Pensando na dimensão continental do país é possível falar em apenas uma identidade nacional

O artigo “Identidade Cultural, Identidade Nacional no Brasil”, de Maria Isaura Pereira de Queiroz, trata de questões relativas à identidade cultural e à identidade nacional brasileira, analisando como os teóricos do final do século XIX e início do século XX tentavam abordar o assunto, realizando um paralelo com os conceitos europeus. Um dos pontos estudados foi concebido pelo médico baiano Raymundo Nina Rodrigues, que iniciou seu trabalho com base na cultura afro-brasileira, temática fundamental para a concretização cultural e identitária do país.

No final do século XIX, os cientistas sociais procuravam uma maneira de definir o que seria a cultura brasileira. Até então, a definição de cultura de um lugar era baseada na forma como os cientistas europeus disponibilizavam de teoria. Porém, no Brasil, a formação populacional era bastante diferente da encontrada na Europa, já que há grande grupo de indígenas, europeus e negros. Esse misto de populações diferentes, com culturas antepassadas diferentes, oferecia dificuldade para realização de uma teorização própria de cultura no país.

Tido como um dos principais cientistas da época, o médico baiano Raymundo Nina Rodrigues estabeleceu seu trabalho a partir da cultura afro-brasileira, observando a adoração da população negra pelos cultos do Candomblé, que eram apenas alguns dos muitos rituais espirituais praticados por eles, especialmente na Bahía, ponto focal de seu estudo. Além de Raymundo, outros pesquisadores também seguiram a mesma tendência, como Sylvio Romero e Euclydes da Cunha. Esse fato é importante, pois é necessário traçar novos perfis identitários que não refletissem os estereótipos europeus.

A preocupação de encontrar uma cultura realmente brasileira em meio a tanta diversidade existente na população era um fato questionado pelos estudiosos, e o racismo estava presente nos estudos dos três autores, já que as teorias europeias da época se mostravam extremamente eugenistas, com grande carga de preconceitos raciais.

A construção de um estudo baseado nos rituais religiosos afro-brasileiros foi incorporada para direcionar os caminhos de identidade cultural. A princípio, foi observado como os terreiros de Candomblé funcionavam, com pais e filhos de santo que cultuavam entidades de outro plano astral. Era uma religião que abraçava todo um povo liberto da escravidão há tão pouco tempo, que vivia em meio à pobreza e procurava seu lugar na nação.

Somando-se ao Candomblé, a Umbanda surge como nova forma de adoração dos espíritos e realização de rituais, porém com seu conhecimento repassado em folhetos e livros. Anteriormente, no Candomblé, a religião era passada pela oralidade; na Umbanda havia a palavra escrita. Se no Candomblé os participantes dos cultos eram apenas os negros, a Umbanda conseguiu incorporar demais grupos étnicos e camadas da sociedade brasileira, expandindo o conhecimento sobre essa matriz religiosa.

Com a chegada ao Brasil, no final do século XIX, dos imigrantes europeus, muitos vindos da Itália, por exemplo, percebe-se uma movimentação para não permitir que a cultura desses novos habitantes se sobreponha aos costumes dos povos que estiveram presentes no país nos três séculos anteriores. A partir desse momento, pode-se notar que cresce uma noção de que é preciso identificar-se como nação. É possível perceber o desenvolvimento de um senso de pertencimento sobre o Brasil e, com isso, surge a identidade nacional.

Com a percepção de que as teorias europeias não poderiam servir como base para a identificação da cultura brasileira, os estudiosos começaram a valorizar os costumes e as culturas dos povos que contribuíram para a construção e o desenvolvimento do país e, por conseguinte, para a caracterização da identidade cultural e nacional. A trajetória do processo de formação do território desde a colonização do país até o final do século XIX e início do século XX foi fundamental para esse entendimento.

Nesse sentido, pode-se concluir que a construção de um senso de pertencimento precisa considerar todo o contexto histórico de construção do território, bem como a valorização das identidades raciais existentes. Afirmar que o Brasil é constituído de culturas indígenas, negras e europeias se faz importante para concretizar o que se denomina cultura brasileira. Para um país que possui composição étnica tão variada, que padeceu e ainda padece de tantos problemas, valorizar suas raízes e seu processo de formação é essencial para garantir a sua identidade cultural e nacional.

Referência

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Identidade Cultural, Identidade Nacional no Brasil. Tempo Social, 1989, v.1, n.1, p. 29-46, 1989.

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.

A diversidade cultural no Brasil é ampla desde o processo de colonização de nosso país. Prova disso é o fato de que não há um traço fenotípico único que caracterize o brasileiro, como existe com povos de diferentes localidades da África e da Europa, da Índia ou dos países da Ásia Oriental.

Uma notícia chama a atenção para esse fato: em 2018, o mundo descobriu que o ditador norte-coreano Kim Jong-Un e seu pai utilizaram passaportes falsos com nacionalidade brasileira para viajar para países ocidentais.|1| Sim, é possível a um oriental coreano se passar por brasileiro, assim como pode fazer um nigeriano, um holandês, um indiano ou um nepalês. A verdade é que não temos, no Brasil, um fenótipo que nos defina, pois somos o resultado de uma intensa mistura.

Leia também: Cultura brasileira: da diversidade à desigualdade

Tópicos deste artigo

Resumo sobre diversidade cultural no Brasil

  • A diversidade cultural é a convivência simultânea de várias etnias e culturas em um recorte territorial e social.

  • O Brasil é um país com diversidade cultural.

  • A nossa diversidade cultural deriva da diversidade de povos que compõem o nosso território.

  • A diversidade cultural nos marca enquanto povo: somos, essencialmente, diversos.

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O que é diversidade cultural?

Pensando na dimensão continental do país é possível falar em apenas uma identidade nacional
Grande parte da diversidade cultural brasileira deriva das culturas dos povos africanos que foram escravizados entre os séculos XVI e XIX.[1]

A diversidade cultural é a composição plural de culturas que convivem juntas no mesmo território. As culturas advêm da formação étnica, que carrega não só traços raciais, mas também traços da cultura geral de um povo.

Cultura é um complexo conjunto de elementos que envolve arte (todas as linguagens artísticas possíveis, como a pintura, a escultura e outras artes visuais, o artesanato, a literatura, o teatro etc.), educação, religiões e religiosidade, culinária, idioma, festividades, histórias populares etc.

A cultura é representada na antropologia (uma ciência ligada às Ciências Sociais) por meio do conceito de etnia. O conceito de etnia também se relaciona com o conceito de raça (criado para dar conta dos conflitos raciais presentes em nosso mundo), pois cada agrupamento humano, além de apresentar suas características fenotípicas, apresenta sua cultura.

Falar em diversidade cultural também vai além do simples fato de constatar o convívio conjunto de culturas diferentes em um mesmo local. Ao falarmos de diversidade cultural, nós estamos falando também de respeito à diversidade e à pluralidade, pois uma sociedade com diversidade que se pretende justa e democrática precisa do respeito ao diferente para funcionar.

Confira no nosso podcast: Funk é cultura?

Por que o Brasil é um país com diversidade cultural?

O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (um dos chamados intérpretes do Brasil) escreveu um livro sobre a diversidade cultural brasileira. É um livro complexo, que tenta entender por qual motivo o Brasil se tornou o que é, mas que também celebra a nossa diversidade cultural.

O autor não aceita uma fórmula pronta, que apenas afirma que o Brasil é resultado da mistura de indígenas com povos africanos e europeus. Segundo Darcy Ribeiro, o Brasil agrupou, na sua formação colonial, cinco grandes eixos culturais, que por si só já têm diversidade. São eles:

  • O Brasil crioulo, da área litorânea do extremo norte da região Nordeste ao Rio de Janeiro, com bastante influência da cultura africana (que também é diversa).

  • O Brasil sertanejo, no interior do Nordeste, onde predomina a Caatinga.

  • O Brasil caboclo, predominante na região Norte, com forte presença de culturas indígenas.

  • O Brasil caipira, com predominância nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

  • O Brasil sulino, com predominância de miscigenação mameluca e grande influência europeia e indígena.

Isso nos mostra que falar da diversidade cultural brasileira é mais complexo do que parece. Podemos começar falando dos povos indígenas. Hoje existem 305 etnias indígenas brasileiras que ainda resistem ao genocídio europeu e ao etnocídio provocado pela cultura branca. São contados, aproximadamente, 900 mil indígenas vivendo em território brasileiro, de acordo com o Censo de 2010.

Estima-se que, em 1500, eram mais de cinco milhões de indígenas, o que sustenta a fecunda hipótese de que havia muito mais do que 305 etnias. Apesar de cultura muito similar dentro dos agrupamentos próximos, havia uma diversidade cultural imensa entre os povos indígenas.

Pensando na dimensão continental do país é possível falar em apenas uma identidade nacional
O Cacique Raoni é uma liderança indígena que luta pelo reconhecimento dos direitos e respeito à cultura dos povos indígenas.[2]

Em 1530, começou um intenso plano de colonização do Brasil por meio do sistema de capitanias hereditárias, o que motivou a vinda de portugueses para nosso território. Com as primeiras levas de portugueses que vieram para cá, já começou um processo de tentativa de aculturação dos povos indígenas e de miscigenação entre portugueses e nossos nativos que viviam nas regiões litorâneas, sobretudo do Nordeste e Sudeste.

Entre a segunda metade do século XVI e o século XVII, os colonos começaram a buscar uma mão de obra barata para trabalhar naquela que era a principal fazenda econômica da época: o engenho de açúcar. Com isso, colonos portugueses se valeram de um mercado que vinha crescendo e rendia muito lucro, o tráfico negreiro.

Africanos eram capturados e escravizados na África, eram vendidos para comerciantes, principalmente ingleses e portugueses, que traziam essas pessoas abarrotadas em porões de navios para o continente americano, para trabalharem nas lavouras. Essa prática foi mantida no Brasil até o século XIX.

Os povos africanos também eram diversos e muitos foram capturados em seus territórios por africanos de outros reinos ou aldeias. Havia africanos de reinos e de aldeias, das mais variadas localidades da África, que foram escravizados aqui. No início, eles não tinham uma língua comum nem falavam a língua de seus senhores, o que dificultava a resistência. Somou-se à diversidade cultural indígena a diversidade cultural africana. Também houve a influência portuguesa.

Mais tarde, chegou ao nosso território também descendentes de holandeses, franceses, espanhóis e, no século XIX, italianos. Ainda teve um intenso fluxo migratório de japoneses, árabes, turcos, libaneses e judeus de vários locais da Europa.

Como não houve, inicialmente, uma segregação racial na reprodução (diferentemente de outros povos europeus, os portugueses já eram miscigenados), a miscigenação aconteceu e a diversidade cultural se instalou em nosso país. Nós herdamos, portanto, traços culturais comuns de todos esses povos que aqui estavam ou que para cá vieram.

Leia também: O que é apropriação cultural?

Qual a importância da diversidade cultural no Brasil?

O primeiro e mais importante argumento a favor da diversidade cultural brasileira diz respeito à nossa própria cultura, pois ela só é o que é hoje por conta do curso da história que proporcionou todos os acontecimentos citados nos tópicos anteriores. Se não fosse diversa, não seria a cultura brasileira que temos hoje.

O segundo e mais forte argumento é o do respeito e da tolerância cultural. Por termos uma cultura tão vasta, aprendemos (às vezes nem tanto) a lidar com o diferente. Com isso, podemos desenvolver a tolerância por aquele que vive de maneira diferente da nossa e enxergá-lo como alguém que merece respeito bem como viver e expressar-se tanto quanto os que vivem e se expressam como nós.

É possível falar em apenas uma identidade nacional?

Não é tão simples definir a existência de uma identidade nacional brasileira, tendo como base apenas um dos aspectos que compõem nossa identificação. A sociedade brasileira é altamente diversificada e também diferenciada, não se estabelecendo nenhum tipo de padrão, por isso a dificuldade de definir a existência.

Qual é a identidade nacional do Brasil?

No Brasil, esse documento é a carteira de identidade ou Registro Geral (RG), um documento emitido para confirmar a identificação das pessoas. Na carteira são registrados os dados pessoais, como nome, data de nascimento, sexo, filiação, impressão digital, foto e assinatura, que vão reconhecer o cidadão.

O que é a identidade nacional de um país?

É possível entender a identidade nacional como o sentimento de pertença a um país e também como o conjunto de características próprias de uma nação, nas quais seu povo se reconhece.

O que é identidade nacional como podemos pensar a identidade nacional brasileira?

A Identidade Brasileira é um conceito que tenta unificar critérios de identificação e pertencimento comuns entre os cidadãos brasileiros. Essa tarefa é bastante desafiadora se levarmos em conta os elementos culturais, históricos e sociais que compõem a nação.