Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus

TJ decide futuro de bens de casal homoafetivo após morte (fonte: http://www.tj.sc.gov.br )

A 3ª Câmara de Direito Civil do TJ, em processo sob a relatoria do desembargador Marcus Tulio Sartorato, reformou sentença da Comarca de Joinville para reconhecer apenas a sociedade de fato entre as companheiras R. e C., esta última já morta, determinando a divisão dos bens que compunham o patrimônio da falecida. Consta nos autos que R. ajuizou tal ação em face do espólio da ex-companheira, pretendendo o reconhecimento da sociedade de fato mantida por sete anos, com a conseqüente divisão do patrimônio conquistado com a vida em comum. Em contrapartida, o apelado afirmou que a falecida não deixou testamento ou outra manifestação de vontade, deixando, contudo, bens a serem inventariados, tendo sua mãe como única herdeira. Em audiência de conciliação, o caso foi resolvido, sendo reconhecida a união estável e homologado um acordo para a divisão dos bens. Desta vez, o Ministério Público interferiu, irresignado com o veredicto, para que fosse considerada apenas a sociedade de fato. O relator do processo esclareceu que R. da R. não pleiteou o reconhecimento de união estável, devendo a sentença guardar estreita relação com o pedido inicial, conforme o princípio da congruência. O magistrado ressaltou que a união estável nem poderia ser reconhecida, pois no ordenamento jurídico brasileiro, um outro requisito é a dualidade de sexos. Desse modo, manteve-se a sociedade de fato, pois há provas da colaboração de ambas as partes para a construção do patrimônio. "Também deve-se manter a sentença no que se refere à divisão do patrimônio, por ser inadmissível que o Judiciário fique alheio à manifestação de vontade dos litigantes, manifestada em acordo conciliatório", complementou o relator. A decisão foi unânime.

NOTAS DA REDAÇÃO

A homossexualidade deixa de ser apenas um fato social para entrar na pauta de julgamento dos Tribunais, razão pela qual a tutela jurisdicional vem mostrando o entendimento do Judiciário que começa a se formar sobre as uniões homoafetivas.

Segundo a Constituição da República de 1988 a família, base da sociedade, pode ser reconhecida pela União Estável, nos termos do dispositivo a seguir:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3ºº - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar , devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifos nossos)

No mesmo sentido dispõe oCódigo Civill no artigo abaixo:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher , configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (grifos nossos)

De acordo com a redação dos dispositivos legais, se extrai a regra de que a União Estável é aquela que se estabelece entre homem e mulher, excluindo assim a relação homoafetiva.

Diante da ausência de lei que regulamente esses casos, tem-se reconhecido, para fins de proteção patrimonial dos companheiros a "sociedade de fato", pois está permite que o companheiro supersiste tenha direito a parte do patrimônio que ajudou a construir durante a relação.

Contudo, alguns magistrados tem ido além e reconhecido a União Homoafetiva.

A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. (Apelação Cível: Nº 70012836755 - Relatora: Maria Berenice Dias) (grifos nossos)

A doutrina também tem compartilhado desse entendimento sob os seguintes argumentos:

As uniões homossexuais seriam entidades familiares constitucionalmente protegidas? Sim, quando preencherem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade. A norma de inclusão do art. 226 da Constituição apenas poderia ser excepcionada se houvesse outra norma de exclusão explícita de tutela dessas uniões. Entre as entidades familiares explícitas há a comunidade monoparental, que dispensa a existência de par andrógino (homem e mulher). A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque as normas do art. 226 são auto-aplicáveis, independentemente de regulamentação. Por outro lado, não vejo necessidade de equipará-las à união estável, que é entidade familiar completamente distinta, somente admissível quando constituída por homem e mulher (§ 3º do art. 226). Os argumentos que têm sido utilizados no sentido da equiparação são dispensáveis, uma vez que as uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria. (...) Além da invocação das normas daConstituiçãoo que tutelam especificamente as relações familiares, preferidas nesta exposição, a doutrina tem encontrado fundamento para as uniões homossexuais no âmbito dos direitos fundamentais, sediados no art. 5ºº , notadamente os que garantem a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Tais normas assegurariam "a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana". (...) Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram "numerus clausus". As entidades familiares, assim entendidas as que preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estão constitucionalmente protegidas, como tipos próprios, tutelando-se os efeitos jurídicos pelo direito de família e jamais pelo direito das obrigações, cuja incidência degrada sua dignidade e das pessoas que as integram. A Constituição de 1988 suprimiu a cláusula de exclusão, que apenas admitia a família constituída pelo casamento, mantida nas Constituições anteriores, adotando um conceito aberto, abrangente e de inclusão. (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: . Acesso em: 31 jul. 2008.) (grifos nossos)

No caso em tela, o juiz além de homologar o acordo de divisão dos bens, reconheceu a união estável entre o casal homoafetivo. Porém, o Ministério Público recorreu no sentido de ser reconhecida apenas a sociedade de fato, o que foi acolhido pelo Tribunal sob o fundamento legalista de que no ordenamento jurídico brasileiro, um dos requisitos é a dualidade de sexos.

Quais são as formas de entidades familiares?

As espécies de entidades familiares reconhecidas pela lei são o casamento, a união estável, a família monoparental e a família substituta.

Quais as espécies de entidades familiares previstas na Constituição Federal em vigor?

No bojo da Carta Magna, são explícitas como entidades familiares os seguintes modelos: casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226 § 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF), os quais serão tratados individualmente neste estudo.

Quais as possibilidades de famílias previstas na Constituição Federal de 1988?

Assim, verifica-se que existem três formas de constituição de família, quais sejam, a formada pelo casamento, seja ele civil ou religioso com efeitos civis, a formada pela união estável e a família formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O que é a família Constitucionalizada?

É o fenômeno da repersonalização do direito de família. A convivência familiar e os laços afetivos construídos no dia a dia das relações familiares prevalecem sobre o vínculo biológico, passando o afeto a ser o elemento determinante.