Essas imagens demonstram as transformações ocorridas no espaço ocasionadas

Introdu��o

A geografia permite compreender a rela��o sociedade versus natureza, assim como as singularidades e as particularidades que s�o inerentes �s transforma��es ocasionadas, por a��es passadas, no espa�o geogr�fico1, mas refletidas no presente e que podem ser verificadas no tempo e no espa�o.

Inicialmente, a ci�ncia geogr�fica privilegiava a descri��o das paisagens e as suas localiza��es, considerando apenas esses elementos para a an�lise espacial. No entanto, com o passar dos anos, percebeu-se que, por meio dessa forma de an�lise, n�o eram obtidas respostas satisfat�rias para a compreens�o dos fen�menos geogr�ficos, motivo pelo qual se passou a adotar uma vis�o integradora dos elementos existentes no espa�o.

A paisagem como uma categoria de an�lise, a priori, n�o possui uma defini��o marcada pela materialidade, n�o sendo suscet�vel a uma an�lise objetiva. Nesse sentido, busca-se uma valora��o da paisagem, al�m de compreender sua configura��o e transforma��o (temporal, humana e material), ou seja, uma percep��o que leve em considera��o o aspecto subjetivo e cognitivo humano, o seu grau de pertencimento a um grupo social e tamb�m como elemento que constitui a paisagem.

O estudo da paisagem � amplamente interdisciplinar, principalmente enquanto fen�meno presenciado, percebido ou vivido, o qual recebeu essa nova abordagem a partir da d�cada de 1970 com os estudos human�sticos na geografia, cuja base est� fundamentada na fenomenologia e no existencialismo. Nessa perspectiva, o pesquisador, indo ao encontro dessas novas ideias de percep��o da paisagem, no seu sentido cognitivo e subjetivo de pensamento, passou a consolidar a paisagem no seu significado material e imaterial (Castro et al., 2000).

Assim, partindo dessa vis�o integradora da paisagem, o objetivo deste trabalho � analisar as transforma��es da paisagem do bairro Nossa Senhora das Dores, caracterizado como tradicional de fam�lias italianas, localizado no munic�pio de Santa Maria, Rio Grande do Sul (Figura 1). O bairro � marcado por transforma��es ligadas � verticaliza��o, pela especula��o imobili�ria, pela instala��o de pontos comerciais e

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Figura 1
- Mapa de localiza��o do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul

empresas e pela pavimenta��o, o que acaba gerando uma descaracteriza��o do bairro quanto ao seu estilo familiar original, justificando a realiza��o desta pesquisa. Al�m disso, o foco investigativo caracteriza-se como um espa�o representativo para a �rea urbana dessa unidade territorial, pois, especialmente ap�s a d�cada de 1980, ocorreu a modifica��o da estrutura do bairro, principalmente em fun��o da presen�a de prestadoras de servi�os, de grande n�mero de empreendimentos e de condom�nios verticais, resultando no incremento da especula��o imobili�ria. Ressalta-se, assim, que, desde a d�cada de 1980, o bairro vem passando por profundas transforma��es f�sicas e socioecon�micas, que correspondem � din�mica espacial do processo de urbaniza��o, sobretudo de agentes transformadores do espa�o urbano, os quais se vinculam �s a��es de cunho tanto do Estado quanto do capital.

Como resultado da a��o dos agentes transformadores do espa�o urbano, podem-se citar o Royal Plaza Shopping e o Clube Recreativo Dores. Destaca-se ainda que o bairro, popularmente chamado de Dores, representa uma importante via de acesso entre a regi�o central e a leste do per�metro urbano, onde se localizam a Base A�rea e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as quais representam importantes institui��es que comp�em o munic�pio.

Mediante a escolha do bairro a ser estudado, desenvolveu-se a estrutura��o dos procedimentos metodol�gicos desta pesquisa em etapas. Inicialmente, realizou-se o levantamento bibliogr�fico, que consistiu em um resgate hist�rico, cultural e socioecon�mico do bairro em estudo, al�m de conceitua��es de paisagem com �nfase em transforma��es do espa�o urbano.

A segunda etapa, por sua vez, esteve relacionada � coleta de dados, buscando caracterizar esse recorte espacial, bem como a elabora��o de um instrumento de pesquisa (entrevista) a ser aplicado em campo. Os dados obtidos foram interpretados segundo o m�todo dial�tico, pois, de acordo com Sposito (2002), por meio da dial�tica � poss�vel interpretar os problemas do espa�o geogr�fico, a rela��o causa-efeito, o princ�pio da determina��o e de indetermina��o que cria din�micas territoriais, a diferencia��o entre processo e cronologia, e o princ�pio da autorregula��o. Conforme o autor, o entendimento desses fatores de modo sist�mico permite compreender as transforma��es do espa�o ao longo do tempo.

J� a terceira etapa desta pesquisa consistiu no trabalho de campo, o qual se somou � pesquisa bibliogr�fica e ao conhecimento emp�rico para a sele��o das pessoas que seriam entrevistadas. Identificaram-se oito moradores de fam�lias tradicionais que iniciaram o povoamento do local de estudo e que se mostraram dispon�veis para colaborar na pesquisa. Ainda nessa fase, resgataram-se informa��es, al�m de documentos e fotografias, sobre a instala��o de locais com relev�ncia simb�lico-cultural e de capital, como a Igreja Nossa Senhora das Dores, o Clube Recreativo Dores, o Royal Plaza Shopping, o Col�gio Cora��o de Maria e a Brigada Militar. Realizou-se tamb�m uma consulta ao Acervo Hist�rico Municipal e � Biblioteca P�blica de Santa Maria. Como etapa final, procedeu-se � an�lise e interpreta��o das informa��es obtidas em campo, relacionando-as com o referencial te�rico.

� importante destacar que, para a realiza��o da pesquisa, n�o se delimitou uma escala temporal devido ao escasso material (hist�rico e fotogr�fico) dispon�vel sobre o bairro. Nesse sentido, utilizou-se o relato dos moradores tradicionais para determinar os principais fatores respons�veis pelas transforma��es da paisagem. Os entrevistados elencaram os seguintes fatores em ordem cronol�gica de instala��o: Brigada Militar (1892), Igreja (1936), Clube Dores (1980), F�rum (1993) e Royal Plaza Shopping (iniciado em 1995 e inaugurado em 2010).

A percep��o da paisagem na geografia

A paisagem enquanto categoria de an�lise geogr�fica tem variado em termos de import�ncia e significado com o decorrer do tempo. Assim, conforme Cabral (2000), em alguns momentos da hist�ria, ela foi capaz de dar unidade e identidade � ci�ncia geogr�fica; em outros, ficou relegada a um segundo plano, perdendo sua hegemonia para outras categorias de an�lise, tais como as de regi�o, espa�o, territ�rio e lugar. Devido � sua associa��o com as formas dispostas e, portanto, vis�veis sobre a superf�cie terrestre, o termo paisagem tem recebido diversos conceitos e significados, os quais s�o, em sua maioria, abrangentes e imprecisos. Nas duas �ltimas d�cadas do s�culo XX, ocorreu uma retomada dos conceitos de paisagem entre profissionais de diferentes �reas, como arquitetos, urbanistas e ge�grafos. Nesse contexto, conforme Vieira (1998), o termo paisagem vem sendo entendido de v�rias formas, dando origem a express�es como paisagem urbana, paisagem rural, paisagem tur�stica e paisagem natural.

Segundo Cosgrove (1984), no campo da geografia humanista, corrente que aproxima a geografia da fenomenologia existencialista, a paisagem � compreendida como um mundo exterior mediatizado pela experi�ncia subjetiva dos homens, constituindo, portanto, tamb�m um modo de ver e conceber o mundo. Na Fran�a, esse tipo de an�lise e de estudo se desenvolveu entre os anos de 1970 e 1980, a partir de correntes focadas no espa�o centrado no homem, nas suas necessidades e nas suas viv�ncias (Sanguin, 1981).

� sob esta perspectiva, da geografia humanista, que a paisagem urbana do bairro Nossa Senhora das Dores � investigada. Ao entender que as paisagens t�m um sentido cultural/antropoc�ntrico, o conceito de paisagem adotado neste estudo � o de “paisagem vivida”, por estar relacionado aos processos de percep��o, cogni��o, afetividade, mem�ria e constru��o de imagens.

Sobre esse processo, Guimar�es (2002, p. 125) menciona que:

Todos os fatores impl�citos nestes processos, ao gerarem intera��es diferenciadas, envolvem muitos aspectos referentes �s formas de experienciar e aprender a amplitude dos dimensionamentos espaciais e temporais, onde para entendermos a paisagem vivida, n�o basta apenas a an�lise da percep��o da din�mica de suas estruturas espaciais, ecol�gicas, culturais, presentes no cotidiano de nossos lugares. � necess�rio que estejamos realmente imersos numa rela��o corpo/esp�rito/paisagem com os espa�os que se prolongam em sua pr�pria exist�ncia as dimens�es do imagin�rio, do m�tico, do s�mbolo, porque estes est�o delineados e coloridos pelos sentimentos.

Nessa perspectiva, as paisagens incorporam o significado de vivido, pois derivam de percep��es, valores e atitudes diante de espa�os e de lugares que, de acordo com Tuan (1983), remetem a outras realidades geogr�ficas, que v�o al�m das coordenadas cartesianas e das t�cnicas quantitativas e pragm�ticas para fundamentarem-se em aportes filos�ficos da fenomenologia/existencialismo.

Ao tratar mais especificamente dos estudos que envolvem a paisagem urbana, Vieira (1998) discorre sobre a import�ncia que estes t�m para a sociedade, pois, segundo ele, essa investiga��o tem como objeto de estudo um espa�o socialmente constru�do, com uma morfologia que resulta das influ�ncias culturais e econ�micas de cada �poca. Sobre a percep��o da paisagem urbana, Carlos (1992, p. 41) salienta que, a partir de sua observa��o, depreendem-se dois elementos fundamentais: o espa�o constru�do, imobilizado nas constru��es, e o movimento da vida.

O primeiro chama aten��o pela diferen�a, pelo choque de contrastes nos tipos de utiliza��o da cidade, do uso do solo urbano, enquanto o segundo elemento refere-se ao movimento das pessoas, apressadas ou n�o, dos meios de circula��o, etc. Em suma � um l�cus din�mico de atividades exercidas por pessoas, de acordo com suas necessidades sociais, vinculadas diretamente ao processo de reprodu��o do capital.

Assim, a paisagem urbana � fruto de obra coletiva produzida pela sociedade e, por isso, contempla todas as dimens�es humanas. Nessa concep��o, a paisagem revela-se repleta de vida, capaz de expressar sentimentos diversos, alguns contradit�rios inclusive. As marcas do tempo impressas na paisagem, facilmente identificadas por aqueles que ali vivem, pois o lugar � o espa�o da vida, revelam uma constru��o hist�rica cheia de arte e de lembran�a (Carlos, 1992).

Carlos (1992) acrescenta que a paisagem percebida denota uma imagem aparentemente im�vel, dotada de sentido, com a qual os sujeitos se identificam devido aos espa�os da vida que s�o pressentidos por meio da paisagem. Sob essa perspectiva, destacam-se ainda as coloca��es de Landim (2003, p. 24) sobre a import�ncia de se estudar a paisagem urbana de uma cidade, pois, segundo ela,

[...] a cidade pode ser reconhecida somente por interm�dio de sua paisagem urbana e essa paisagem � resultante dos elementos econ�micos, sociais e culturais que a produziram num determinado per�odo e contexto.

Evolu��o hist�rica da paisagem urbana do bairro Nossa Senhora das Dores

Com o crescimento gradual da popula��o urbana de Santa Maria, a Prefeitura realizou, em 1986, a divis�o dos bairros para proporcionar ordena��o das parcelas de terras. Assim, de acordo com o artigo 3� da Lei Municipal n� 2.770, de 3 de julho de 1986, que altera o per�metro urbano de Santa Maria, limites e distritais, e disp�e sobre as denomina��es de bairros urbanos, o bairro Nossa Senhora das Dores

[...] tem in�cio no cruzamento entre as ruas Benjamim Constant com a linha f�rrea Santa Maria-Porto Alegre, seguindo a linha at� a rua Euclides da Cunha, avenida Nossa Senhora das Dores e por �ltimo novamente com a rua Benjamim Constant at� encontrar a linha f�rrea. (Santa Maria, 1986).

O bairro Nossa Senhora das Dores est� inserido na por��o leste do munic�pio de Santa Maria, tendo sua exist�ncia marcada pela presen�a de imigrantes italianos e alem�es, de religi�o cat�lica, e de fam�lias numerosas que ali se instalaram em meados de 1900, conforme indicam os documentos concedidos pela Par�quia Nossa Senhora das Dores. Embora n�o existam registros oficiais do surgimento desse bairro, de acordo com os relatos dos moradores mais antigos, as primeiras fam�lias que se instalaram no bairro foram as de Abra�o Cassil (1862), Jango Lens e Chico Preto. Aos poucos, chegaram imigrantes provenientes das col�nias italianas de Silveira Martins, Sobradinho, Ibarama, Novo Treviso e Arroio Grande, todos do Estado do Rio Grande do Sul. Esses imigrantes advindos do campo, sem perspectivas de trabalho, vieram se instalar na cidade em busca de melhores condi��es de vida, o que acarretou o crescimento populacional no local, bem como a demanda de atendimento �s necessidades dessa popula��o.

Nesse contexto, surgiram as atividades de com�rcio e de presta��o de servi�os no bairro, como a venda de produtos alimentares, pequenos armaz�ns de secos e molhados, engarrafamento de bebidas, engenho de beneficiamento de arroz e moinho de farinha. Esses foram os precursores do ramo do com�rcio nessa �rea da cidade.

Considerando o desenvolvimento do bairro, nesse per�odo, ressalta-se a edifica��o da mais antiga Unidade de Cavalaria da Brigada Militar, criada em 1892. Ap�s sua inaugura��o, teve in�cio a urbaniza��o do local com a expans�o da constru��o de casas, que eram destinadas, em sua maioria, para a moradia das fam�lias de quem estava trabalhando no quartel da Brigada (Figura 2a).

Com o passar do tempo, a Unidade de Cavalaria sofreu modifica��es em sua estrutura e nas atividades realizadas. No ano de 1934, o pr�dio foi destru�do e deu lugar a uma nova constru��o mais ampla. Em 1935, a Brigada Militar passou a atuar como pol�cia.

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Figura 2
- Fotografias representando a evolu��o do bairro por interm�dio de diferentes fun��es e elementos dinamizadores socioespaciais: (a) Registro do Quartel do Regimento em 1934 e sua evolu��o para a Unidade de Cavalaria da Brigada Militar em 1955; (b) Registro da Par�quia Nossa Senhora das Dores em 1999 e a evolu��o das constru��es no entorno dela registradas em 2014; (c) Registro do Clube Dores em 1985 e sua evolu��o em 2005, com as amplia��es da estrutura; (d) Registro da �rea em que ocorreu a constru��o do Royal Plaza Shopping no bairro Dores no ano 2000 e compara��o com a �rea em 2010, destacando-se a torre do Shopping e as constru��es vizinhas
Fonte: Organizado pelos autores a partir do (a) Centro Hist�rico Coronel Pillar (2014); (b) Jornal “A Raz�o” (1999) e trabalho de campo (2014); (c) Acervo Hist�rico do Clube Dores (1985, 2005); (d) Acervo Hist�rico Municipal (Santa Maria, 1960) e Acervo Hist�rico do Royal Plaza Shopping (2014).

No ano de 1946, inaugurou-se o Hospital da Brigada Militar, que tinha como primordial fun��o a presta��o de servi�os aos policiais e seus dependentes. No ano de 1955, a Brigada passou a atuar como Regimento da Pol�cia Montada e foi percursora das atividades no interior do Estado, abrangendo, em 1974, o comando de 19 munic�pios.

A necessidade de um col�gio j� havia surgido no bairro, mas somente no ano de 1935, com esfor�os dos moradores, houve a constru��o do pr�dio do Col�gio Cora��o de Maria, que iniciou suas atividades com o curso prim�rio e, em 1937, inseriu o ginasial. Ap�s algum tempo, optou-se por formar turmas para o curso normal com inten��o na forma��o de professores, extinto em 1974. No mesmo ano, originou-se o curso de 1� grau (atual ensino fundamental). Somente em 1999, houve a abertura das turmas de 2� grau (atual ensino m�dio), contemplando todo o ciclo do ensino b�sico, que permanece no col�gio at� hoje atendendo a uma grande quantidade de alunos.

Devido � religiosidade dos imigrantes e � iniciativa de um p�roco, em 1935, iniciaram-se os esfor�os para a constru��o de uma Par�quia, edificada por meio do aux�lio financeiro dos moradores, o qual foi essencial para a aquisi��o do terreno e para a contrata��o da m�o de obra. Inaugurada em 1936 e denominada de Par�quia Nossa Senhora das Dores em homenagem � padroeira escolhida para reger a comunidade, foi a segunda Par�quia da cidade (Figura 2b).

Desde ent�o, a Par�quia � respons�vel por atrair pessoas, principalmente, em tr�s momentos: na P�scoa, quando realiza as celebra��es religiosas, com missa e Tr�duo Pascal; no m�s de setembro, quando re�ne associados de todas as capelas pertencentes � Par�quia para a celebra��o do anivers�rio da padroeira Nossa Senhora das Dores; no Natal, quando chega a reunir cerca de 3 mil pessoas no Gin�sio do Clube Dores.

J� a Associa��o Cultural Beneficente e Recreativa Nossa Senhora das Dores foi fundada em 1966, constru�da nos fundos da Par�quia em continua��o ao sal�o paroquial. Inicialmente, era formada por uma copa, uma cozinha, despensas e canchas de bocha e de bol�o, al�m de sala nobre para a realiza��o de reuni�es e de um p�tio para a pr�tica de esportes, como o futebol. Com a inten��o de aumentar suas depend�ncias, e n�o tendo mais possibilidade de expans�o, a Associa��o mudou-se para a Rua Bento Gon�alves – ainda no interior do bairro –, iniciando suas obras na d�cada de 1980 com uma estrutura modernizada. Foram constru�dos sal�es de festa, piscina, biblioteca, sede campestre, quadra poliesportiva e piscina t�rmica. A Associa��o, denominada mais tarde de Clube Recreativo Dores, � considerada o maior clube do interior do Estado e, de acordo com dados da diretoria, possui aproximadamente 30 mil s�cios atualmente (Figura 2c).

Outro importante fator dinamizador do bairro foi a localiza��o da rodovi�ria, a qual, ap�s v�rias mudan�as de endere�o, em 1960, foi implantada na Rua General Canabarro, hoje denominada Avenida Nossa Senhora das Dores, contando com amplo espa�o. Em 1972, foi classificada como “rodovi�ria de primeira categoria”. Todavia, devido � expans�o do n�mero de ve�culos, ocasionou atrasos no tr�nsito, pois se localizava em uma das principais vias de acesso ao centro da cidade. Por esse motivo, em 1988, teve de ser realocada no bairro Nossa Senhora de Lourdes, onde permanece at� hoje.

A instala��o do F�rum no bairro Nossa Senhora das Dores, por sua vez, ocorreu no ano de 1993, quando foi transferido do centro da cidade. A chegada desse novo empreendimento no bairro causou uma valoriza��o dos terrenos e, consequentemente, a especula��o imobili�ria, tanto para fins residenciais quanto comerciais.

Em 1995, iniciou-se a constru��o do Royal Plaza Shopping no bairro, empreendimento que conta com um condom�nio de 124 apartamentos, pra�a de alimenta��o e 256 lojas, al�m de estacionamento para 5 mil carros (Figura 2d).

A escolha desse local para as instala��es do Royal Plaza Shopping, segundo relatos de moradores, alicer�ou-se, fundamentalmente, nos aspectos favor�veis presentes no bairro, tais como significativa popula��o de classe m�dia/alta, sistema de transporte e fluxo de estudantes, e tamb�m na posi��o estrat�gica do bairro, que fica pr�ximo ao trevo de acesso a outros munic�pios. Atualmente, � prevista a expans�o das instala��es desse empreendimento, pois h� a especula��o da aquisi��o de outras casas localizadas no entorno. Em 2006, ocorreu uma nova divis�o dos bairros (Figura 3). Nossa Senhora das Dores perdeu territ�rio com a cria��o do bairro Menino Jesus, de modo que o entroncamento da Avenida Nossa Senhora das Dores com a Rua Euclides da Cunha, que at� ent�o era o seu extremo sudeste, passou a ser o centro geogr�fico do novo bairro.

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Figura 3
- Mapa da antiga (1996) e da nova divis�o (2006) do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul
Fonte: Organizado pelos autores a partir do IBGE (2015b); e de Schmidt et al. (2000).

At� o ano de 2006, a Avenida Nossa Senhora das Dores constitu�a o elemento de divisa com o bairro Nossa Senhora de Lourdes, o que se modificou em 2014, quando a Avenida passou a ser a art�ria que corta ao meio o bairro que leva o nome da Par�quia existente no local. Apesar da perda de territ�rio para a cria��o do Menino Jesus, o bairro conquistou �reas significativas dos vizinhos Km 3 e Nossa Senhora de Lourdes (Santa Maria, 2015).

Descri��o e interpreta��o da paisagem sob a perspectiva te�rica e o interm�dio de relatos dos moradores

Segundo Moreira (1988), a paisagem urbana � um mosaico de formas com distintas fun��es o qual permite uma leitura em diferentes escalas. Carlos (1992, p. 35) considera essa paisagem:

[...] como um instant�neo registro de um momento determinado, datado no calend�rio. Enquanto manifesta��o formal tende a revelar uma dimens�o necess�ria da produ��o espacial: aquela do aparente, do imediatamente percept�vel, representa��o do real que cabe intuir.

De acordo com os moradores e os documentos da Par�quia Nossa Senhora das Dores, os primeiros habitantes do local onde hoje � o bairro Dores eram descendentes de alem�es. Posteriormente, chegaram os descentes de italianos em maior contingente, vindos das col�nias de Silveira Martins, Sobradinho, Ibarama, Novo Treviso e Arroio Grande. Dentre as principais fam�lias, destacam-se: Barichello, Marin, Falkembaker, Dal Ponte, Trevisan, Sangoi, Faccin, Copetti, Ruviaro, Da C�s, Londero, Rossato, Antoniazzi, Maffini, Ravanello, De Cecco, Possebon, Pozzobon, Forgiarini, Beltrame e Basso.

Dessa forma, o bairro tornou-se um local t�pico de descendentes italianos, que se dedicaram a pequenos com�rcios locais, tais como: armaz�ns, barbearias, pequenos engenhos e casa de tecidos. � importante ressaltar que, nesse per�odo, fim do s�culo XIX e in�cio do s�culo XX, j� estavam instalados no bairro a Brigada Militar e o Hospital da Brigada.

Em rela��o � paisagem, os moradores relataram os tra�os rurais que o bairro Dores possu�a (com campos abertos, gado pastando e �rvores frut�feras), al�m da possibilidade que tinham de se banharem nos pequenos rios pr�ximos, afluentes do Arroio Cancela, o qual, atualmente, n�o pode mais ser visualizado devido �s canaliza��es para a efetiva��o das edifica��es.

Outra caracter�stica enfatizada pelos moradores consiste na tranquilidade de que o bairro era dotado na �poca (Figura 4). No entanto, com sua expans�o, essa particularidade, desde o crescimento do Clube Recreativo Dores, a instala��o do F�rum e a inaugura��o do Royal Plaza Shopping, foi totalmente alterada. Tais mudan�as contribu�ram para o aumento do fluxo de ve�culos e de pessoas, fazendo com que o bairro perdesse seu car�ter residencial.

A esse respeito, Christofoletti (1979) afirma que, por meio da ocupa��o e da implanta��o de suas atividades, o homem insere-se no ambiente como agente modificador das caracter�sticas visuais e dos fluxos de energia e mat�ria, modificando o equil�brio natural dos geossistemas, isto �, dos sistemas ambientais f�sicos. Segundo Cavalheiro (1991), as atividades advindas da concentra��o humana provocam uma ruptura na estrutura funcional de um ambiente natural. Como resultado, surge uma nova paisagem, derivada da paisagem natural.

Outro fator importante citado nesse contexto relaciona-se � pavimenta��o. Os entrevistados relataram que as ruas, inicialmente, eram de barro e de pedregulho, necessitando a utiliza��o de carro�as para atravessar pequenas dist�ncias. Nesse sentido, ressaltam-se algumas considera��es dos moradores:

Primeiro era barro aqui, pedregulho, e atravess�vamos de carro�a. [...]. Havia gado solto; onde agora tem o F�rum, era campo, e �amos l� comer pitanga. (Relato de morador residente no bairro desde 1945).

A cultura italiana predominante no bairro pode ser observada mediante o forte car�ter religioso. Segundo documentos da Par�quia Nossa Senhora das Dores (2006), ela foi edificada pr�xima �s fontes do Arroio Cancela, sobre um pequeno elevado chamado Alto da Eira. Era um lugar descampado e aberto, tendo aos fundos o Quartel da Brigada Militar. A leste, havia um terreno que, futuramente, seria destinado � Pra�a J�lio de Castilhos, o qual era um grande buraco semelhante a dunas, por�m de saibro avermelhado, que se tornou espa�o de brincadeiras e de esconderijos das crian�as, conforme consta nos registros do im�vel. Depois, foi doado pela Prefeitura para a constru��o do Col�gio Francisco Lisboa, escola voltada � educa��o especial, atualmente desativada. Ao sul, existia uma grande sanga coberta de arbustos, que servia de paradeiro e viveiro �s saracuras. A oeste, havia um vasto terreno baldio, que, posteriormente, foi adquirido pela fam�lia Trevisan.

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Figura 4
- Not�cia impressa no Jornal “A Raz�o”, enfatizando a tranquilidade do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul
Fonte: Jornal “A Raz�o” (1999).

Nesse contexto, a Par�quia era o local de encontro entre as fam�lias residentes do bairro. Uma das moradoras afirma, em um relato, que “[...] a vida girava em torno da igreja”. Era, portanto, um espa�o de viv�ncia em comunidade, o qual, atualmente, de acordo com os entrevistados, perdeu esse car�ter em virtude das constantes transforma��es do bairro. Nessa perspectiva, destaca-se a fala de outra moradora: “Agora minha irm� e eu vamos � missa e s� n�s nos conhecemos pois n�o conhecemos mais ningu�m”. Ressalta-se ainda que, aos fundos da Par�quia, no sal�o paroquial, a comunidade encontrava-se para confraterniza��es, quando ocorriam jogos de bocha e de bol�o, al�m de jantares de casais e fam�lias.

Com a pr�pria expans�o do bairro e com o aumento de moradores, foi criada, em 1966, a Associa��o Cultural Beneficente e Recreativa Nossa Senhora das Dores, que, posteriormente, veio a denominar-se Clube Recreativo Dores (1980), deslocando sua sede para a Rua Bento Gon�alves. De acordo com os moradores, a expans�o do Clube alterou a sua caracter�stica familiar, pois foram vendidos t�tulos para novos associados, atendendo n�o somente � popula��o do bairro, mas tamb�m ao munic�pio de Santa Maria como um todo. Os moradores, apesar de lamentarem essa perda de viv�ncia em comunidade, enfatizam, contudo, a import�ncia do Clube para a expans�o do bairro, uma vez que os promotores dessa expans�o s�o os pr�prios residentes, os quais ainda permanecem como membros da diretoria. Devido ao grande crescimento do Clube, em 1990, foi inaugurada a sede campestre do Clube Dores no bairro Tomazetti.

Outro fator relevante para a transforma��o da paisagem do bairro foi a instala��o do F�rum da Comarca de Santa Maria na Rua Alameda Buenos Aires (Figura 5), caracterizada, anteriormente, pela presen�a de diversos terrenos baldios. Tal inser��o contribuiu para a valoriza��o das terras no entorno e, consequentemente, para o aumento da especula��o imobili�ria.

Diante de todas essas transforma��es, � preciso destacar, conforme Landim (2003, p. 24), a import�ncia de se estudar a paisagem urbana de uma cidade, pois esta

[...] pode ser reconhecida somente por interm�dio de sua paisagem urbana e essa paisagem � resultante dos elementos econ�micos, sociais e culturais que a produziram num determinado per�odo e contexto.

Outra transforma��o a ser mencionada foi a constru��o de diversos condom�nios residenciais verticais nas proximidades, originando uma expans�o que permanece na atualidade, com diversas obras em andamento. Na d�cada de 1990, acompanhando o crescimento do bairro e ainda tendo em vista a exist�ncia de terrenos dispon�veis, surgiu a possibilidade da constru��o de um shopping como anexo de um condom�nio vertical – o Residencial Royal. Esse empreendimento se caracterizou como um importante dinamizador espacial do bairro, pois, a partir da sua implanta��o, com a instala��o do F�rum e dos demais empreendimentos que estavam sendo incorporados ao bairro, houve um aumento de edifica��es e de circula��o de pessoas e autom�veis, bem como a valoriza��o imobili�ria e a mudan�a na rotina dos moradores, levando a um incremento material e imaterial da paisagem.

Para a constru��o do Royal Plaza Shopping, realizou-se a compra de um terreno na Avenida Nossa Senhora das Dores, esquina com a Rua Motorista Mariano. O local era conhecido pelos moradores antigos como o “Buraco do Seu Martin”, por ser este o primeiro propriet�rio do local, cuja aquisi��o, posteriormente, deu-se por algumas das fam�lias tradicionais e ent�o vendido para a constru��o do Shopping. Nessa negocia��o, os propriet�rios receberam apartamentos, espa�os comerciais, dentre outros benef�cios.

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Figura 5
- Vista panor�mica do Residencial Royal para o F�rum e as constru��es no entorno do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul
Fonte: Trabalho de campo (2014).

De acordo com as entrevistas realizadas, os moradores avaliaram o empreendimento como um benef�cio para o bairro, que contribuiu para o crescimento econ�mico local, ainda que tenha gerado uma perda de identidade, ou seja, uma altera��o imaterial da paisagem.

Por meio de todos esses elementos citados, ocasionou a altera��o do perfil do bairro, o qual passou de residencial a importante centro comercial para o munic�pio de Santa Maria. Tal fato pode ser observado nas Figuras 6 e 7, em que a primeira demonstra a grande presen�a de domic�lios, e a segunda, a din�mica atual do bairro. Tais elementos s�o importantes para compreender a utiliza��o do espa�o do bairro em estudo, pois exerceram fun��es fundamentais para o desenvolvimento da paisagem local.

Infere-se que essa altera��o foi fator condicionante para a redu��o populacional, conforme a Tabela 1, assim como a mudan�a de configura��o do per�metro dos bairros, instaurada em 2006.

Algumas transforma��es da paisagem, j� citadas, provenientes da reorganiza��o do bairro em estudo podem ser visualizadas a partir da expans�o de constru��o de im�veis e pontos comerciais, bem como do aumento significativo da verticaliza��o. Na Figura 8, apresenta-se a configura��o atual do bairro.

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Figura 6
- Representa��o do uso e de ocupa��o do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, no ano de 1996
Fonte: Schmidt et al. (2000).

Essas imagens demonstram as transformações ocorridas no espaço ocasionadas

Figura 7
- Localiza��o dos elementos dinamizadores do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 2015
Fonte: Organizado pelos autores a partir do Google Earth (Google, 2015).

Tabela 1

- Popula��o absoluta de Santa Maria, Rio Grande do Sul, e do bairro Nossa Senhora das Dores (habitantes).

Essas imagens demonstram as transformações ocorridas no espaço ocasionadas

Dessa forma, por interm�dio das entrevistas e dos relatos informais dos moradores, constatou-se que estes percebem as in�meras transforma��es ocorridas na paisagem do bairro. No que tange �s altera��es materiais, pode-se citar o aumento de edif�cios (e, como consequ�ncia, o aumento no fluxo de pessoas e de ve�culos), de estabelecimentos comerciais, de infraestrutura etc. J� em rela��o �s altera��es de car�ter imaterial, destacam-se a perda de viv�ncia em comunidade (valores culturais e sociais) e a diminui��o da tranquilidade, que, inicialmente, era caracter�stica do bairro. Ainda quanto ao car�ter imaterial, os entrevistados que residem no bairro desde a sua origem salientam a rela��o de pertencimento e de afetividade com o lugar, evidenciada nos relatos acerca das lembran�as de inf�ncia (�poca em que “[...] nadavam nos rios, subiam nas �rvores, participavam de festas na Par�quia e no Clube”).

Essas imagens demonstram as transformações ocorridas no espaço ocasionadas

Figura 8
- Visualiza��o parcial do bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, Rio Grande do Sul (vis�o sudoeste, a partir do Residencial Royal)
Fonte: Trabalho de campo (2014).

Considera��es

� poss�vel afirmar que o desenvolvimento socioecon�mico do bairro Nossa Senhora das Dores ocorreu devido � contribui��o das fam�lias italianas que residem at� hoje no local, as quais foram respons�veis pela inser��o do com�rcio, pela constru��o de resid�ncias, pela venda de terrenos para a constru��o de grandes empreendimentos, como o Royal Plaza Shopping, e pela expans�o do Clube Dores (estabelecimento do qual at� hoje participam na administra��o). Observa-se, assim, a presen�a de transforma��es f�sicas e socioecon�micas, correspondentes � din�mica espacial do processo de urbaniza��o, sobretudo �s a��es dos agentes transformadores do espa�o urbano, que resultaram em diversos empreendimentos. � importante ressaltar ainda que essas transforma��es alteraram a estrutura do bairro, tendo ocorrido, principalmente, pela especula��o do com�rcio e servi�os e pela especula��o imobili�ria, principalmente com os condom�nios verticais e com a instala��o do Royal Plaza Shopping, o que ocasionou a valoriza��o dos im�veis locais, reconfigurando o espa�o.

Nota-se tamb�m o impacto das altera��es da paisagem urbana na vida de seus habitantes, j� que os moradores tradicionais sentem falta de quando o bairro era calmo. Apesar de, antigamente, configurar-se como um dos principais pontos de movimento do com�rcio, n�o pode ser comparado com o tr�fego nos �ltimos anos, que aumentou consideravelmente. Os moradores recentes, em contrapartida, gostam da atual configura��o do bairro, pois entendem que as altera��es deram “vida” ao local, trazendo atrativos nos finais de semana e estabelecimentos diversos, como padarias, farm�cias, cinema, escolas etc.

Partindo das considera��es expostas, � poss�vel afirmar que o bairro Nossa Senhora das Dores passou por transforma��es na paisagem, tanto de car�ter material quanto imaterial, tornando-se relevante para o munic�pio, uma vez que vem gerando empregos e movimentando a economia. Apesar de tais mudan�as, algumas caracter�sticas ainda s�o preservadas, principalmente pelos moradores antigos, que permanecem vinculados ao bairro, fortalecendo a identidade local.

Quais são as transformações do espaço?

São vários os exemplos decorrentes das profundas alterações ocorridas principalmente no último século no planeta, como o aquecimento global, efeito estufa e escassez de água. As décadas de exploração ocasionaram a extinção, somente no século XX pelo menos 15% das espécies da fauna e da flora foram extintas.

Como podemos observar a transformação do espaço?

Ao visitar uma área rural, podemos ver as cercas dividindo as fazendas, as plantações, a criação de gado, tudo isso dividindo espaço com as matas, os rios e outros elementos naturais. Tudo isso faz parte da transformação do Espaço Geográfico.

Quais são os elementos que compõem o espaço geográfico?

Elementos que formam o espaço geográfico Por ser um conceito dinâmico, o espaço geográfico está sempre em formação a partir das modificações criadas pelo homem. Assim, ele necessita da existência de dois agentes essenciais: a sociedade e o espaço natural.

Qual é a importância do trabalho para o espaço?

Para compreender o espaço geográfico é necessário analisar o trabalho e a técnica, pois através deles que o homem produz o espaço geográfico. E, o trabalho num movimento dialético contraditório se desenvolve por saltos quantitativos e qualitativos, no espaço-tempo.