Um dos principais problemas da saúde pública é a resistência microbiana (RAM/AMR), isto é, a capacidade dos microrganismos que causam doenças (bactérias, fungos, vírus, vermes, protozoários etc) de resistirem aos efeitos da medicação. Empenhado em reverter este quadro, o Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS/ Fiocruz) desenvolve estudos na área, que foram apresentados na mesa redonda Estudos desenvolvidos no INCQS sobre resistência microbiana. O evento integrou a primeira edição do ciclo de palestras Visa em Foco de 2019, realizado no dia 18 de junho.
Contaminantes emergentes e disseminação da resistência aos antimicrobianos:
De acordo com a curadora da Coleção de Arqueas de Referência em Vigilância Sanitária (CARVS) do INCQS, Maysa Mandetta Clementino, a resistência aos antimicrobianos entre as comunidades bacterianas é considerada um dos maiores riscos e desafios para a saúde pública no século XXI, oferecendo sérias consequências.
Atualmente, estima-se que 700 mil mortes sejam causadas anualmente por doenças que anteriormente eram tratáveis com antimicrobianos e que a ausência providências para conter o problema da resistência aos antimicrobianos poderá causar mais mortes que o câncer até 2050.
Maysa falou sobre a disseminação de bactérias e genes de resistência provocada pela poluição por agentes químicos e biológicos oriundos, principalmente de efluentes (resíduos provenientes das atividades humanas) domésticos e industriais, e pelo uso inadequado de antimicrobianos (contaminante emergente).
Abordou, ainda, que seus estudos englobam a abordagem de Saúde Única (One Health approach), que estabelece a necessidade de assegurar o tratamento da questão sob as perspectivas conjugadas de saúde humana, animal e ambiental, segundo o Plano de Ação Global de Resistencia aos Antimicrobianos, da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Resistência aos antimicrobianos: a importância do monitoramento de resíduos em alimentos e no ambiente
Integrante do Setor de Resíduos do Departamento de Química (DQ) do INCQS, Bernardete Spisso explicou que os resíduos de antimicrobianos em alimentos de origem animal são provenientes do uso do medicamento veterinário para prevenir ou tratar doenças, ou ainda do uso de aditivo melhorador de desempenho (anteriormente chamado de “promotor de crescimento”) ou aditivo anticoccidiano (adicionados intencionalmente às rações, principalmente dos galináceos para prevenir a coccidiose).
Ela enfatizou que há restrições na lei quanto ao uso de antimicrobianos como aditivos na alimentação para os animais e quanto à sua presença em diversos alimentos, incluindo fórmulas infantis e alimentos de transição como sopinhas, mas que pelos dados das pesquisas realizadas, parece que nem sempre estão sendo respeitadas.
A contaminação pode ser direta, pela ingestão do alimento contaminado, ou indireta, pois como não são totalmente metabolizados pelo organismo, são expelidos para o meio ambiente e podem contaminar a água. Estudos efetuados no laboratório, com amostras ambientais de águas e esgotos indicam a presença de inúmeros antimicrobianos.
Dentre os motivos para o problema, a profissional do Setor de Resíduos apontou o uso equivocado de medicamentos, os programas inadequados de prevenção e controle de infecções, a má qualidade dos antimicrobianos, a fraca capacidade laboratorial, a vigilância e o monitoramento ineficientes e a insuficiência de regulamentação e fiscalização do uso dos medicamentos antimicrobianos. Destacou o Plano de Ação Global de Resistência aos Antimicrobianos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única, publicado em dezembro de 2018.
Tolerância microbiana aos desinfetantes
Outro enfoque foi a tolerância microbiana aos saneantes (substâncias para higienização, desinfecção, desinfestação e no tratamento de água para consumo e recreação), apresentado pelas profissionais do Setor de Saneantes do Departamento de Microbiologia (DM) do INCQS, Bruna Sabagh e Maria Helena Simões Villas Bôas. Elas explicaram que bactérias podem sobreviver em objetos, ambientes e artigos médicos processados de forma inadequada, podendo causar infecções.
As soluções indicadas por elas foram o cumprimento da legislação sanitária específica, que estabelece o uso de produtos registrados e com eficácia comprovada. Nesse setor do INCQS são realizados estudos sobre a análise molecular, genes de resistência, perfil de susceptibilidade a antimicrobianos e a desinfetantes hospitalares e fatores de virulência de cepas de bactérias envolvidas em surtos epidêmicos.
A invasão microbiana pode ser facilitada pelo seguinte:
Fatores de virulência
Aderência microbiana
Resistência aos antimicrobianos
Defeitos nos mecanismos de defesa do hospedeiro
Os fatores de virulência auxiliam patógenos na invasão e na resistência das defesas do hospedeiro; estes fatores incluem
Cápsula
Enzimas
Toxinas
Alguns microrganismos (p. ex., certas cepas de pneumococo, meningococo, Haemophilus influenzae tipo b Infecções por Haemophilus Bactérias Gram-negativas Haemophilus spp causam inúmeras infecções leves e graves, como bacteremia, meningite, pneumonia, sinusite, otite média, celulite e epiglotite. O diagnóstico é... leia mais ) têm uma cápsula que bloqueia a fagocitose, tornando esses organismos mais virulentos do que as cepas não encapsuladas. Mas os anticorpos opsônicos específicos contra a cápsula podem ligar-se à cápsula bacteriana e facilitar a fagocitose.
Proteínas bacterianas com atividade enzimática (p. ex., protease, hialuronidase, neuraminidase, elastase, colagenase) facilitam a disseminação no tecido local. Microrganismos invasivos (p. ex.,
Shigella flexneri Shigelose
Shigelose é uma infecção aguda do intestino causada ppelas bactérias Gram-negativas Shigella spp. Os sintomas incluem febre, náuseas, vômitos, tenesmo e diarreia, com fezes geralmente... leia mais ,
Yersinia enterocolitica
Peste e outras infecções por Yersinia Peste é causada por bactérias Gram-negativas Yersinia pestis. Os sintomas são pneumonia grave ou linfadenopatia dolorosa com febre alta, progredindo frequentemente para sepse. O diagnóstico... leia mais
Algumas bactérias (p. ex.,
Neisseria gonorrhoeae
Infecções pneumocócicas Streptococcus pneumoniae (pneumococos) são diplococos Gram-positivos, alfa-hemolíticos, aeróbios e encapsulados. Nos EUA, a infecção pneumocócica é a principal causa de otite média, pneumonia... leia mais , H. influenzae,
Proteus mirabilis
Infecções por Proteeae Os Proteeae fazem parte da flora fecal normal e frequentemente causam infecção em pacientes cuja flora normal foi alterada por terapia antibiótica. Os Proteeae constituem pelo menos 3 gêneros... leia mais ,
espécies clostridiais
Visão geral dos clostrídios Os mais conhecidos patógenos anaeróbios são os esporos formados por clostrídios, bacilos Gram-positivos encontrados amplamente na poeira, no solo e nas vegetações e como flora normal no trato... leia mais ,
Streptococcus pneumoniae
Infecções estreptocócicas Estreptococos são microrganismos aeróbios Gram-positivos que causam muitos distúrbios, incluindo faringite, pneumonia, infecções em feridas e na pele, sepsia e endocardite. Os sintomas variam... leia mais
Microrganismos podem liberar toxinas (denominadas exotoxinas), que são
proteínas moleculares capazes de causar doença (p. ex., difteria
Difteria Difteria é uma infecção aguda faríngea ou cutânea causada principalmente por cepas toxigênicas do bacilo Gram-positivo Corynebacterium diphtheriae e, raramente, por outros Corynebacterium... leia mais
A endotoxina é um lipopolissacarídio produzido por bactérias Gram-negativas e faz parte da parede celular. A endotoxina desencadeia mecanismos humorais enzimáticos envolvendo as vias do complemento, da coagulação, fibrinolítica e das cininas, sendo responsável, em grande parte, pela morbidade da sepse por bactérias Gram-negativas.
Alguns microrganismos são mais virulentos porque eles fazem o seguinte:
Prejudicam a produção de anticorpos
Resistem aos efeitos líticos do complemento sérico
Resistem às etapas oxidativas na fagocitose
Produzem superantígenos
Muitos microrganismos têm mecanismos que prejudicam a produção de anticorpos induzindo células supressoras, bloqueando o processamento de antígenos e inibindo a mitogênese dos linfócitos.
A resistência aos efeitos líticos do complemento sérico confere virulência. Entre as espécies de N. gonorrhoeae, a resistência predispõe à infecção disseminada e não à localizada.
Alguns microrganismos resistem às etapas oxidativas na fagocitose. Por exemplo,
Legionella
Infecções por Legionella Legionella pneumophila é um bacilo Gram-negativo que frequentemente causa pneumonia com aspectos extrapulmonares. O diagnóstico exige um meio específico de crescimento, testes sorológicos... leia mais
Alguns vírus e bactérias produzem superantígenos que contornam o sistema imunitário, causam ativação inespecífica de um número excessivo de células T naives e, assim, provocam inflamação exagerada e potencialmente destrutiva mediada pela liberação maciça de citocinas pró-inflamatórias.
Outros determinantes de aderência incluem estruturas finas nas paredes de certas bactérias (p. ex.,
estreptococos
Infecções estreptocócicas Estreptococos são microrganismos aeróbios Gram-positivos que causam muitos distúrbios, incluindo faringite, pneumonia, infecções em feridas e na pele, sepsia e endocardite. Os sintomas variam... leia mais
Fatores que afetam a probabilidade de o biofilme se desenvolver nesses dispositivos médicos incluem textura de material, composição química e hidrofobicidade.
A variabilidade genética entre os micróbios é inevitável. O uso de antimicrobianos eventualmente seleciona para a sobrivivência das cepas que são capazes de resistir a eles.
Emergência da resistência antimicrobiana pode ser devido a uma mutação espontânea dos genes cromossômicos. Em muitos casos, as cepas bacterianas resistentes adquiriram elementos genéticos móveis de outros microrganismos. Esses elementos são codificados em plasmídios ou transpósons e permitem que os microrganismos sintetizem as enzimas que
Modificam ou inativam o agente antimicrobiano
Modificam a habilidade da célula bacteriana de acumular o agente antimicrobiano
Resistem à inibição pelo agente antimicrobiano
Minimizar o uso inapropriado de antibióticos em humanos e na criação dos animais é importante para a saúde pública.
Dois tipos de estado de imunodeficiência afetam a capacidade do hospedeiro de lutar contra infecções:
Imunodeficiências primárias são de origem genética; > 100 estados de imunodeficiência primária já foram descritos. A maioria das imunodeficiências primárias é reconhecida durante a infância; no entanto, mais de 40% são reconhecidas pela primeira vez durante a adolescência ou a idade adulta.
Imunodeficiências adquiridas são causadas por outras doenças (p. ex., câncer, infecção pelo HIV doença cirrótica) ou pela exposição a uma substância química ou fármaco que seja tóxico ao sistema imunitário.
Desordens nas respostas imunes podem envolver
Imunidade celular
Imunidade humoral
Sistema fagocítico
As
deficiências humorais
Imunodeficiências humorais Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são... leia mais são
geralmente causadas por falha das células B em produzir imunoglobulinas funcionantes. Pacientes com esse tipo de distúrbio geralmente apresentam infecção por microrganismos encapsulados (p. ex.,
H. influenzae
Infecções por Haemophilus Bactérias Gram-negativas Haemophilus spp causam inúmeras infecções leves e graves, como bacteremia, meningite, pneumonia, sinusite, otite média, celulite e epiglotite. O diagnóstico é... leia mais ,
S. pneumoniae
Infecções estreptocócicas Estreptococos são microrganismos aeróbios Gram-positivos que causam muitos distúrbios, incluindo faringite, pneumonia, infecções em feridas e na pele, sepsia e endocardite. Os sintomas variam... leia mais
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