, respectivamente, gerando um déficit bastante significativo em todos os componentes do saneamento básico, o que equivale a milhões de pessoas vivendo em ambientes insalubres, suscetíveis a diversos riscos que comprometem a sua saúde 30. Esse contexto de exclusão e desigualdade, acompanhado, em algumas situações, de baixa qualidade dos serviços ofertados é o produto de um modelo de desenvolvimento baseado no modo de produção capitalista, que por sua vez, promove contradições, antagonismo e iniquidades 31. Por outro lado, sabe-se da necessidade de implantação de programas de saneamento básico como prioridade, em especial em áreas de maior vulnerabilidade por representarem suporte efetivo na melhoria da saúde, bem como na redução da mortalidade das crianças e da população de uma forma geral 32. Portanto, é primordial o desenvolvimento de políticas públicas que busquem a garantia do acesso universal a esse serviço, com foco nas demandas da população por meio de investimentos adequados, participação social, que não se restrinja à elaboração de projetos, nem se prenda exclusivamente às concepções neoliberais que limitam a atuação do Estado. A saúde é o produto da interação entre variáveis sociais, ambientais e econômicas que desencadeiam pressões sobre as condições e a qualidade de vida. A fragilidade no sistema público e uma infraestrutura sanitária deficiente impactam de forma direta no desenvolvimento de doenças infecciosas e, consequentemente, na morbimortalidade de crianças, em especial nos países pobres e em desenvolvimento 33. Em 2007, foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), momento em que se observa uma ampliação significativa dos recursos destinados ao saneamento no país. A concepção do PAC envolveu um conjunto de medidas legislativas, administrativas e de políticas de investimento, visando a estimular o crescimento da economia do país, destinando recursos a áreas prioritárias de infraestrutura (logística, energia, transportes, habitação e saneamento, entre outras). Entretanto, no que se refere às ações de saneamento, embora o PAC tenha promovido a ampliação dos recursos, bem como favorecido a retomada dos investimentos na área, não foram suficientes para desenvolver medidas e ações que se aproximassem dos pressupostos das diretrizes da Lei Nacional de Saneamento Básico 29. Por se tratar de um programa que objetivava contribuir com o desenvolvimento do país, colocando-o em um patamar de crescimento econômico diferenciado, o PAC manteve-se fiel a uma lógica econômica e tecnocrática, priorizando a maior parte do recurso orçamentário em setores que favorecessem um ganho de capital, ficando as ações de saneamento em um plano secundário. Aliadas aos determinantes contextuais, as ações de saúde são de extrema importância na determinação da mortalidade na infância. No presente estudo, a assistência médica oferecida pela equipe de saúde para menores de 1 ano apresentou influência na redução da taxa de mortalidade na infância. Ações que contribuam com o acesso aos serviços de saúde, promovam incentivos quanto ao aumento da cobertura vacinal, da segurança alimentar e nutricional, da ampliação da cobertura da ESF e da melhoria geral das condições de vida possibilitam que muitas causas de óbitos na infância sejam evitadas, de modo que os agravos à saúde jamais ou raramente evoluam para o óbito 34,35. A implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e da ESF, nos anos 1990, viabilizaram a ampliação do acesso aos serviços de atenção básica à saúde ao oportunizar a interiorização de equipes de saúde da família, culminando no aumento da cobertura da atenção à saúde reprodutiva e infantil 8. Em 1995, a ESF estava presente em 115 municípios brasileiros e em dezembro de 2013 era realidade em mais de 95% das cidades brasileiras 1. A ESF tem melhorado os resultados de saúde e reduzido as desigualdades de saúde no Brasil. Ademais, a consolidação da ESF tem contribuído com a redução das taxas de mortalidade infantil, na infância e materna, com a diminuição das taxas de doenças imunopreveníveis e de internações por condições evitáveis 24. Pesquisa realizada sobre a avaliação do impacto do Programa Saúde da Família na mortalidade infantil no Brasil, 1990-2002, revelou que a cada 10% de ampliação da cobertura da ESF gerou-se uma redução de 4,6% da mortalidade infantil 36. A expansão da cobertura da atenção primária, sustentada pela ESF, foi fundamental no alcance das atuais taxas de mortalidade na infância, no entanto, a manutenção dos resultados alcançados está diretamente relacionada com o financiamento da saúde. Daí a necessidade de manutenção, com consequente ampliação, de recursos orçamentários para o SUS. Por fim, o estudo mostrou que indicadores relativos à escolaridade, condições sanitárias e ações de saúde exercem determinação na mortalidade na infância, atuando de forma considerada na diminuição da taxa de mortalidade de menores de 5 anos, compondo os modelos finais da análise múltipla empreendida. Considerações finais A análise de tendência da mortalidade na infância mostrou redução significativa na maior parte do período estudado (2001 a 2015), com tendência à estabilização a partir de 2015. Isso levanta um alerta para a vigilância dos fatores envolvidos com esse indicador, especialmente pelo fato do Brasil ter atingido a quarta meta dos ODM e alcançado as menores taxas de mortalidade na infância de sua história. A utilização da metodologia por joinpoint fez com que o artigo possibilitasse uma análise estatística da tendência da mortalidade na infância, destacando os pontos temporais em que se observaram as maiores inflexões, oportunizando o estudo dos fatores envolvidos com os resultados obtidos naquele período. Foram encontradas correlações entre os fatores econômicos, educacionais, sanitários e de saúde com a melhoria da mortalidade na infância nos períodos estudados. Contudo, percebeu-se grande influência da escolaridade de mulheres e das condições sanitárias na proposição de um modelo de regressão múltipla, sugerindo que estes indicadores contribuem para o acesso e cuidado à saúde. Como um desafio no contexto dos cortes de gastos públicos, destaca-se a necessidade do fortalecimento do SUS, devido à importância de suas ações de saúde em direção ao alcance das metas quanto à mortalidade na infância proposta pelos ODS. Enfatiza-se ainda o desempenho do Brasil quanto à superação da quarta meta do ODM, assim como todas as dificuldades para a manutenção dos resultados alcançados, diante de um contexto de crise política e econômica, atrelado à implantação de medidas de austeridade fiscal. Assim, reforça-se a necessidade de manutenção das políticas de proteção à vida, bem como de proposição de novas políticas públicas que venham a agir sobre os determinantes sociais da saúde que interferem na morbimortalidade na infância, garantindo a sustentabilidade das ações para os próximos anos. Os resultados obtidos podem oferecer lições sobre políticas a serem seguidas, bem como sobre os caminhos a serem evitados. Agradecimentos Ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPGSCOL) daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e à Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA) da UFRN. Referências
Qual é a relação entre a taxa de mortalidade infantil e as condições econômicas de uma população ou um país?(2005) afirma que a taxa de mortalidade infantil é uma boa proxy para a saúde, já que reflete as condições socioeconômicas da sociedade. De modo, quando há um nível elevado do número de óbitos infantis, haveria um baixo nível de desenvolvimento.
Por que a mortalidade infantil é um bom indicador das condições de vida de uma população?A taxa de mortalidade infantil expressa o número de crianças de um determinado local que morre antes de completar 1 ano de vida a cada mil nascidas vivas. Esse dado é um indicador da qualidade dos serviços de saúde, saneamento básico e educação.
Por que a mortalidade infantil é um indicador de saúde importante para analisarmos as condições de saúde de uma população?Esse dado é um aspecto de fundamental importância para avaliar a qualidade de vida, pois, por meio dele, é possível obter informações sobre a eficácia dos serviços públicos, tais como: saneamento básico, sistema de saúde, disponibilidade de remédios e vacinas, acompanhamento médico, educação, maternidade, alimentação ...
Quais fatores estão associados a mortalidade infantil e expectativa de vida?Os fatores proximais englobaram idade materna, tipo de gestação, idade gestacional, sexo e peso do recém-nascido, índice de Apgar no 1º e no 5º minuto e presença de malformações.
|