Pessoas condenadas a pena privativa de liberdade em regime inicial aberto ou semiaberto, e que tenham respondido ao processo em liberdade, não devem ser presas enquanto aguardam decisão sobre a existência de vagas em estabelecimento adequado.
Essa decisão do Conselho Nacional de Justiça está ancorada na Resolução CNJ 474/2022 e tem o objetivo de corrigir distorções e injustiças que ocorrem quando algum apenado é preso em unidade prisional de regime fechado até que se verifique que não há vaga no estabelecimento de regime semiaberto para, somente então, ser aplicada a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com essa súmula, a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais rigoroso do que aquele ao qual foi efetivamente condenado.
Com a decisão do Plenário do CNJ, foi alterada a Resolução 417/2022, que instituiu e regulamentou o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP 3.0). A mudança teve origem em julgamento de pedido de providência e observa o entendimento do Superior Tribunal de Justiça manifestado em precedentes como o AgRg no RHC 155.785, o HC 599.475, e o HC 312.561.
O conselheiro Mauro Martins, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, enfatiza a importância da mudança e esclarece qual deverá ser o procedimento adotado.
"Agora, toda condenação transitada em julgado, em regime inicial aberto ou semiaberto, de quem respondeu em liberdade deverá desencadear a imediata autuação de processo de execução penal no Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), sem que a pessoa fique indevidamente presa em um estabelecimento destinado para casos de maior gravidade enquanto se apura a existência de vagas na unidade adequada à pena a que foi condenada."
Passo a passo
Para orientar magistrados e magistradas, o DMF elaborou uma orientação sobre as etapas a serem cumpridas no caso de uma condenação transitada em julgado em regime inicial aberto ou semiaberto.
Se a pessoa condenada a regime semiaberto ou aberto estiver solta, conforme verificação no BNMP, o juiz do conhecimento, primeira fase do processo, não expedirá mais o mandado de prisão para início do cumprimento da pena. Em lugar disso, o juiz deverá expedir uma guia de recolhimento.
Nesse momento, deverá ser autuado o processo de execução penal no SEEU, conforme os trâmites ordinários do tribunal local, quando, então, o juízo da execução deverá verificar se há disponibilidade de vaga em estabelecimento penal adequado ao regime semiaberto ou aberto.
Havendo vaga no regime semiaberto, a pessoa condenada será intimada para iniciar o cumprimento da pena com possibilidade de expedição de mandado de prisão, utilizando a funcionalidade disponível no SEEU ou no BNMP. Caso não haja vaga no regime aberto ou semiaberto, o juízo da execução deverá decidir pela substituição da privação de liberdade por outra forma alternativa de cumprimento, como a monitoração eletrônica e a prisão domiciliar.
Para viabilizar a nova sistemática e possibilitar a expedição da guia de recolhimento para início de cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto, o CNJ adaptou desde já o BNMP 2.0. A funcionalidade será nativa no BNMP 3.0, que entrará em vigor em 2023. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.
Processo 0006891-32.2021.2.00.000
Em quais hipóteses haverá a regressão de regime?
A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, conforme dispõe o art. 33, §1º, alíneas “a”, “b” e “c”, do Código Penal.
Como regra, a pena privativa de liberdade deverá ser executada de forma progressiva, sendo o condenado transferido para um regime menos gravoso, mediante o cumprimento de alguns requisitos objetivos e subjetivos, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal (leia aqui e aqui).
Todavia, existem situações em que a pena privativa de liberdade se sujeitará à regressão de regime, ou seja, o condenado será transferido para um regime mais gravoso de cumprimento de pena.
As causas de regressão de regime estão elencadas no art. 118 da LEP:
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).
§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.
Na hipótese do inciso I (praticar fato definido como crime doloso ou falta grave), basta a simples prática de fato definido como crime doloso, não sendo necessária a existência de sentença condenatória, tampouco o trânsito em julgado. Trata-se de entendimento jurisprudencial majoritário, com o qual não concordo, por violar o princípio da presunção de inocência.
Em relação ao cometimento de falta grave, deve-se observar o art. 50 da LEP, a saber:
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II – fugir;
III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV – provocar acidente de trabalho;
V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
O inciso II (sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime) destina-se às hipóteses de soma das penas.
Nesse caso, a nova sanção será somada à pena que já vem sendo executada, momento em que se chegará ao regime de cumprimento da pena.
Por fim, há a hipótese do §1º, isto é, quando o apenado “frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta”. Ora, impor a regressão de regime como decorrência do não pagamento da multa deveria ser incabível, assim como a pena de multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade. Se são independentes, o inadimplemento da multa não pode convertê-la em pena privativa de liberdade, tampouco afetar o regime de cumprimento da pena.
É importante destacar que, para que haja a regressão de regime, o condenado deverá ser ouvido antes da decisão, em audiência de justificação, conforme estabelecido no §2º do mesmo artigo. Nesse sentido, o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL. FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. OITIVA DO REEDUCANDO EM JUÍZO. IMPRESCINDIBILIDADE. 1. É imprescindível, para a regressão definitiva de regime carcerário, a prévia oitiva do apenado em juízo, sob pena de nulidade. 2. Agravo regimental improvido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no HC 208.334/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 20/06/2013)
Quer saber mais sobre esse assunto? Veja o meu curso de Execução Penal (clique aqui) e o curso por assinatura (clique aqui), que tem vídeos sobre Direito Penal, Processo Penal e Execução Penal.
Leia também:
- Câmara: Proposta prevê pena mínima de 25 anos de prisão na reincidência em crimes graves
- A conversão das penas restritivas de direito em pena privativa de liberdade sem o esgotamento dos meios ordinários para localização do réu
- STJ: penas devem ser unificadas se cumprimento da restritiva de direito não é compatível com prisão em curso