Diferença entre preto e negro

Por Marcos Luca Valentim*

Importante ressaltar logo de cara: não há um consenso. As divergências são sutis e variam quanto ao conteúdo, mas jamais quanto à forma: é uma questão léxica e de ressignificação.

Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, propõe, em Crítica da Razão Negra, que o conceito de escravo tende a se fundir com o de negro até estes se tornarem uma coisa só. Para desfazer isso, ele defende a “reinvenção da comunidade”, e tal conceito encontra respaldo no processo de ressignificação e politização da ideia de raça, proposto pelo Movimento Negro Unificado (MNU) no final da década de 70.

E aí a pergunta que o título deste texto traz começa a ganhar várias respostas. Um artigo publicado em 1967 por Lerone Bennet Jr, editor sênior da revista Ebony, traz pontos importantes ao debate, como, por exemplo, a discussão que tomou conta dos Estados Unidos à época. Bennet escreve que “há um grupo que sustenta que a palavra negro é um epíteto impreciso que perpetua a mentalidade de mestre-escravo (…) outro grupo, constituído por defensores do Black Power, adotou um novo vocabulário em que a palavra preto é reservada para ‘irmãos pretos e irmãs que estão emancipando a si mesmo’”.

Tal debate nos remete à fala de Babu, no BBB 20. Ele fala da origem da palavra “negro”, dizendo que vem de nigro – do grego, inimigo – e, por isso, o certo seria falar “preto”. Na verdade, há discordância sobre a origem, posto que alguns historiadores acreditam que o termo tenha vindo do latim nigrum ou ainda necro, referente à morte (tese esta menos defendida). Mas o ponto é que o discurso de Babu caminha lado a lado ao do músico ganês Nabby Clifford, cujo vídeo onde aborda o tema se torno viral. Em termos gerais, Clifford diz que “negro” é uma palavra negativa, e o certo é usar “preto”. Vai nessa linha.

No continente africano, é diferente. O conceito de raça sequer existia lá: quem o levou foi o branco colonizador para justificar a escravização, justificar a inferiorização de um determinado povo. Ou seja, na África, antes da chegada dos europeus, não existia nem negro, nem preto. Não havia necessidade, pois são grupos étnicos que já têm identidades próprias: ashantes, yorubás, egípcios… Não precisam do conceito de raça para se compreenderem enquanto povos diferentes.

A escravização e as diásporas nos deixaram vários símbolos, e nenhum deles é vazio. “Criado-mudo” não existe em vão. A destruição do racismo é complexa por inúmeros fatores, e um deles é a língua, pois temos um dicionário ainda racista. Apesar de concordar com a visão de rompimento com o léxico proposto pela escravidão, não ouso discordar dos mais antigos, como o pessoal do MNU, que ressignificou a palavra “negro”. Por isso, repito: não há um consenso. A língua é viva, mas a História também tem que ser.

*Marcos Luca Valentim – jornalista e um dos líderes do coletivo negro do Grupo Globo.

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Qual a diferença entre preto, pardo e negro?

Preto e pardo são dois dos cinco grupos de cor e raça definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isto junto com brancos, amarelos e indígenas.

O termo preto toma como referência a ascendência oriunda de nativos da África. Independentemente de seu território ou construção social, pelo fenótipo manifestado por sua pele de cor escura.

Por pardo, é entendido a pessoa que possui ascendência étnica de mais de um grupo, ou seja, mestiça. Essa miscigenação engloba:

  • Descendentes de negros e brancos
  • Descendentes de negros com indígenas
  • Descendentes de índios com brancos

Além de todas as outras possíveis interações inter-raciais diretas ou indiretas.

Já o conceito de negro é definido pelo Estatuto da Igualdade Racial como:

O conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga.

Há argumentos contrários à classificação de pretos e pardos em um mesmo grupo. Algumas correntes de pesquisa afirmam que pretos sofrem muito mais discriminação. E, segundo a teoria do Colorismo, quanto mais escura a cor da pele de uma pessoa, maior o racismo sofrido em nossa sociedade.

Negros ou Pretos?

A discussão acerca do termo mais correto varia de acordo com a construção de diferentes culturas e o uso da língua.

Entretanto, no Brasil, parece caminhar para um consenso a ideia de que ambos os termos são aceites. Isto fundamentando-se na escolha e autoidentificação dos indivíduos ou grupos.

Para o IBGE, negro está relacionado à questão racial, enquanto preto tem sua relação exclusivamente na cor da pele.

Quem é considerado preto ou pardo?

Segundo o pesquisador do IPEA Rafael Osório, existem três métodos de identificação racial:

  • Autoatribuição de pertença ou autoidentificação: o próprio sujeito identifica o grupo ao qual se considera membro;
  • Heteroatribuição de pertença ou heteroidentificação: outra pessoa identifica o grupo ao qual o sujeito pertence;
  • Identificação biológica: feita por meio de análise genética.

O sistema classificatório do IBGE utiliza simultaneamente os métodos da autoidentificação e heteroidentificação.

Origem dos termos preto e pardo, e uso no censo brasileiro

O termo pardo tem sua origem junto com a história do Brasil, sendo registrada por Pero Vaz de Caminha em 1500. Em sua carta ao rei de Portugal, ele descrevia os índios como pardos. Já em sua etimologia, a palavra deriva de pardus, que significa "leopardo" em latim.

Já o termo preto era utilizado na primeira metade do século XIX para designar os africanos, enquanto o termo crioulo era usado para os negros nascidos no Brasil. Posteriormente, o termo preto passou a englobar tanto os africanos quanto seus descendentes.

Tanto os termos preto e pardo foram utilizados já no primeiro censo brasileiro, realizado em 1872. No censo de 1890, o termo pardo foi substituído por "mestiço", mas voltou a ser utilizado no censo de 1940 e permanece em uso até hoje.

Veja também as diferenças entre:

  • Raça e Etnia
  • Preconceito, Racismo e Discriminação
  • Racismo e Injúria Racial

Diferença entre preto e negro

Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (FPCEUP).