Vivemos numa época em que os ideais de direitos humanos tomaram o centro do palco. Gasta-se muita energia para promover sua importância para a construção de um mundo melhor. Mas, de modo geral, os conceitos em circulação não desafiam de maneira fundamental a lógica de mercado hegemônica nem os modelos dominantes de legalidade e de ação do Estado. Vivemos, afinal, num mundo em que os direitos da propriedade privada e a taxa de lucro superam todas as outras noções de direito. Quero explorar aqui outro tipo de direito humano: o direito à cidade. Show Será que o espantoso ritmo e a escala da urbanização nos últimos 100 anos contribuíram para o bem-estar humano? A cidade, nas palavras do sociólogo e urbanista Robert Park, é a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo. Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados. O Direito à Cidade já é símbolo de referência no Brasil nos campos sociopolítico e acadêmico. Sua origem e seu desenvolvimento mundo afora estão em manifestações políticas nas ruas, comunidades, favelas, parques, praças, praias, enfim, no espaço público. O Direito à Cidade tem uma dimensão coletiva aliada à da individualidade, articulando sujeitos e grupos sociais em torno de objetivos, estratégias e lutas voltadas à transformação da “cidade mercadoria” e das próprias subjetividades produzidas nas cidades capitalistas. O pensar e o agir na promoção do Direito à Cidade deve considerar suas diversas perspectivas, como as da Sociologia e da Sociologia Urbana, da Ciência Política, da Geografia, da História, da Economia Política, do Serviço Social, das Relações Internacionais, da Antropologia, da Filosofia, da Arquitetura e Urbanismo, da Segurança Pública, e do Direito. O Direito à Cidade não deve ser confinado à sua dimensão jurídica e deve ter centralidade a construção de lutas políticas por grupos sociais comprometidos com as suas pautas. Isso significa uma vinculação entre teoria e práxis, na qual a dimensão empírica, da realidade social, é o ponto de partida e de chegada, num Direito à Cidade política e socialmente orientado. Na universidade, em atividades de ensino, pesquisa e extensão, o empírico é o grande referencial para a compreensão dos fenômenos subjacentes às lutas urbanas e a formulação dos objetivos a serem alcançados no Direito à Cidade. Este livro é fruto de experiências conjuntas na orientação de pesquisas e/ou no exame de dissertações de mestrado e teses de doutorado, cujos(as) autores(as) aqui apresentam os resultados de suas pesquisas em artigos. Almejamos apresentar e difundir um mosaico de questões, temas, autores(as) e abordagens, para contribuir com o avanço da Pesquisa Empírica em Direito no Brasil e incentivar cada vez mais pesquisadores(as) a ingressarem ou se aprimorarem nesse universo. O conceito direito à cidade nasceu no ano de 1968 em uma Paris incendiária, onde uma onda de protestos contra reformas educacionais iniciada pela juventude culminou em uma greve geral, mobilizando toda a população da capital francesa. No mesmo ano, o sociólogo e filósofo marxista Henri Lefebvre (1901-1991) publicava o primeiro de uma série de livros sobre o espaço urbano: o Direito à Cidade (no original, Le droit à la ville). Primeiro marxista a de fato voltar sua pesquisa para a concepção do espaço urbano, Lefebvre definiu a cidade como a “projeção da sociedade sobre o terreno”. Para ele, as consequências da urbanização em muito superavam as da industrialização, e as cidades passaram a ser produzidas enquanto mercadorias. O resultado, segundo o autor, era a alienação, a qual Lefebvre chamava miséria urbana. O trabalhador periférico que enfrentava longas horas de transporte público, trabalhava e voltava a enfrentar as mesmas horas no retorno para casa era vítima, em sua concepção, de um espaço regulado, uma demarcação de vida com pouca possibilidade para o encontro e para o lazer. Assim, o direito à cidade surgiu como um conceito contrário à alienação provocada pelos imperativos de uma urbanização desenfreada e regulatória. Lefebvre lançava críticas e desafios aos gestores públicos e aos urbanistas, incentivando-os a pensar na cidade como um lugar de encontro, reunião e simultaneidade, onde o valor da cidade é o de uso, e não de troca. Direito à cidade no BrasilRecebido com fervor acadêmico e favorecido pelas intempéries políticas atravessadas por outros países, o trabalho de Lefebvre foi rapidamente traduzido para o português. Eram os anos de chumbo da Ditadura Militar (1964-1985) e a noção de um Estado de Bem-Estar Social era distante: moradia digna, transporte ou emprego não eram direitos garantidos para a maior parte da população. Na tese Direito à Cidade: Uma trajetória Conceitual, a pesquisadora Bianca Tavalori defende que se no meio acadêmico marxista da Europa e dos Estados Unidos o livro enfrentou ceticismo, principalmente por parte de pesquisadores como Manuel Castells, que estudavam movimentos sociais de luta por moradia (os quais Lefevbre considerava impeditivos para efetivação do direito à cidade), houve no Brasil uma combinação dos pensamentos de Lefebvre, da pesquisa marxista e dos diversos movimentos sociais que se articulavam. Em vista das desigualdades e vulnerabilidades do território brasileiro, começou a nascer no País a disputa por um imaginário de direito à cidade, articulada aos direitos de moradia, transporte, cultura e moradia. “Direito à cidade passou a ser um nome para dizer que queremos políticas de acesso a equipamentos básicos urbanos”, explica Tavolari. “Direito à cidade é uma expressão muito importante também no sentido de que gera identificação: quando mencionada em reivindicações de esfera pública, as pessoas sentem que pertencem à cidade”. Embora não com o mesmo nome, o direito à cidade se manifesta na Constituição de 1988. Os artigos 182 e 183 garantem a função social da propriedade urbana e a usucapião. Outro marco importante para o direito à cidade foi o Estatuto da Cidade, documento que tramitou durante 11 anos e que assegura o “uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. O termo retornou com força nas Jornadas de Junho de 2013, quando manifestações tomaram diversas cidades brasileiras, impulsionadas pelo aumento da tarifa de transportes públicos. O direito à cidade era um dos conceitos-chave, expresso de múltiplas formas, desde demandas por transporte público para acessar equipamentos da cidade até liberdade de se expressar publicamente sem ameça de violência e represália. Para a arquiteta Joice Berth, especialista em feminismo negro e direito à cidade, é a possibilidade de apropriação do termo por diferentes reivindicações que o torna tão fundamental na construção de uma cidade que de fato atenda a seu propósito social. “Cidade é um espaço público, onde você se locomove, mora, estuda, trabalha e cria raízes. As pessoas têm dificuldade de entender: como assim, direito à cidade, a cidade não é pública? É, mas não em sua totalidade”. A diversidade da cidade Embora exista, nos últimos anos, um alargamento na concepção da importância do direito à cidade, esse debate às vezes ignora que dentro de uma malha urbana se desenvolvem diferentes tipos de territórios, com mais ou menos acesso à direitos. Joice Berth interliga a efetivação do direito à cidade à participação social. “Direito à cidade é falar de política, senão dentro das instituições, na montagem de grupos de discussão e na ocupação de espaços públicos”. Ela complementa que é também dever da população fiscalizar as políticas públicas em trâmite no poder legislativo. A gritante desigualdade brasileira se materializa em uma malha urbana fragmentada. Enquanto o centro concentra maiores oportunidades de trabalho e habitação para população com maior poder aquisitivo, além de uma abundância de equipamentos de cultura, as regiões periféricas sofrem de um parco planejamento urbano, poucos pontos culturais e uma população de baixa renda aviltada de direitos básicos. “Os urbanistas precisam ter uma consciência social, racial e de gênero bem desenhada para poder realizar um planejamento urbano”, diz a arquiteta Joice Berth. Pensar o direito à cidade implica então compreender que, para que ele se efetive, as políticas públicas precisam considerar os trajetos percorridos pelas diferentes populações e realidades brasileiras, entendendo seu papel fundamental na diminuição da desigualdade nos âmbitos raciais, de gênero e de condição social. O que você entende por direito à cidade acha importante se mobilizar por esse tema?Este é um slogan para os movimentos em todo o mundo, que lutam contra as manifestações de muitas cidades modernas, em que os processos e serviços públicos foram privatizados e onde o desenvolvimento é impulsionado principalmente se não exclusivamente por empresas e mercados.
O que é o direito à cidade Brainly?O Direito à Cidade é um direito humano e coletivo, que diz respeito tanto a quem nela vive hoje quanto às futuras gerações. É um compromisso ético e político de defesa de um bem comum essencial a uma vida plena e digna em oposição à mercantilização dos territórios, da natureza e das pessoas.
Foi apresentado na reportagem o que você entende por direito à cidade?RESPOSTA: De acordo com a afirmação do arquiteto responsável pelo projeto da comunidade, o direito à cidade é o acesso que todos os habitantes devem ter, independentemente de classe social ou renda, aos diversos recursos urbanos, como moradia, escolas, hospitais, transportes, áreas de lazer etc.
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