E possível a conversão da pena restritiva de direitos por pena privativa de liberdade no crime de uso de drogas?

Aborda acerca da possibilidade de se substituir pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de crime de traficância, conforme a visão recente do Supremo Tribunal Federal.

Tem gerado assaz polêmica a possibilidade ou não de se substituir pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de crime de tráfico de drogas.

É evidente a queda de braço travada não só pela doutrina, mas também pelos Tribunais pátrios. Tendo em vista a magnitude do assunto faz-se oportuno tecer alguns comentários a respeito da matéria.

Vale recordar, a propósito, que se destacam duas correntes juridicamente defensáveis. De um lado estão aqueles que não admitem a substituição considerando que tal benefício é inaplicável aos delitos de tráfico de entorpecentes, tendo em vista o óbice imposto pela Lei dos Crimes Hediondos, objetivando, assim, afastar esses criminosos do meio social. Por outro viés, destaca-se uma segunda corrente que acena à possibilidade de se aceitar a substituição. Com a devida vênia aos que pensam de forma diversa, esse último entendimento é o de nossa preferência.

A nosso ver o benefício só se tornou possível depois que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º, do artigo 2º da Lei 8.072/90, que fixava o regime integralmente fechado para o cumprimento de pena em caso de crimes considerados hediondos e a ele equiparados.

E ainda, com o advento da Lei 11.464/07, que alterou alguns dispositivos da Lei 8.072/90, passou-se a admitir a substituição de privativa de liberdade por restritiva de direitos para os etiquetados crimes hediondos e assemelhados, como é o caso do tráfico, já que o regime para o princípio do cumprimento da reprimenda passou a ser o inicial fechado.

Assim, não há de se negar que o óbice anteriormente imposto pela Lei 8.072/90 não deve ser ponderado quando da análise da possibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ainda que o crime tenha sido praticado na vigência do obstáculo legal - §1º, art.2º, Lei 8.072/90 - ele não deve ser levado em consideração, pois é lição comezinha a de que a lei nova que beneficia o réu deve retroagir.

Ultrapassada essa discussão, pauto-me a analisar outros elementos indispensáveis para a substituição.

Registra-se que para se alcançar o benefício é preciso que o réu preencha os pressupostos do artigo 44 do Código Penal. São eles:

“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II - o réu não for reincidente em crime doloso;

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.”

Também aqui não se logram sufrágios unânimes, mesmo diante da alteração do regime inicial para o cumprimento da pena em caso de crimes hediondos e assemelhados.

A aparente pacificidade do tema ora objeto de estudo não tem caminhado de forma serena nos Tribunais pátrios.

No que interessa para a discussão, entendemos que o assunto merece ser visto sobre duas óticas, ou seja, deve-se analisar se a traficância foi exercitada antes ou depois da entrada em vigor da nova Lei de Drogas – Lei 11.343/06 – que se deu no dia 08 de outubro de 2006.

Como se sabe, o artigo 33 da Lei 11.343/06 estendeu os patamares mínimo e máximo do preceito secundário referente ao crime de tráfico. Hoje, aquele que se enquadrar no dispositivo legal sancionador da traficância, pode ser condenado a uma pena que varia de 05 a 15 anos de reclusão. Ademais, o novo Diploma Legal em seu artigo 44 veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Logo, a nova Lei afasta qualquer discussão sobre a possibilidade de substituição, já que além de majorar a pena mínima para os crimes de tráfico, o que afasta a possibilidade da substituição – art. 44, I, CP - dispõe em seu texto de forma expressa sobre a vedação do benefício.

Superada essa questão, cabe analisar os crimes perpetrados antes da entrada em vigor da Lei 11.343/06.

Nota-se que a antiga Lei 6.368/76 castigava o traficante de forma menos rigorosa do que a nova Lei, ou seja, a pena para quem infringia o dispositivo repressor da traficância variava de 03 a 15 anos de reclusão. Vê-se, pois, que a pena mínima era mais benévola do que a estipulada no novo Diploma. Observe-se, ainda, que os crimes praticados na vigência da Lei 6.368/76 devem ser por ela punidos, tendo em vista a proibição da retroatividade in malam partem.

Pois bem. No caso de réu condenado à pena de 03 anos de reclusão por crime de tráfico e desde que preenchidos os pressupostos do artigo 44 da Lei Penal, cremos que a substituição é possível.

Provocado a se manifestar a respeito, o Supremo Tribunal Federal tem seguido por esse mesmo viés. Eis o teor da Ementa:

“EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS PRESENTES. SUPERAÇÃO DO ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90, QUANTO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. ORDEM CONCEDIDA. I - A regra do art. 44 do Código Penal é aplicável ao crime de tráfico de entorpecentes, observados os seus pressupostos de incidência. II - A regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.071/90, pode ser superada quando inexistir impedimento à substituição. III - Ordem concedida.” – Grifo Nosso - (Habeas Corpus n. 88.879 / RJ. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 06 de fevereiro de 2007. Publicação em 02 de março de 2007, p. 00038).

Aliás, nesse sentido também se manifestou a Segunda Turma, HC 84.715, bem como o Pleno, ao julgar o Habeas Corpus n. 85.894, oriundo do Estado do Rio de Janeiro.

Vê-se, pois, que a matéria resta pacificada perante o Supremo.

Nota-se, também, que apesar de a nova Lei proibir expressamente a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a remota Lei 6.368/76 não tratou do assunto. Assim, salvo melhor juízo, é forçoso concluir que não cabe ao intérprete vedar o benefício, já que o legislador não o fez. Logo, é plenamente possível a substituição no caso de crime de tráfico de drogas praticado antes da entrada em vigor da Lei 11.343/06 – 08 de outubro de 2006 - e desde que preenchidos os pressupostos do artigo 44 do Código Penal.

Biografia do autor: Assessor Jurídico no TJ/MT, graduado pela Universidade de Cuiabá – UNIC – campus Cuiabá, Especialista em Direito Processual Penal e Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC – campus Curitiba, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG e Especialização em Direito Público (em andamento) pelo Instituto de Direito Público – IDP -, campus Cuiabá, MT.

E possível a conversão da pena restritiva de direitos por pena privativa de liberdade no crime de uso de drogas?

Art 44: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.

E possível converter pena restritiva de direitos de natureza real em pena privativa de liberdade?

O descumprimento das penas restritivas de direitos enseja a conversão destas em pena privativa de liberdade. Embora o art. 44, §4º do Código Penal[4] utilize a expressão conversão, deve tal expressão ser lida como reconversão, de acordo com os ensinamentos de Cleber Masson[5].

E possível a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos quando se trata de condenação por crime hediondo?

Sempre que aplicada pena privativa de liberdade em patamar não-superior a quatro anos, é admissível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, ainda que se trate dos crimes equiparados aos hediondos.

E possível substituir a pena por restritivas de direitos?

Para os casos de condenação em crimes em âmbito de violência doméstica, mesmo que a pena seja inferior a 4 anos, não é possível a substituição por pena restritivas de direitos, esse entendimento foi objeto do enunciado de Súmula nº 588 do Superior Tribunal de Justiça.